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Carnavalize


 
O jornalista e escritor, João Gustavo Melo lança seu novo livro “Carnaval e Boi-bumbá: entrecruzamentos alegóricos”, publicado pelo Selo Carnavalize. Com imagens do fotógrafo carioca Wigder Frota, o livro mostra como ao longo das últimas décadas o trânsito entre os profissionais do Festival Folclórico de Parintins nos barracões das escolas de samba tornou-se cada vez mais notável.
 
Em seis capítulos, o livro aborda a participação de artistas oriundos da cidade de Parintins nos desfiles cariocas, marcando uma série de transformações estéticas nas escolas de samba e registrando um movimento de fluxo e refluxo de influências nessas duas formas de festejo: carnaval e boi-bumbá. Embora distantes geograficamente, Rio de Janeiro e Parintins (carnaval e boi-bumbá) apresentam pontos de contato fundamentais na utilização das alegorias como recursos narrativos, visuais e estéticos de suas apresentações.

“A presença de alegorias cada vez mais suntuosas no carnaval carioca, especialmente nos últimos anos, tornou-se um caminho sem retorno no processo de espetacularização dos desfiles. Não por acaso, as escolas de samba foram incorporando, em sua multiplicidade de referências artísticas, os carros alegóricos como potentes formas expressivas”, diz o pesquisador João Gustavo Melo.

Os anos de 1990 marcam um período de intensa divulgação e espetacularização dos bumbás. Em um dos capítulos, o livro aborda um dos marcos entre Carnaval e Boi-bumbá: o desfile dos Acadêmicos Salgueiro no Carnaval de 1998, com o enredo “Parintins, a Ilha do Boi-Bumbá: Garantido X Caprichoso, Caprichoso X Garantido”. 

O autor acompanhou o processo de construção de duas alegorias: uma da Unidos de Vila Isabel, para o carnaval de 2019, e a do ritual indígena do boi-bumbá Caprichoso, em 2019, intitulada “Favorável Sentença”. “Ao estar pela primeira vez em Parintins, percebi finalmente que os veículos de massa e de mediação não dão conta da experiência do espetáculo in loco dos bumbás. Estar lá me fez enxergar o sentido da vida para os parintinenses: esperar junho chegar”, diz João Gustavo Melo. 
 
O livro “Carnaval e Boi-bumbá: entrecruzamentos alegóricos” é a 11ª publicação do Selo Carnavalize, que vem se dedicando a produzir uma bibliografia sobre o carnaval e escolas de sambas.  O lançamento é fruto de uma campanha de financiamento coletivo com vários pacotes de recompensa, a partir de 10 reais.

Adquira o seu na nossa lojinha.


 

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Introdução e Justificativa


Historicamente, o Império da Tijuca apresenta relevantes enredos que buscaram inspiração na cultura afro-brasileira. Como forma de afirmação dos saberes negros, contra o racismo e a intolerância religiosa, sempre se faz necessário afirmar os conhecimentos e as artes que envolvem as religiões de matrizes africanas. 

Para 2023, unimos essa poderosa narrativa ao olhar precioso de quem soube reconhecer e se inspirar em um elemento tão potente e enriquecedor, imbuído da força primordial, transformadora e criativa: o Axé. 

Para a tradição nagô-iorubá, o Axé é a energia vital que está presente no universo desde sua criação. Rodeia, portanto, a humanidade, seus divinos e as substâncias naturais da Terra. Abarca desde a pequena folha de uma grama até a pele do atabaque a rufar. 

Também é força do encontro. O Axé se porta como o ritmo que embala a ginga do corpo e preenche o significado da vida. Magia contagiante. É fé, presente nos candomblés e umbandas, dos xirês até os mais singelos amuletos. 

De tão vigoroso e presente na nossa cultura, o Axé não passaria despercebido aos olhos curiosos e atentos de quem sabe se encantar com a beleza e a poesia da vida. Foi assim que Héctor Julio Páride Bernabó, originalmente argentino, logo se tornou baiano, deslumbrado pela energia criadora e a potência afro-brasileira. 

O Axé, que já era arte, ganhou nova visão através deste grande pensador da imagem. Seu fascínio com as cores, os cheiros e os temperos da Bahia se derramaram em telas, aquarelas, painéis e gravuras. Imagens que eternizaram o jeito que só essa terra tem. Ao lado de Amado, Verger e Caymmi, foi um dos principais responsáveis pela construção da “baianidade” e por registrar o Axé em sublimes manifestações.

Com maestria, pintou e esculpiu o cotidiano do nosso povo. Dentre ritos e celebrações do terreiro, festas e aglomerações das ruas, vários momentos repletos de energia ganharam contorno nas obras do artista. Traçou o Axé das vestimentas, dos animais e dos instrumentos dos orixás, além de seus itans e lendas. Tornou-se ogã e Obá, cabeça feita no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá pela babalorixá Mãe Senhora.  

Munido da mais plena energia, nosso enredo se manifesta através das obras de Carybé: filho de Oxóssi, Obá de Xangô e cronista do povo.

Sinopse


Tela em branco na imensidão de Olodumarê, tal qual o mundo a ser criado. O primeiro risco do artista é caminho aberto de Axé, onde linhas se encontram feito uma encruzilhada entre a tinta e o papel. O movimento comanda o pincel como energia criadora, que traça os rumos da vida ao preenchê-la de cor. 

Do universo funfum, a nossa aquarela. Dos vários matizes, a energia vital. Eis o Axé.

A princípio, ele desponta em forma de natureza, ocupando as lacunas e se ramificando em galhos frondosos. Afinal, sem folha não há orixá. 

Na beleza do mundo, feito mata verdejante de Oxóssi, o Axé se alastra. Flutua no vento alaranjado guiado por Iansã, ilumina o céu como o fogo do trovão de Xangô. Escorre no papel em dourado doce, repousando sereno nas águas de Oxum. Deita-se salgado na imensidão azul de Yemanjá. 

Os orixás, em seus tons, matizes, animais e instrumentos, ganham forma no rabisco de um Obá, reconhecedor do Axé que pulsa nas cenas de sua arte.

Transcendendo a natureza talhada em madeira, a energia percorre outros cenários. Com traços fortes, o pintor risca o chão do terreiro. Lugar de troca e assentamento. 

Ogãs tocam na textura de couro dos atabaques, enquanto fundamentos são evocados para a entrega de oferendas. Reúnem-se em roda, convocam a força essencial, plantam Axé. Fazem dele o ímpeto e a vitalidade para os barracões que resistem.

O batuque dos terreiros se expande derramado pelas ladeiras e o padê abre os caminhos. Nas ruas, pingos de tinta e de gente desenham a paisagem das celebrações que ornamentam a Bahia das obras do Obá. 

Festas que não existem sem fé. Axé que desconhece a vida sem festa. As celebrações populares têm suas heranças ancestrais.

Seja num xirê, no Olubajé, na lavagem do Bonfim ou em Dois de Fevereiro. Toca o alujá, dança o São João. Saem correndo no Pelourinho os Erês brincalhões. Estão todos ali nas gravuras, pintando a vida com nuances de farra. 

O Axé, constante e circular, prolifera. Em aquarela, registra a alegria e o cotidiano da brasilidade. 

Está no cheiro da feira, no sabor forjado na panela, no aconchego da pele com cada fio de conta, na ginga da capoeira, no tabuleiro da baiana e em seus balangandãs. 

É muita gente que chega, batendo na palma da mão e apostando nos encontros como forças transformadoras.

Arte e cenários se misturam. No quadro, o chão da quadra: ambiente colorido onde o ritmista batuca, o mestre-sala risca o chão, a bailarina gira feito majestade e a folia faz o chão tremer. 

Os brincantes compartilham da mesma concha de feijão fervido pela velha baiana, unem-se pela proteção de um pavilhão, desfilam em cortejo. 

A cada embalo da bandeira desfraldada, ecoa pelo vento o Axé da ancestralidade do samba. Na avenida, vivemos kizombas, banquetes e batuques. Vibrações máximas, contagiantes, que nos preenchem de energia. 

Outrora vazia, a folha agora é painel de encontros tingidos de alegria pulsante.

Através de traços diversos, significados sinuosos de festa e devoção passam pelo olhar do artista e brincam de criar o mundo fundando Axé na quina de uma tela. 

Lá no canto do papel, é possível ver a assinatura daquele que o Império da Tijuca anuncia: 
Carybé. Obá das Cores do Axé.

Carnavalescos: Júnior Pernambucano e Ricardo Hessez

Texto: Felipe Tinoco, Juliana Joannou e Leonardo Antan

 

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 A Profecia das Águas


Presságio... Diante do espelho ondulante das águas, a menina courana sentiu a vida passar diante de si. Uma gota se transformou em oceano, fazendo o real transbordar em vertigem. 
Em transe, percebeu-se tragada por um assombroso redemoinho em meio a um dilúvio brutal. Então defrontou-se com o reflexo de uma mulher misteriosa, de manto reluzente e coroa luminosa, como que a protegendo da própria sina. E, de súbito, viu-se emergir em uma arca resplandecente sobre a qual flutuaria plácida a cortar a fúria das ondas.

A menina chorou frente àquela revelação. Dali em diante, tudo se desfez em mar revolto, apagando as memórias dos seus primeiros anos. Foi rebatizada em águas cariocas, no outro lado do Atlântico. E desse bárbaro ritual de esquecimento, brotou uma nova Rosa, preta e cálida: a Rosa mística do Brasil.
🌹 Auri Sacra Fames – A Fome de Ouro
Ainda jovem, seguiu em romaria vigiada, por léguas e léguas mata adentro. Vendida às Minas Gerais, foi obrigada a peregrinar com os cativos pela Serra da Mantiqueira, longo percurso que a assombrava com visões de paraísos e infernos. Entre bruma e poeira, cortava as alterosas cravejadas de sonho e temor.
Nas freguesias mineiras, a sociedade devota do ouro e dos diamantes era sustentada pela depravada escravização na colônia. Cortejos de penitentes saíam pelas vielas do arraial entoando ladainhas. Pediam perdão por muitos pecados, menos o de submeter outros seres humanos a condições degradantes em nome da adoração às pedras e aos metais preciosos. Pacto social que envolvia todo um sistema forjado no privilégio, na degeneração moral e violação da dignidade dos corpos pretos. 
Mas havia as frestas sociais. Enquanto servia de oferenda àquela civilização de escândalos e perversões, Rosa acumulou um tanto de joias para se enfeitar e sedas para se cobrir. Os parcos ganhos eram ostentados nos batuques do Acotundá. Na magia da noite escura, encandeada de luar e fogueira, a preta girava saia, saudava as almas e soprava aos ares a fumaça do cachimbo, religando-se à ancestralidade que brotava no terreirão da Fazenda Cata Preta, onde era cativa. 
Até que o corpo deu sinais de desgaste. E Rosa se desfez de tudo. Distribuiu aos seus o pouco que havia recolhido, como fez Maria do Egito, a santa meretriz que foi alçada ao altar celestial após doar aos desvalidos toda a riqueza de uma vida. Mais tarde, deixaria de ser a Courana para ser Rosa Egipcíaca, transitando entre a devoção e o misticismo.
🌹 Ventanias, Visões e Possessões 
Feitiçaria ou teatro? A freguesia alvoroçada se dividia em opiniões ao testemunhar as possessões da mulher, ocorridas entre rezas e sessões de exorcismo comandadas pelo padre português Francisco Gonçalves Lopes, o “Xota-Diabos”. 
Visagens chegavam a Rosa em ventanias ruidosas que apoquentavam sua mente dividida entre os solfejos dos anjos e os gritos dos malignos. Em êxtase espiritual, ela era saliva e fogo, arrepio e suor, lágrima e vulcão. Sentia, atordoada, a presença de sete demônios pairando sobre si em vertiginosas espirais, possuída tal qual Maria Madalena. 
Mas, assim como a personagem bíblica, a africana tinha também a alma acalentada pelo amor Divino. E os ventos agora lhe sopravam de volta ao litoral. 
🌹 A Flor do Rio 
Vivendo a debulhar as contas do Rosário, retornou ao Rio de Janeiro por onde desfilava como dileta serva de Deus. Sob o pálio da devoção a Santana, avó de Cristo, a negra cruzava a fé dos brancos com os cultos ancestrais aos mais velhos, herança da sua origem na costa africana. Rosa impressionava o universo religioso da cidade com seus dons premonitórios, jejuns e flagelações, tornando-se foco de curiosidade e admiração. Um passo para ser cultuada como Santa.
Levada pelo dever de perpetuar os pensamentos devocionais, alfabetizou-se nas letras divinas e passou a escrever compulsivamente. Foi assim que colocou no papel aquele que é considerado o primeiro livro a ser escrito por uma mulher negra no Brasil. Desta forma, derramava pelas suas mãos o bendizer da palavra revelada nos pergaminhos mais sublimes. 
Sentia na pele e no coração as dores das mulheres afastadas do convívio familiar. Assim, a visionária ergueu o Recolhimento, mosteiro com que ela havia sonhado como arca protetora a abrigar almas cujos corpos femininos eram negados pela sociedade. 
O poder da vidência não cessava e Rosa sonhou com a imagem de cinco corações radiosos e brilhantes. Cada vez mais santa no altar popular, foi se tornando mais mística, mais etérea e mais misteriosa. Elo entre Deus e a humanidade, a beata com dons paranormais seria desposada em um grandioso devaneio apocalíptico.
🌹 A Derradeira Profecia
Revelação. Rosa fechou os olhos e pressentiu um dilúvio de força descomunal que lavaria os pecados da humanidade. Estava novamente frente à imagem que tanto a impressionou na infância: a mesma mulher misteriosa de manto reluzente, protetora do seu destino. Debaixo do majestoso véu das virtudes, revelou-se a face verdadeira: era o próprio rosto de Rosa. 
Águas em turbilhão sairiam como veios da terra. E daquele reino sobrenatural emergiria não uma, mas duas arcas, flutuando entre a história e o delírio. Em uma, estava ela, no esplendor do seu último desvario; na outra, o rei Dom Sebastião, desaparecido em épica batalha em nome de Cristo. 
O enlace com o Rei dos Encantados consumaria a união mística para fundar o grande Império Brasileiro. Rosa, enfim, seria o rastro de salvação dos eleitos no triunfante evento do fim dos tempos, inundando as almas de esperança. Assim, cumpriu o enredo de uma vida e agora estava liberta para se tornar a própria Santa na qual se refletia. 
🌹 Uma Santa Negra no Céu
E lá no firmamento, aonde as águas do dilúvio a arrebataram, um concerto de marimbas e candombes a aclamou em sua saga de fé. Guardas da Santa Coroa, empunhando fitas e bandeiras, uniram-se em batuques para louvar à Santíssima africana que um dia viveu cercada de mistérios e virtudes em uma terra tão plena de vícios quanto de credos. 
Folguedos desfilaram em louvor à mulher que virou divindade, em sagrado cortejo de canonização popular. Nos jardins do Palácio Celeste, ela se enxergou em cada rosa que desafia a sorte, insiste em rachar o chão e brota da aridez. 
E no altar do Divino, todo enfeitado de flor, a mais bela Rosa orna a coroa do Senhor. 
Não é uma rosa qualquer. É a Rosa que o povo aclamou! 

 Autor do Enredo e Carnavalesco: Tarcísio Zanon
Inspirado no livro “Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil”, de Luiz Mott 
Texto: João Gustavo

 Referências: 


ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. O Reino Encantado: crônicasebastianista. Editor do Organizador, 2017.
ANTAN, Leonardo.  Laroyê, Xica da Silva: narrativas encruzilhadasde uma incorporação no carnaval carioca. Nova Iguaçu: Carnavalize,2021. 
MARANHÃO, Heloísa.  Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. Rio deJaneiro: Rosa dos Tempos, 1997.
MOTT, Luiz.  Rosa Egipcíaca:  uma santa africana no Brasil. Rio deJaneiro: Bertrand Brasil, 1993.
MOTT, Luiz.  Acotundá: raízes setecentistas do sincretismo religiosoafro-brasileiro, In Escravidão, Homossexualidade e Demonologia. S.Paulo: ícone, 1988, pp. 87-118.
PERES, Eraldo.  FÉsta Brasileira: folias, romarias  e congadas. SãoPaulo: Editora Senac, 2010. 
SIMAS, Luiz Antônio. Almanaque de Brasilidades: um inventário doBrasil popular. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2018. 
SOUSA, Giulliano Glória de. Negros feiticeiros das Geraes: práticasmágicas africanas e repressão em Minas Gerais na segunda metadedo século XVIII. Anais da Anpuh. Mariana (MG), 2012.




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Prólogo


No princípio era o verbo. E os verbos e as gírias estavam com o povo, era o povo, que descia o morro para transformar a rua em palco. Artistas de uma opulenta ópera popular chamada escola de samba, regida por um maestro/profeta que banhou de luxo a miséria e escancarou aflições escondidas em folhas de jornal.

Pelas mãos do profeta João esfarrapados ganharam ar de nobreza e protagonismo. Suas visões misturaram paraísos e infernos. Opostos que se atraem e se reinventam.

O evangelho segundo o João do povo teve suas primeiras páginas escritas na Academia do Samba e pregou que a regra é ousar. Seus delírios etéreos gozavam de intensa liberdade, não cabendo em si ou em julgamentos outros. Sem proibição ou pecado — abolir o não, purgar os preconceitos. A arte é para fazer sonhar, riqueza que não cabe em uma caixa ou que possa estar encarcerada nos porões de mentes tacanhas.

As epístolas deixadas ainda conduzem o reino do carnaval. Quem aprendeu em suas escrituras sabe bem que a alforria é soberana e que o encantamento e as inquietações provocadas pela criação e manifestação artística são elementos fundamentais de sanidade, capazes de provar que a fantasia é uma grande realidade.

João 30:90

Sinopse 


O misterioso pórtico ergue-se da página em branco do universo. Por detrás de suas portas maciças, cuidadosamente entalhadas por nobre criador, a mais sublime obra de arte: as faces de um novo mundo. Superfície coberta por jardins que atravessam o horizonte, contorno sem fim. Paraíso protegido, íntegro. Em uma exuberância desmedida brotam árvores, folhas e flores de suntuoso encantamento. Os frutos ostentam tenra suculência, despertam apetite inesgotável. Até onde os olhos alcançam tudo é deslumbrante.

Frondosa e exótica, a natureza se impõe guardiã da sabedoria. O paraíso, ao contrário do que relatam os livros, se expande em tons de vermelho, em ricas cores vivas, fortes e sedutoras, que tingem a terra e o céu.

Entre barro e costela levantam-se as primeiras criaturas. Imagem e semelhança divina, testemunhas únicas a experienciar a excelência do Éden, os mistérios guardados no paraíso original. Adão e Eva, nativos afortunados, são retrato do bom selvagem, carregam em si a pureza em estado bruto, a inocência cercada de curiosidade. Cada descoberta é magnífica: tudo é estranho e familiar. No paraíso, o real e o fantástico se frequentam, o vento fresco tem perfume de liberdade. Os corpos dançam fluidos, percorrem o ambiente livres para as ilusões.

Vagueiam pelos campos sem contar que em sua sombra espia-lhes a ira. Furtiva criatura a invadir sorrateira a calmaria do Éden. Dissimulada aos olhos e nas palavras, transfigura verdades e mentiras, destila veneno poderoso e ludibria talentosa a pureza nativa. Sedutora serpente de língua afiada, faz florescer na mínima censura a mais tenra tentação. De tantas árvores e tantos frutos, somente aquela, proibida, há de revelar os segredos da vida, de preencher a ignorância com sabedoria.

No afã por intensidade, em uma mordida, o vermelho perde a cor, a exuberância míngua. No perigo maior do paraíso, a perda. Fruto da desobediência, agora pecado original. O pórtico se fecha e o Éden esvanece. Paraíso perdido, herança primeira da humanidade, expatriada da perfeição por ser facilmente corrompida.

O ser humano é filho da queda, desorientado pela condenação aos limites mundanos. Aqui na Terra, jardim dos exilados, o inferno são os outros. A cada juízo, uma condenação. Tudo é perversão e pecado. Tudo é proibido. Grandes olhos vigiam a vida dos outros e sentenciam à margem quem desafia os “costumes”: exclusão, apagamento. A obediência anda incorporada na culpa.

Quem há de ter pecado maior?

Uma luta de vaidades se manifesta e entre a inveja e a ira os homens se afrontam. Onde antes dava valor, hoje boto preço. Vendo barato minha dignidade, pois meu paraíso são meus bens. Notícias de tempos corrompidos, dos prazeres da carne, da gula devastadora e da preguiça moral. Relatos de períodos obscuros e frios.

A esperança renasce na fé, na ponta da espada, duelo do bem contra o mal. Na luta diária contra as cabeças de um dragão insaciável pelo sofrimento. Com a batalha armada, põe-se entre nós a cavalgada do fim dos tempos. É ensurdecedor o som do galope austero dos cavaleiros do apocalipse se misturando nas ruas, despertando dores e espalhando terror. Vendem a paz que não queremos, propagam o conflito. Devastam, destroem, espalham a escassez e a fome. E nessa irradiação do caos, a morte é a verdade anunciada.

A velha barca para o inferno tem uma nova diretriz: a redenção vem para os renegados. Os crucificados, os doloridos: uma multidão marginalizada aos olhos dos homens. Seus demônios caíram por terra.

Louvados sejam os excluídos!

Louvados sejam os rejeitados!

A compaixão lhes aguarda no novo Éden. Reluz em tons fortes de vermelho, renasce de amores e sonhos. Portas abertas a quem tem fome e sede de infinito. Entrem e sejam tomados pelo êxtase de um paraíso em festa, efusivo como uma interminável noite de carnaval. Lugar de desejos e das individualidades. Caldeirão de diversidade. Paraíso dos devaneios, da liberdade democrática das ruas, da comunhão entre todos, onde a fantasia se mistura com a realidade. O que era aparente ilusão hoje alimenta os olhos, preenche do corpo à alma: a fartura, a união, o respeito. Ouse imaginar um paraíso “carnevale”, salgueirense, em que a celebração é a fonte da vida eterna. No lugar das trombetas, tambores da Furiosa dão as boas vindas e pedem passagem para toda a gente.

Ainda que a mesma história fosse contada setenta vezes ou ilustrada por trinta mãos talentosas, seria difícil fantasiar esse lugar de reencontro com a liberdade, onde o pecado não mora mais ao lado, pois o sagrado e o profano se misturam, são tão mundanos quanto divinos, fontes de um mesmo criador. Apenas abra os olhos e flutue pelos encantos e delírios do novo paraíso vermelho, pulsante como a Academia do Samba, viva de desejos e prazeres.

Autoria do Enredo: Edson Pereira

Pesquisa e Desenvolvimento: Edson Pereira, Ruan Rocha, Lucas Abelha, Victor Brito e Departamento Cultural.

Roteiro: Edson Pereira e Ruan Rocha


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Cheiro de pólvora perfumando as ventas. O parabelo carregado e a bala cortando os ares. O calango rabisca o chão, a boiada se inflama, o cavalo galopeia aperriado. O rifle balança como menina na mão do cangaceiro. A faca talha. Fura. Mata gente.

O cabra grita, o suor desce pelo gibão de couro. O líder do bando canta e os bandoleiros se colocam a arrastar as chinelas. A poeira laranja sobe sobre o xique-xique ainda verde. Criança de colo corre. O gato late. O cachorro solta um miado fino e a turma se põe a xaxar. Xaxando, me ponho a contar, nome por nome do time que Lampião comandava: tinha Corisco e tinha Dadá. Tinha Pilão Deitado, Beato e um homem brabo, com nome de cobra, vulgo Jararaca, que, ao morrer, dizem ter virado santo. Tinha também Graúna, Zé Baiano, Azulão e Cirilo Antão. Não me perdoo se esquecer o nome de Cansanção. Canário, companheiro de Adília, Pé de Peba e Pé de Pato. Pajeú, Volta Seca e Zé de Julião. Juntos, essa turma esquentava como pitú com pimenta ou o sol que arde, queima e castiga o sertão. Arruaça, rebuliço, Deus nos acuda e, no meio disso, reluz – como a chama do candeeiro – a estrela de Salomão, que brilha no chapéu de um cangaceiro, rei e capitão.

Contado nas palavras rimadas do cordel, cantado pelas cordas das violas do repente, tema para o gracejo do boneco mamulengo. Ele tá na boca e na reza dos beatos; nos aboios dos vaqueiros; na bagagem dos tropeiros; no motivo da lágrima que molha o rosto da carpideira. Tá lá o nome dele: Virgulino Ferreira da Silva. Vulgo Lampião, que morreu aos quarenta anos tiroteado numa emboscada que lhe separou a cabeça do cangote, no raiar de um dia vinte e oito, quando o calendário marcava o mês de julho, no ano de 1938.

Morto, Lampião foi direto aos portões do inferno. Morada do Encardido, Capiroto, Arrenegado, Peba, Excomungado. De nome Filhote e sobrenome Danado. A casa do Tinhoso onde pensava ser tratado e aceito como bom moço. Barrado no portão, fedendo a enxofre, montado em seu cavalo – agora, só de osso – se aperreou com a demora pra entrar, fruto da discussão com um diabo ainda moço.
O certo é que Satanás, dono daquela morada, por saber de quem se tratava, não queria confusão. Se desse ingresso a um cabra com a fama de Lampião, logo, sem demora, lhe chegava a desmoralização. Diante da negação, Virgulino Ferreira se inflamou e, acredite o senhor ou não, fogo no inferno o sujeito tocou.

Em brasa, morreu pra mais de cem cão queimado. Morreu Desgraça Pouca e Bananinha. Morreu Propina. Morreu um cão chamado Preguiça. Morreu Luxúria e Avareza. Saudades deixou o cão Safadeza. Gemendo, morreu Ypsilone. Em chamas morreu Furico. Morreu Belzebu muito apreciado por Satanás.

Sabendo do alvoroço, o Bicho ruim mandou chamar Lubisome, gritando por Aucapone – este, com o pau da prensa – gritou por Ritlê e Moléstia. Veio uma Diaba boa e braba chamada Quem Me Dera. Uma velha, famosa como Língua de Sogra. Soltaram a Onça Caetana da coleira e foram, com a tropa armada, pro meio do tiroteio, onde o cacete batia, o filho chorava e a mãe não via. Em boa luta, pra mais de duas horas, Lampião ainda de pé, com uma caveira de boi, arrebentou um cão, puxou do oitão, incendiou o mercado e lançou brasa no armazém de algodão. Prejuízo sem tamanho, matemática de se danar: perdeu-se todo o dinheiro que o Diabo ganhou com a rachadinha, queimou-se o livro de ponto, o Excomungado perdeu pra mais de vinte contos e Lampião, vendo que não era bem quisto, teve de se retirar.

Com a má-querença do excomungado, Capitão Virgulino montou-se nos costados de um azulão e arribou rumo ao portão do céu. Naquela morada, de cadeado bem trancado, bateu palmas dizendo querer entrar. Foi então que Pedro, santo carrancudo, largou do café que bebia, pra ver quem, na santíssima morada, queria estadia.

Sem crer no que via, São Pedro tratou de enxotar Lampião. Na mão esquerda, sua chave; na direita, um papel de pão. Nele, escrito toda sorte de judiação: filho da gota serena, ladrão, furador de bucho e assassino ferino. Amancebado, marcador de gente, bandoleiro perigoso metido com rapariga. É pirangueiro que bulinou mulher casada. Meteu galho na testa do pai de família.

“Não seja dedo-duro”, respondeu Lampião e, com o rifle na mão, fez a exigência: “me leve até o pai, pois é ele quem sabe de tudo. Sou filho do homem. Por ele parido e não sou bastardo. Tu até parece brabo, mas, nessa santíssima mansão, tu não manda, tu é mandado”.

Diante da ousadia, São Pedro tocou o sino. Vejam vocês, chamou uma tropa de anjo menino. Mandou São Jorge selar o cavalo e ordenou a São Gonçalo Ivo: “Chame Antônio e São Miguel. Chame também por Gabriel. Diga a Santa Rita que venha. Apresse Nossa Senhora da Penha. Diga à Bárbara que cesse a macumba; que São Longuinho apareça; que João menino traga o triângulo e a zabumba”.

A santaria veio num pinote. Lampião corria, parecia uma festa junina, quando ele então, pendurou-se num balão e clamou ser levado à presença de “Cíço” Romão. “Isso é golpe baixo”, berrou São Judas Tadeu, interrompido por Santa Luzia que lhe advertiu: “Se tem padrinho, não morreu pagão. Deixe que o balão suba e leve o moço até os aposentos de Padre Ciço Romão”.

Lampião bem que tentou. Padim Ciço advogou. Mas São Pedro, o pé não arredou: “és um sujeito malcriado e o diabo também não lhe quis. Desça daqui pra terra. Vá vagar pelo sertão. Torne-se assombração, mas suma, antes do fim do barulho de meu trovão”.

Mal quisto no inferno e sem a guarida do santíssimo, Lampião desceu à terra em busca de alguma morada. Astucioso, querendo a eternidade, o homem que em vida perdeu o coco para ser sabedor do que havia depois da morte, queria habitar agora o quengo que pertencia aos outros.

Primeiro, andou fazendo assombro ao abrigar-se por de trás do dente canino e pontiagudo de uma carranca que navegava no São Francisco. Na sequência, foi morar no breu do olho direito e cego de Patativa do Assaré. Esteve abrigado na sombra de cada palavra dita e escrita pela pena do poeta. Em dia de festa, esteve de tocaia na sanfona de oito baixos de mestre Januário. Durante anos, seu paradeiro foi o gibão de Luiz Gonzaga. Com ele, foi ao Sudeste, ao rádio, exibiu-se na televisão. Esteve sob a coroa de couro de outro rei, o do baião.

Astucioso, buscando uma morada que não lhe fosse perene, deixou-se amassar pelas mãos de Vitalino. Misturou-se então – pra sempre – nas entranhas de corpos sem osso e sem costela. Tá em toda sorte de gente, ainda hoje, feito de uma mistura que cozinha um bocado de barro mágico, pouca água e o fogo que arde feito o sol desfeito em brasa.

Pesquisa, desenvolvimento e texto: Leandro Vieira.

*Inspirado nos Cordéis “A Chegada de Lampião no Inferno” e “O grande debate que teve Lampião com São Pedro” de José Pacheco.


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