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Carnavalize


Texto de Leonardo Antan, com colaboração de Vítor Melo.
Arte e visual: Vítor Melo.
Revisão: Felipe Tinoco.

Como diz a sabedoria popular: tudo que é bom dura pouco! Nossa #SérieDécada está chegando ao fim. Produzimos incessantemente, durante o último mês, uma série de textos, podcasts e listas abordando os grandes desfiles, sambas, comissões de frentes, personalidades e imagens do carnaval desta última década. Com um levantamento histórico e analítico destes anos, buscamos propor um olhar dos rumos que a folia tomou em suas mais diferentes áreas, traçando um panorama amplo e abrangente.

Todo esse conteúdo foi selecionado coletivamente por nossos integrantes e simbolizavam exatamente aquilo que acreditamos ser pertinente ao universo artístico-cultural das escolas de samba. Se o nossas análises refletiram grandes espetáculos e inquestionáveis momentos marcantes da história desses últimos dez anos, reservamos o último texto dessa série para expor, além de um panorama do recorte temporal baseado no ranking da liga, algumas incongruências de nossas leituras ao serem comparadas com resultados oficiais. Essas divergências podem e devem ser relativizadas. Afinal, não devemos basear a festa apenas na cabeça do seleto corpo de jurados escolhido pela LIESA e dos dirigentes que viram a mesa quando lhes convém, ditando as rédeas da festa.

Com esse panorama, todavia, não possuímos a menor pretensão de ditar o que seriam propostas certas ou erradas. Tentaremos apenas propor possíveis caminhos sobre os quais a folia possa rumar nos próximos anos. Além disso, analisaremos quais os legados dos acontecimentos desse período e como eles podem reverberar no futuro das escolas de samba e em seu julgamento. Para iniciar a conversa, preparamos um mapa comparativo, baseado nas notas dadas pela entidade organizadora dos desfiles, o “Ranking LIESA”. Ele costuma ser um retrato dos últimos 6 carnavais de cada ano. Aqui, consideramos todas as escolas que pontuaram em seus cortejos no Grupo Especial entre os anos de 2011 a 2020 - recorte temporal base de nossa série.

Pontuação: 1º - 20pts. ; 2º - 15pts.; 3º - 12pts. ; 4º - 10pts.; 5º - 8pts.; 6º - 06pts.; 7º - 04pts.; 8º - 03pts.; 9º - 02pts.; 10º - 01pt.

Ao analisar esse levantamento, encontramos uma interessante chave de caminhos a serem seguidos para o percurso de cada agremiação na década. Mesmo que o julgamento oficial possa e deva ser relativizado, é ele quem baliza as tendências que guiam as agremiações, mostrando certas "fórmulas" que aparecem replicadas e se confirmando ano a ano. Entendido isso, passaremos um rápido panorama de cada agremiação. 

Sendo a maior campeã do recorte temporal proposto, não é surpresa a Beija-Flor liderar a tabela mesmo com algumas baixas colocações. Se no início deste recorte a azul e branco se manteve estável nas primeiras posições, os últimos anos mostraram complicações e certas mudanças na Deusa da Passarela, sobretudo depois de 2014. Após o amargo 7º lugar, a escola passou por uma sequência de transformações internas. E, mesmo com um título, seus rumos geram muita discussão entre a comunidade carnavalesca. Os caminhos da agremiação também culminaram na pior colocação da história da azul e branco - o 11º lugar de 2019. No mais, é válido ressaltar que sem o controverso título de 2018, a azul e branco perderia importantes posições e, certamente, não assumiria o topo. Se isso acontecesse, seria ironia uma escola que não teve nenhum título na década assumir a liderança do ranking? 

Com o título de 2018 indo para Tuiuti ou Salgueiro, escolas que brigaram com a Soberana até as últimas notas, é fato que a Academia do Samba estaria no topo do ranking, já que ficou apenas dois pontos abaixo da coirmã. Com um time estável e de grandes profissionais que durou boa parte da década, o Salgueiro se firmou como a escola mais regular desses anos. Mesmo após uma polêmica troca de gestão em 2018, o torrão amado continuou firme e forte na busca por boas posições. Com vaga cativa no desfile das campeãs desde 2008, a posição mais baixa conseguida pela escola, na classificação geral, foi um 5º lugar em quatro oportunidades. Portanto, sua regularidade, que parece não ter saído dos trilhos mesmo após conturbada transição política, é, de fato, um trunfo fundamental de um período em que muitas escolas tiveram seus altos e baixos acentuados.

Comissão de frente de um dos grandes desfiles salgueirenses da década: o carnaval de 2015. (Foto: Riotur/Fernando Maia)
Sagrando-se campeã duas vezes desde 2011 e consolidando a figura criativa de Paulo Barros, a Unidos da Tijuca chegou ao fim da década com uma forte crise de identidade, mas, ainda assim, garantindo uma boa colocação na tabela. Após o marcante acidente de 2017, a azul e amarela acabou perdendo a força de outrora, marcada por suas "apresentações técnicas" nos quesitos de pista, musicais e plásticos. Após posições mais amargas, a agremiação parte para a nova década apostando na contratação do talentoso Jack Vasconcelos em uma busca de se se renovar.

Ainda na região da Grande Tijuca, a Estação Primeira de Mangueira fez um caminho oposto ao da vizinha do Borel e ainda terminou os últimos anos com os mesmos dois títulos da agremiação tijucana. Com exceção de 2011, a verde e rosa fez desfiles mais problemáticos e conseguiu posições tímidas até o meio do recorte temporal. A chegada de Leandro Vieira, uma das personalidades da década listadas, estabeleceu um importante ponto de virada não só na agremiação, mas também no carnaval como um todo. O artista introduziu novas soluções visuais à hegemonia estética em voga, trazendo um novo paradigma artístico-temático, que reverberou fortemente nos anos seguintes e inspirou outros artistas. Não só por meio do talento plástico do carnavalesco, a Estação Primeira também se consolidou com um time de profissionais coesos e que garantem notas dez em diversos quesitos, como comprova seu título de 2019, consolidado com nenhuma nota que não fosse a máxima contabilizada, somando 270 pontos. Famigerado dream team!

Abre-alas do carnaval verde e rosa campeão em  2016, homenageando Maria Bethania. (Foto: Riotur/Fernando Grilli)

De uma matriarca para a outra, foi apenas um ponto que deixou a Portela atrás de sua rival histórica neste ranking. A azul e branco teve trajetória parecida com a verde e rosa, vindo de gestões polêmicas e apresentações nada expressivas na pista sagrada da Marquês da Sapucaí. Fora o resultado oficial, a Águia deixou no começo da década uma importante contribuição nos rumos que o gênero samba-enredo tomou nos últimos carnavais, como apontamos no panorama sobre o quesito nesse texto. A chegada de uma das personalidade do período citadas na nossa série, Marcos Falcon, fez uma mudança completa na forma como a Majestade passou a se comportar na Avenida, culminando no esperado fim do histórico jejum de títulos da agremiação em 2017. 

Outra campeã da década, que também teve sua trajetória pouco regular, foi a Vila Isabel, que fecha o desfile das campeãs do ranking. Após três carnavais como potência da folia, a azul e branco entrou em uma crise interna a partir de 2014, a qual gerou carnavais pouco marcantes e problemáticos. Vale ressaltar o carnaval de 2016, desfile em que a escola aliou um pertinente tema a um belíssimo visual, assinado por Alex de Souza, e uma ótima trilha sonora. De qualquer forma, não foi suficiente para figurar entre as primeiras posições, terminando em 8º. Para o julgamento oficial, a agremiação se recuperou em 2019 quando apresentou um desfile, de fato, grandioso e opulento. Por outro lado, esse fator não representou um reencontro com a identidade do povo de Noel. Historicamente engajada e valente, a escola vem apostando em temas mais burocráticos e que pouco dialogam com a herança de vanguarda e progressista da agremiação.

A águia altaneira campeã do carnaval de 2017, dando fim a um jejum histórico. (Foto: Riotur/Fernando Grilli)
Seguindo ao sétimo e ao oitavo lugar, surgem duas escolas com trajetórias divergentes durante os últimos carnavais. Mesmo sem conquistar seu sonhado título, a Grande Rio termina à frente de umas das vitoriosas do período. A tricolor da Baixada teve diversos altos e baixos, mas parece ter virado a chave pra iniciar um período bastante animador. O divisor de águas, entretanto, foi a problemática apresentação de 2018, que teria custado à escola um rebaixamento se não fosse a famigerada virada de mesa orquestrada pelos dirigentes em plenária da liga. Antes de firmar o ponto no terreiro caxiense de Tata Londirá, a escola optou por uma proposta que não funcionou como o esperado. Tentando rir da própria desgraça e refletir seus erros no senso comum de todos nós, o tiro acabou saindo pela culatra, mas abriu os caminhos pra grande virada que ocorreria no próximo ano. De 2020, o povo de Caxias tem de legado sua verdeira refundação com a chegada dos talentosos artistas Leonardo Bora e Gabriel Haddad, o vice-campeonato, com uma vitória que por pouco não se concretizou, marca uma transformação nos próximos anos de folia caxiense e dá indícios que inicia a construção de uma identidade tanto pedida por sua comunidade e por nós, apaixonados por carnaval. 

Falando no trágico ano que ainda não acabou... A Mocidade Independente de Padre Miguel figurou num modesto oitavo lugar no resultado geral do ranking, mesmo com o título em 2017 compartilhado com a azul e branco de Madureira. Assim como a coirmã Portela, a estrela de luz também teve um início problemático de década, assolada em uma problemática gestão e insatisfatórias exibições. Diferente da parceira de pódio, entretanto, a verde e branco demorou mais alguns carnavais para se reerguer. Com a posse da nova diretoria em 2014, a escola proporcionou um dos desfiles mais queridos desse período, "Pernambucópolis" - que figura em nossa lista dos desfiles injustamente esquecidos da década. A alviverde, porém, levou mais três anos na tentativa de conquistar uma boa posição, mas compensou quebrando o jejum de vinte anos. Após o título, consolidou boas posições entre as seis primeiras, marcando um reencontro de identidade da agremiação, coroado com a ótima apresentação em homenagem a Elza Soar no último carnaval.

Fim do desfile caxiense no carnaval 2020, que rendeu o vice-campeonato à escola. (Foto: Carnavalize/Vítor Melo)
Rival histórica de Padre Miguel na década de 1990, a Imperatriz Leopoldinese também teve anos menos brilhantes nos carnavais deste período. Mesmo frequentando o desfile das campeãs com regularidade, foram cinco retornos ao sábado em dez carnavais. As apresentações leopoldinenses geraram, ao menos, bons momentos como a homenagem ao galinho de Quintino em 2014, a passagem de Raoni pela Sapucaí em 2017 e também a homenagem ao Museu Nacional, que sofreria um fatal incêndio meses depois, em 2018, que apesar de queridos figuram entre os poucos lembrados. Ainda assim, a Rainha de Ramos seguiu tímida ao longo dos anos e acabou envolvida em uma apresentação problemática que gerou o seu rebaixamento em 2019. Escrevendo uma grande página de sua história por linhas tortas, a passagem da agremiação pela Série A gerou um dos melhores desfiles da década no grupo. Revigorada, a escola chega para o próximo ano de retorno à elite e nos proporcionando um esperado reencontro com Rosa Magalhães, na expectativa de que se reveja as vitoriosas exibições de outrora.

Na parte final da tabela, uma curiosa inversão ilógica chama atenção: o posicionamento da Viradouro, escola que desfilou apenas três vezes na década no Grupo Especial e mesmo assim ficou na frente de coirmãs que frequentaram a elite de ponta a ponta, entre 2011 a 2020. As duas primeiras posições garantidas pela agremiação niteroiense nos últimos anos são frutos de uma exemplar gestão, encabeçada por Marcelinho Calil, e um sólido investimento do município de Niterói em seu ativo cultural. Essa união de fatores, então, fez a Viradouro se sobrepor, no ranking, a escolas como a União da Ilha e a São Clemente.

Mesmo com alguns bons desfiles, as coirmãs dividiram uma falta de regularidade nas suas apresentações. De um lado, a tricolor insulana fechou o período rebaixada, enxergando-se diante a novos desafios a partir de 2021. Já a preto e amarelo amargou um penúltimo lugar do ranking apesar dessa ser maior estadia no Grupo Especial de sua história. Ambas escolas apresentaram bons desfiles durante esse período, que poderiam inflar suas posições no ranking final. Mas sentiram na pele, porém, o peso de uma avaliação viciada e relutante em premiar escolas com pavilhões sem tanto "peso". O panorama foi ainda mais cruel com a preto e amarelo da zona sul, que foi ultrapassada ainda pela Paraíso do Tuiuti com apenas três desfiles no Grupo. A escola de São Cristóvão, por sua vez, conquistou expressivos pontos com seu histórico vice-campeonato em 2018, no qual ganhou destaque não apenas nacional, como também preencheu capas de jornais e sites mundo afora. Fixou-se, em vista disso, em uma significativa passagem pelo grupo, muito fermentada pela ótima atuação de Jack Vasconcelos.

Uma das alas da Imperatriz Leopoldinense no carnaval 2020, em que conquistou o retorno ao Grupo Especial. (Foto: Riotur/Marcos Ferraz)

E agora? O que esperar? 


A #SérieDécada conclui um balanço técnico-artístico bem positivo para os rumos que as escolas de sambas provavelmente seguirão nos próximos anos. Mais do que a gasta discussão entre modernidade e tradição que sempre perambulou a história do carnaval, é importante notar como transformações necessárias aconteceram na festa em diversas esferas. Ainda que os últimos anos sublinhassem sérios problemas administrativos e comercias do espetáculo em se profissionalizar e prestar bons serviços a quem os consome, a reinvenção artística de muito setores atraiu novos públicos ao carnaval.

Isso se deu tanto no início deste anos, com a figura midiática de Paulo Barros e o sucesso de seus carnavais na Unidos da Tijuca, como pelo surgimento de novos carnavalescos que redefiniram fortemente os quesitos estéticos e as narrativas escolhidas. Do show hollywoodiano do artista pop do Borel à brasilidade popular e o refino estético de Leandro Vieira da verde e rosa, novos caminhos a serem seguidos foram estabelecidos de modo meteórico. A aposta de novos nomes, estimulada principalmente pela crise financeira que o país passa, fez e faz surgir talentos expressivos e que se vislumbram como fortes promessas para os próximos anos.

Por trás do truque: os bastidores da inesquecível apresentação da Unidos da Tijuca que transformou os rumos dessa década. (Foto: Dhavid Normando | Riotur)

E isso não ocorre só na área visual. As baterias de agremiações também viram novos e talentosos mestres surgirem, como o Macaco Branco, na Vila Isabel, e Fafá, na Grande Rio. Não restritivo ao quesito musical, pode-se estender também aos casais de mestre-salas e porta-bandeiras, aos intérpretes e aos coreógrafos de comissão de frente que deram as caras. Falando, aliás, no grupo de abertura dos cortejos, nenhuma outra parte do desfile sofreu tantas mutações e discussões nos último anos como essa. Da mágica do "É Segredo!", o casal Rodrigo Negri e Priscilla Mota estabeleceu um paradigma imponente, transformando o quesito em um verdadeiro show de abertura, movimentando o mercado atrás de truques de ilusionismo, super produções e elencos numerosos. Em contrapartida, após anos de tripés gigantescos, as comissões vêm se reinventando e apostando também no teor emocional e na carga apelativa de suas apresentações. Nessa maneira, podemos facilmente citar o marcante trabalho de Patrick Carvalho no Paraíso do Tuiuti, em 2018, o qual trouxe novos ventos aos ares puramente espetaculosos que pairavam pelas comissões e ainda pode dar frutos.

Como a festa nos reserva surpresas ano a ano, presenciamos o renascimento de muitas escolas, as inesperadas quedas (ou quase) de outras e, além disso, os altos e baixos de consideradas potências. Foram, sem dúvidas, anos imprevisíveis - e não só positivamente. Acidentes graves apontaram falhas históricas nos fazeres cotidianos, mostrando a importância de um retraçar de rotas e caminhos na profissionalização das escolas e na regularização de suas estruturas. Além disso, viradas sucessivas de mesa colocaram em xeque, mais uma vez, a credibilidade das disputa, motivando importantes discussões - inclusive sobre a figura dos gestores das agremiações. Afinal, é sempre válido negociar e tentar se acertar com o poder público?

Paraíso do Tuiuti 2018: visão geral do desfile que marcou uma nova onda de enredos críticos. (Foto Fernando Grilli / Riotour)
A relação com o poder público, sobretudo municipal, também definiu bastante dos rumos da década. Se no início destes anos, tivemos um governante fortemente identificado com a folia, que promoveu reformas em diversas quadras de escolas de sambas, além de uma remodulação profunda inclusive no palco principal dos cortejos. Assim, em 2012, veio a criação de novos módulos de arquibancada no Sambódromo, modelando um novo espaço cênico para os desfiles. Mas depois destes primeiros anos de bonança, tudo foi fortemente transformado com a chegada do novo prefeito carioca.

Historicamente apoiadas pelos governantes e estimuladas como protagonistas da cultura carioca, as escolas se viram ameaçadas e preteridas em meio a um projeto político excludente, predominantemente pautado em pastas religiosas, capitaneadas pelo atual prefeito-bispo. Após mais de oitenta anos, realizou-se o primeiro desfile das escolas do Grupo Especial sem apoio da prefeitura, fruto da mudança sócio-política que o pais enfrentou. O cenário conturbado transformou ainda os rumos de narrativas do grande divã nacional que é a Avenida. Se em 2013 quase todas as agremiações faziam seus temas em busca do esperado patrocínio, esse cenário se transformou completamente ao longo dos últimos anos. Após um longo hiato, os enredos autorais e principalmente os críticos voltaram à pauta com mais força do que nunca. E, se antes eram ainda relativizados, ganharam as primeiras posições, comprovando sua pertinência histórica - revivem uma das grandes frase de Fernando Pamplona, ao tirar da cabeça o que não se dá no bolso.

Se com os cofres mais vazios e enredos mais pertinentes as escolas de samba viram mudar seus conceitos artísticos e transformar suas comissões de frente, pode-se dizer também que a trilha sonora dos desfile se tornou muito mais gostosa de ser ouvida. Após anos de marasmo criativo e uma interminável busca pelo "ita perdido", os sambas parecem ter encontrado os trilhos da criatividade e do gosto apurado. É inegável a transformação que o gênero seguiu desde 2012 com o inexorável "Madureira sobe o Pelô". Mesmo que eventualmente tenham surgido alguns "bois com abóbora", as safras musicais ganharam certo destaque durante esses anos e geraram obras antológicas para os anais momescos. Como nem tudo são flores, uma fervorosa discussão sobre a encomenda de sambas deu a tônica desde os meados da década. Se é uma proposta válida ou não é outra história, mas é algo que culmina discussões sobre os futuros das disputas de sambas e já gerou também grandes obras da nossa festa. Por fim, engana-se quem pensa que é privilégio do Grupo Especial uma boa trilha sonora. A Série A, desde a sua fundação em 2013, tem propiciado ótimos sambas - principalmente, quando nomes renomados do MPB apareceram por lá.

Marcante alegoria do carnaval mangueirense em 2020 chegando à Apoteose. (Foto: Riotur/Gabriel Nascimento)
Ufa! Haja fôlego para tantas transformações. Se alguns problemas históricos persistem, boas novidades fascinam nossos olhos, mentes e ouvidos. Em meio às crises, apontamos sempre os problemas, mas não podemos perder o poder de nos fascinar com os fatores que são pulsantes: os artistas da dança, do canto, do ritmo, dos pincéis e das letras. Reinventa-se, assim, dia a dia, a festa - como disse Rosa Magalhães: "Escola de samba é uma coisa viva e está sempre em mudança. Se fosse estática, talvez ela estivesse em decadência".

E em meio a um novo cenário mundial? Haverá carnaval em 2021? Como estará o mundo pós-pandemia da COVID-19? Por enquanto, apenas interrogações do que virá por aí figuram em nossos pensamentos. Enquanto isso, você pode conferir como as escolas de sambas estão se movimentando diante o cenário de isolamento social e reafirmando suas identidade sócio-culturais aqui.

Sem dúvidas, a #SérieDécada deixará saudades, mas fez uma importante leitura e um denso panorama de vários aspectos contidos nos anos desse recorte. Abaixo, você pode conferir todos os textos sobre o carnaval carioca que foram postados dentro dessa sequência:

  1. Os 10 desfiles mais marcantes do Grupo Especial do carnaval carioca
  2. Os 10 desfiles mais marcantes da Série A do carnaval carioca
  3. Os 10 melhores sambas-enredo do carnaval carioca
  4. As 10 maiores personalidades no carnaval carioca
  5. 10 desfiles esquecidos dignos de mais do que poucas memórias
  6. As 10 melhores comissões de frente do carnaval carioca da década
  7. Os 10 desfiles que foram verdadeiros delírios coletivo
  8. As 10 imagens mais marcantes do carnaval carioca na década
Além dos textos, o #PodcastDoCarnavalize também retornou trazendo os bastidores de cada um desses TOP 10, aprofundando as discussões e escolhas de cada um dos panoramas. Os membros do Carnavalize, de quarentena, reviram vários desfiles e votaram pelos 10 destaques de sambas, desfiles, comissões de frente, personalidade… É óbvio que não faltou debate! Confira na sua plataforma agregadora de podcast favorita, clicando aqui. 

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Sinopse do enredo do Império da Tijuca pro carnaval 2021

“SAMBA DE QUILOMBO: A RESISTÊNCIA PELA RAIZ”

IMPÉRIO DA TIJUCA – CARNAVAL 2021


Estou chegando. Venho com fé, respeito mitos e tradições. Trago um canto negro e aquela gente de cor, com a imponência de um rei, vai pisar na passarela. Vamos esquecer os desenganos, viver a alegria que sonhamos, mas depois da ilusão...será que o samba ainda está em nossas mãos?

A poesia do negro partideiro ficou pra escanteio quando “visual virou quesito”. Valendo apenas quem se veste mais bonito as custas de muito dinheiro. Falsos valores escritos por “brancas mãos” de intelectuais e acadêmicos que invadiram nossos terreiros. Carnaval virou mercado, produto de Estado. Mas não me incomodem, por favor. Samba é verdade do povo, ninguém vai deturpar seu valor!
        Nasci manifesto, preto protesto à luz de Candeia, na viola de Paulinho, na poesia de Nei e Moreira. Batizado pela resistência e bravura de Palmares, da união e insatisfação de irmãos baluartes. Compositores “quilombolas” cantando com pés no chão fundaram a “Nova Escola”.
Em meu pavilhão, o branco inspirado na simplicidade da paz, sintetizando um mundo de amor, simbolizado no dourado e lilás. Aqui todos podem colaborar, mas ninguém pode imperar. A sabedoria é meu sustentáculo e meu princípio é o amor. Sou a casa da nossa cor, que carrega no peito a ancestralidade e tradição, desabrocha sua arte e lugar de fala, no corpo, na voz e nas mãos.
Se manifesta no girar da baiana; no versar de um partideiro. Por poemas, filmes e melodias; pelos debates e discursos no terreiro. Movimento pelo compositor, por reconhecimento das barreiras que preto enfrenta nesse país. Mas exaltando toda a riqueza de nossa raiz e compreendendo que o samba é quem faz nossa gente mais feliz. Extraio o belo das coisas simples que me seduzem, sendo lar de sambista e centro das artes da negritude.

Logo oficial do enredo do Império da Tijuca pro carnaval 2021

No barato tecido, um folclore negro colorido, na cultura popular ancestral, a estampa do sorriso. Cortejam Afoxés e Macaratus, bailam jongueiros e Lundus. No balanço de um samba de Caboclo, na ginga de um capoeira; no miudinho de um Partido Alto, num pandeiro, tamborim e viola que toque a noite inteira. Não me apavora nem rock, nem rumba e pra acabar com tal de “soul” basta um pouco de macumba! Girem saias e guias, ecoem louvores e cantares aos santos, deuses e orixás pelos heróis de nossa liberdade. Salve Dandara, Ganga Zumba, Luiza Mahin, Maria Felipa, Manoel Congo. Valeu, Zumbi!

Sai pelas ruas do centro e dos subúrbios com minhas baianas rendadas, sambando sem parar. Com minha comissão de frente digna de respeito, carregando no peito minhas origens através de enredos. Fiz “Apoteose das mãos” em meu primeiro cortejo, ao som de Martinho devolvi ao estandarte a história das origens negras “Ao povo em forma de arte”. Pelos versos de Luiz Carlos, cantei Solano Trindade; pelos versos de tantos mestres celebrei Zumbi e comemorei os noventa anos da liberdade.

Plantei a semente, cultivei a raiz, flori e deixei herança. Sou Quilombo! Eu sou o povo, sou canto, sou dança! Sou Candeia! Sou voz que não cansa de lutar para negro alcançar seu dia de graça. Então, não negue a raça! É hora de fazer Kizomba mais uma vez para a Conceição padroeira abençoar seus filhos quilombolas, que hoje também são da Formiga e desfilam na avenida todo o nosso cantar. E é por isso que eu canto...

Axé, Tijuca! Ora yê yê ô!


Por Guilherme Estevão

*Inserções feitas no texto com trechos do Manifesto do G.R.A.N.E.S Quilombo; músicas “Dia de Graça”, “Nova Escola”, “Sou Mais samba” de Candeia; “Ao povo em forma de arte” de Martinha da Vila,  “Solano, Poeta do Povo” de Luiz Carlos da Vila e “Visual” de Beth Carvalho.


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Texto por Juliana Yamamoto, com colaboração de Leonardo Antan
Revisão, artes e visual: Vitor Melo


Com a nossa #SérieDécada se encaminhando para o final, fazemos nossa última parada no Anhembi após listar os melhores sambas e desfiles que a folia paulistana apresentou nos últimos dez anos. E, por fim, reverenciaremos personalidades que foram fundamentais em suas funções para desenhar os rumos das agremiações ao passar dos anos. 

Nesta seleção estão presentes figuras de diferentes ocupações, como carnavalescos campeões; uma porta-bandeira que se superou; uma rainha de bateria que encantou todos com seu carisma e samba no pé; intérpretes que se destacaram por seu talento; um mestre de bateria que se tornou referência para muitos e dirigentes que são extremamente essenciais para o sucesso de suas respectivas escolas. 

Confira a lista abaixo com grandes profissionais que marcaram a década de 2011-2020. Lembrando que nenhuma de nossas listas é constituída em ordem hierárquica. Vamos conferir?!


Solange Cruz Bichara (Presidente da Mocidade Alegre)

Para uma escola de samba se tornar competitiva, ela precisa de uma gestão organizada e uma diretoria disciplinada, sempre dispostas a fazer o melhor pelo seu pavilhão e pelos seus componentes. Um exemplo de presidência é a da Mocidade Alegre, detentora de três títulos nesta última década. A verde, vermelho e branco possui, na figura de sua presidente, uma mulher de pulso firme e que não mede esforços para colocar a agremiação nas primeiras posições. Tornando-se famosa no país inteiro, Solange Bichara é uma grande personalidade do carnaval de São Paulo e também um exemplo de como uma boa gestão é primordial para o bom rumo de uma escola de samba. 

Solange no desfile da Morada do Samba no carnaval 2020. (Foto: Felipe Araujo)

Desde que assumiu o cargo para o carnaval de 2004, Solange mostrou que estava disposta a colocar a Mocidade novamente na briga por boas posições. Após os campeonatos de 2004 (carnaval em que encerrou um jejum de 23 anos), 2007 e 2009, a presidente continuou com o seu trabalho organizado e novamente deixou sua marca nesta última década, sempre mantendo uma gestão transparente e ouvindo sua comunidade. Solange costuma apostar em pratas da casa, fornecendo todo suporte e estrutura para que essas realizem seus trabalhos. Ao mesmo que tempo que sabe delegar, também se mantem ativa e participando dos bastidores do pré-carnaval, pois é perceptível que há um pouco da sua personalidade em cada departamento. De 2011 a 2020, em sua gestão, a Mocidade conquistou três títulos (2012, 2013 e 2014), dois vice-campeonatos (2015 e 2018) e dois terceiros lugares (2016 e 2020). Como provam os dados, a gestão de Bichara conseguiu manter uma regularidade nas duas últimas décadas, através de apresentações técnicas, um lindo visual e a força da comunidade. Esses três fatores são personificados no grito de guerra dela, “A vitória vem da luta, a luta vem da força e a força, da união”, que se tornou muito famoso e marca registrada da presidente. Vale ainda ressaltar a importância do sucesso de uma gestão feminina, que se transformou numa fonte inspiradora para outras mulheres que a veem como um espelho de administradora. Portanto, tudo isso só evidencia o quanto a Solange é uma personalidade marcante não só no carnaval de São Paulo, mas também fora dele. 

Sidnei França (carnavalesco)

Foi justamente na gestão de Solange Bichara que se revelou nossa segunda personalidade da lista. O jovem carnavalesco Sidnei França integrou a comissão de carnaval da Morada do Samba em 2009 e seguiu na tricolor por mais sete carnavais, dos quais saiu vitorioso em três deles. O famoso tricampeonato da Mocidade Alegre, nos anos de 2012, 2013 e 2014, tem como peça fundamental o trabalho artístico de Sidnei e seu parceiro Márcio Gonçalves. Destaque para o ano de 2012, considerado um dos maiores desfiles da década em São Paulo e que esteve presente na nossa lista que pode ser conferida aqui. Tomando Ojuobá como exemplo, destacou-se o talento do carnavalesco por seus enredos inteligentes e criativos, além de um conjunto alegórico e fantasias primorosos. 

Sidnei França em desfile pelo Águia de Ouro em 2020. (Foto: Felipe Araújo - LIGASP)
Na segunda metade da década, após uma longa história na Morada, Sidnei foi em busca de novos desafios. Em 2017, apresentou um grande desfile na Unidos de Vila Maria com uma homenagem aos trezentos anos da aparição de Nossa Senhora Aparecida. Já em 2018 e 2019, foi o carnavalesco dos Gaviões da Fiel. No segundo ano desse casamento, conduziu uma reedição do carnaval de 1994, quando apresentou novamente um dos desfiles mais marcantes da década. No último carnaval, fez sua estreia no Águia de Ouro, onde conquistou mais um título, seu primeiro na carreira solo e também em uma outra agremiação que não fosse a Mocidade Alegre. Ao mesmo tempo jovem e já consolidado com várias vitórias, não é à toa que Sidnei França pode ser apontado como um dos maiores artistas dessa década e uma das grandes revelações do carnaval paulistano, sempre trazendo grandes enredos e proporcionando momentos inesquecíveis e marcantes aos foliões. 


Karina Zamparolli (porta-bandeira)

Ainda pelo bairro do Limão, é também de lá que surge mais uma representante da Mocidade Alegre, desta vez, escolhida por sua atuação como porta-bandeira. Esta verdadeira pequena notável é Karina Zamparolli, que defende desde o ano de 2013 o pavilhão de uma das escolas mais tradicionais de São Paulo, colecionando notas máximas. Um relação de sucesso, mas que começou de forma inusitada, pois Karina estava sem desfilar desde 2011, quando passou pela X9 Paulistana. 

Karina em desfile oficial no ano de 2017. (Foto: Armando Bruck)

Após o carnaval de 2012, Adriana Gomes, antiga porta-bandeira da vermelho, verde e branco, sofreu um acidente de elevador, ocasionando uma lesão que a impossibilitou de dançar. Em razão disso, a agremiação teve que procurar uma nova parceira para bailar ao lado de Emerson Ramires, o mestre-sala à época. Por meio de um concurso interno, Karina foi a selecionada para ser a primeira porta-bandeira no carnaval de 2013. Infelizmente, a dançarina sofreu com críticas durante o pré-desfile, principalmente por conta da sua estatura. Entretanto, a sua estreia não poderia ter sido de forma melhor! Após tanta dedicação, o casal alcançou a nota máxima - 50 pontos na época - e foram os responsáveis direto pelo bicampeonato da tricolor paulistana. Karina mostrou através de muito ensaios que tinha o talento para ser a primeira porta-bandeira de uma das maiores escolas da cidade. Com o resultado positivo, Zamparolli seguiu na agremiação colecionando notas máximas ano após ano e caindo no gosto da comunidade. A porta-bandeira, antes contestada, hoje, é querida e amada por toda comunidade, tornando-se uma das referências no quesito, além de sempre se destacar apresentando uma regularidade e ganhando vários prêmios. 


Mestre Moleza (Mestre de Bateria)

Porque a Cadência é da Vila! Rodrigo Neves, mais conhecido como Mestre Moleza, é o responsável pela bateria da Unidos de Vila Maria desde o carnaval de 2013. Na escola, o diretor conseguiu inserir seu estilo característico de bateria ao longo dos anos e transformá-la numa das melhores do carnaval de São Paulo. Dessa maneira, tornando-se referência no quesito e também inspiração para novos mestres que vêm surgindo. Por tantos feitos, ele se tornou o representante da lista escolhido para o cargo que ocupa. 

Mestre Moleza em desfile oficial pela Unidos de Vila Maria em 2020. (Foto: Felipe Araújo - LIGASP)

Antes de iniciar sua trajetória na escola do Jardim Japão, Rodrigo Neves se destacou dividindo o posto de mestre de bateria ao lado de Caju, na Mancha Verde, em 2011 e 2012. Após o quarto lugar da alviverde, o diretor decidiu alçar novos voos e desafios. Foi então que começou a marcar sua história na Vila Mais Famosa através de sua liderança junto aos ritmistas da agremiação. Apesar do descenso no mesmo ano, o diretor continuou com o seu trabalho e investindo na escolinha de ritmistas junto à comunidade, que, a cada ano, aumentava inscritos e criava novos e talentosos instrumentistas. Após esse trabalho de base, a bateria alcançou sua maior notoriedade no ano de 2016, no qual ousou em bossas e paradinhas, alcançando assim a nota máxima e, de quebra, levou vários troféus. O trabalho do Mestre junto aos demais diretores continuou, resultando em outras grandiosas apresentações como 2017 e 2018, sempre colecionando notas 10 e ajudando na harmonia e na evolução da tricolor. Através de sua disciplina e talento, Rodrigo Neves conseguiu impor seu estilo característico mais cadenciado, em que se pode ouvir com clareza todos os naipes e a qualidade das suas bossas. Com isso, a Cadência da Vila se tornou referência e o mestre, um exemplo para os novos artistas surgindo nesse meio. Além disso, já é um dos mestres mais longínquos da história da Vila Maria, indo para o seu nono ano. 


Jorge Freitas (carnavalesco)

Saindo da área musical, voltamos a falar de um artista que esteve por trás de grandes campeonatos e desfiles marcantes dos últimos tempos. Ao contrário de Sidnei, falamos agora de um profissional mais maduro e renomado da folia paulistana, que já conta com quase vinte anos de atuação nas batutas artísticas de apresentações marcantes: Jorge Freitas. Foi em um feliz casamento com a Rosas de Ouro que o artista começou esta década, na qual conquistou inúmeros bons resultados. Já que esta parceria conquistou um título memorável, em 2010, e seguiu pelos anos seguintes com inesquecíveis apresentações, como 2012, 2013 e 2014, conquistando um tri-vice campeonato. 

O carnavalesco Jorge Freitas na concentração para o desfile da Mancha Verde em 2020. (Foto: Felipe Araújo - LIGASP)

Após uma trajetória forte na azul e rosa, Jorge foi em busca de novos desafios no Império de Casa Verde, onde já no seu primeiro ano foi campeão com o enredo "Império dos Mistérios". O estilo luxuoso combinou com uma escola que procurava se reencontrar com seus tempos áureos. Após o sucesso, o carnavalesco permaneceu por mais dois anos na Caçula do Samba e, apesar do pouco tempo, também nos presenteou com uma grandiosa apresentação em 2018. Buscando conquistar novamente a primeira posição, ele apostou suas fichas numa nova parceira, desta vez com a Mancha Verde. No ano de sua estreia, o carnavalesco uniu seu luxo característico com a força de um enredo sobre a história de uma princesa africana para contribuir com a primeira estrela da alviverde. Foi o primeiro enredo afro do artista.  O “mago”, como é considerado por muitos, mantém-se como um dos maiores carnavalescos da terra da garoa, proporcionando grandes espetáculos e conquistando brilhante vitórias. 

Grazzi Brasil (intérprete)

Abre os caminhos pro Vai-Vai passar! Os caminhos da Escola do Povo foram abertos para surgir uma estrela nessa década no carnaval de São Paulo: Grazzi Brasil. A intérprete teve uma ascensão meteórica e se destacou tanto por sua voz e por seu talento, mas também como uma das raras figuras femininas a ocupar o posto de intérprete principal de uma agremiação - posto conquistado com muito esforço, como comprova sua trajetória. 

Grazzi no desfile oficial do Vai-Vai em 2019. (Foto: Felipe Araújo - LIGASP).

Grazzi Brasil já participava do time de canto dos sambas concorrentes da parceria do Zeca do Cavaco e Zé Carlinhos no Vai-Vai nos anos de 2015 (Elis Regina) e 2016 (França). Porém, a cantora ganhou seu estrelato nas eliminatórias de 2017, com o enredo em homenagem a Mãe Menininha. O samba 8, encabeçado pela parceria de Edegar Cirillo e Marcelo Casa Nossa, tornou-se um sucesso nas redes sociais, recebendo apoio da comunidade da Saracura. Parte do sucesso é explicado pelo ótimo desempenho de Grazzi ao defender a composição junto ao intérprete Igor Sorriso e também durante a disputa. A sua gravação solo da obra, numa versão mais lenta, viralizou, ganhando os holofotes do mundo samba. O sucesso foi tão grande que levou a cantora a ser convidada para integrar o carro de som da preto e branco para o desfile, participando da faixa do CD ao lado de Wander Pires e sendo responsável por uma largada extremamente emocionante. 

Após esse ano, Grazzi começou a trilhar sua história no carnaval, participando de gravações de sambas concorrentes em outras agremiações e, em 2018, assumindo o posto de intérprete oficial do Vai-Vai, permanecendo até o carnaval de 2019. Nessa mesma época, desembarcou na cidade maravilhosa onde dividiu o carro de som por dois anos no Paraíso do Tuiuti. Em 2020, a intérprete esteve na São Clemente, junto de Leozinho Nunes e Bruno Ribas. Grazzi deixa seu legado na década e no carnaval nacional, tornando-se a primeira mulher intérprete na Saracura e sendo uma das poucas a assumir um microfone oficial na história como um todo, ao lado de nomes como Bernadete, Vânia Cordeiro, Márcia Inaiá e Eliana de Lima; quebrando preconceitos e barreiras, uma referência feminina no carnaval e, sem dúvidas, uma das personalidades dessa década. 

Camila Silva (Rainha de Bateria)

Além de uma voz marcante, não faltou samba no pé ao Bixiga na última década. Pois é da preto e branco que vem também a representante escolhida no posto de rainha de bateria. Sempre motivos de muita discussão e dos cliques dos fotógrafos, é verdade que essas passistas possuem o seu papel numa escola de samba e roubam a atenção durante os desfiles. Além disso, muitas utilizam sua posição para transmitir uma mensagem e também ser inspiração para mais mulheres. Camila Silva é um exemplo de uma rainha que deu nome e sobrenome nessa década do carnaval paulistano. A antiga rainha do Vai-Vai reinou de 2009 a 2019 e foi abraçada não só pela sua comunidade, mas também por grande parte dos sambistas. 

Camila Silva em seu último desfile pelo Vai-Vai. (Foto: Felipe Araujo)
A sambista iniciou o reinado no carnaval de 2009, já mostrando que iria marcar seu nome na história da Saracura. A simpatia e samba no pé fizeram com que a rainha se destacasse e se tornasse um patrimônio da alvinegra. À frente da Pegada de Macaco, Camila foi campeã em dois anos: 2011 e 2015. A artista também sempre declarou seu grande amor pela Escola do Povo, tornando-se uma figura frequente e carimbada em ensaios e eventos da escola no bairro da Bela Vista. Camisa se transformou em um ícone da dança e o combo de "samba+beleza+carisma+disciplina" a tornou um espelho para meninas mais novas que a veem como referência. Seu sucesso foi tão grande que a artista também pegou a ponte aérea e iniciou sua trajetória como rainha de bateria na Mocidade Independente de Padre Miguel em 2013. Ela não prosseguiu na verde e branco, mas o destino quis colocá-la de novo em Padre Miguel, onde retornou em 2017, permanecendo até o carnaval de 2019. Hoje, Camila é a atual rainha do carnaval carioca e mostra a cada dia a grande personalidade que se consolidou. Extravasando os bairrismos e se consolidando nacionalmente para além do bairro que a projetou. 


Celsinho Mody (intérprete)

Pegada de africano, hein?! Muitos intérpretes se destacaram nessa década em São Paulo, porém um dos nomes mais marcantes da folia paulistana e responsável por embalar dois desfiles campeões do Grupo Especial foi Celsinho Mody. O artista, assim como Grazzi Brasil, conseguiu alavancar tanto sua carreira nacionalmente nestes anos que ganhou espaço em terras cariocas, tornando-se intérprete do Paraíso do Tuiuti. 

Celsinho Mody em desfile oficial do Acadêmicos do Tatuapé no ano de 2020. (Foto: Felipe Araújo - LIGASP)
Celsinho Mody iniciou sua trajetória como intérprete oficial em 2005 com apenas 17 anos pelo Camisa Verde e Branco. O cantor já se destacava pela voz forte, por apresentações regulares e por manter sempre um bom desempenho na pista, mas foi a partir dessa década que ele desabrochou e conseguiu afirmação. Em 2012 e 2013,  assumiu o microfone principal da Nenê de Vila Matilde e foi muito importante para a retomada da escola ao grupo especial. Já no ano seguinte, foi responsável por conduzir o cortejo do Pérola Negra. Apesar do descenso da agremiação, Celsinho mostrou novamente um ótimo desempenho e elevou as qualidades do samba-enredo já elogiado na apresentação. Depois desses caminhos, o ponto de virada do artista foi quando ele retornou ao Acadêmicos do Tatuapé após 10 anos, no carnaval de 2016. Com um excelente desempenho naquele ano, o cantor seguiu na azul e branco e foi extremamente importante para os dois títulos da agremiação nos anos seguintes. Com seu destaque nestas apresentações, recebeu o convite para ser intérprete oficial do Paraíso do Tuiuti, onde permanece até hoje. O cantor, atualmente, é considerado um dos maiores do carnaval paulistano, sua voz sempre está presente em sambas concorrentes de várias agremiações e o seu grito de guerra com o famoso “pegada de africano” já é uma das suas marcas registradas.


Wagner Santos (carnavalesco)

Ainda pelo Tatuapé, mas chegando ao último carnavalesco dessa lista, louvamos mais um profissional que pode não ter começado sua atuação nos últimos anos, porém se destacou fortemente com seu trabalho durante toda a década. Wagner Santos dá expediente atualmente na azul e branco da Zona Leste, mas começou se destacando dentro de nosso recorte temporal com um feliz casamento com Acadêmicos do Tucuruvi, que se estendeu por oito anos. Logo no seu segundo ano, em 2011, o carnavalesco ajudou a escola a conseguir sua melhor posição da história, um vice-campeonato. O artista colocou o Zaca, a cada ano que passava, como uma das favoritas para brigar pelas primeiras posições com desfiles muito marcantes, como o caso de 2013 em uma homenagem ao Mazzaropi. Os carnavais assinados em 2012, 2014 e 2015 também evidenciaram o alto nível do artista. O fim do casamento entre o Tucuruvi e o Wagner aconteceu após o carnaval de 2017, onde o carnavalesco assumiu o cargo na campeã daquela época. 

Wagner Santos na concentração para o desfile oficial do Acadêmicos do Tatuapé em 2020. (Foto; Felipe Araújo - LIGASP)
Novamente, Wagner mostrou o quanto é talentoso e sempre procurando se reinventar. Num grandioso desfile sobre o Maranhão no ano seguinte, conquistou seu primeiro título na carreira - que já deveria ter vindo antes - e ajudou a consagrar o bicampeonato da azul e branco. Apesar de apenas um campeonato em sua carreira, Wagner Santos mostrou nessa década que é um dos grandes carnavalescos de São Paulo e que sempre está disposto a fazer desfiles marcantes nas agremiações por onde passa. É conhecido pelo seu bom gosto e pela sua capacidade de reaproveitamentos de materiais com muita sabedoria. Um grande artista e, com certeza, uma das personalidades desse recorte!


Eduardo Santos (Presidente do Acadêmicos do Tatuapé)


Bate no peito e diz quem é Tatuapé! Mais um presidente a aparecer na nossa lista, sendo outro exemplo de gestão e boa administração, que após anos conseguiu colher bons frutos e colocar a sua escola de samba em um outro patamar. O Acadêmicos do Tatuapé se tornou uma potência nessa década, colocando-a no rol de grandes agremiações paulistanas, muito por uma gestão pautada na organização e transparência. O presidente Eduardo Santos é um dos principais pilares da escola da Zona Leste e muito importante para a sua ascensão.

O presidente da escola durante a largada do desfile no carnaval 2020. (Foto: Felipe Araujo)
Eduardo sempre acompanhou a agremiação ao lado do seu pai, mesmo muito pequeno, quando a quadra era em outro endereço. Ficou 20 anos como vice-presidente, de 1990 a 2006 e depois de 2009 a 2012, quando assumiu a liderança em 2013. Ele prosseguiu com o trabalho e a reestruturação da escola. A azul e branco que tinha retornado ao principal grupo em 2013, conseguiu sua permanência e no ano de 2016, alcançou a sua melhor posição até aquela época, com um vice-campeonato, homenageando a Beija-Flor de Nilópolis. A partir deste ano, Eduardo mostrou o quanto uma boa gestão e um trabalho com a comunidade fazem a diferença. Nos anos de 2017 e 2018, o Tatuapé foi campeão com desfiles fortes e técnicos, colocando a escola da Zona Leste como uma nova estrela do carnaval paulistano e também exponenciando sua força. Nos anos seguintes, a taça não veio, mas novamente mostrou que já é de conhecimento da agremiação a “fórmula” do sucesso e que sempre entrarão na passarela do samba em busca de mais um título. Eduardo Santos juntos dos demais diretores conseguiu transformar o Acadêmicos do Tatuapé na década, tornando-o assim uma personalidade muito marcante e indispensável dessa lista.


Menções honrosas:

É fato que muitas personalidades marcaram o carnaval de São Paulo e foi bastante difícil listar apenas dez nomes para nossa lista oficial. Por conta disso, fizemos uma lista de menções honrosas com artistas que também tiveram sua importância na folia paulistana e que de alguma forma marcaram os anos de 2011 a 2020. 

Relembramos que ambas as listas não possuem ordem hierárquica.

Jorge Silveira (carnavalesco)

Lais Moreira (porta-bandeira)

Adriana Gomes (porta-bandeira)

Aline Oliveira (rainha de bateria)

Carlos Jr (intérprete)

Igor Sorriso (intérprete)

Ernesto Teixeira (intérprete)

Mestre Juca (mestre de bateria)

Mestre Zoinho (mestre de bateria)

Renato Remondini (presidente)


E aí, o que achou da lista? Mudaria alguma coisa? Conta pra gente qual seria a sua lista com as personalidades marcantes.

Esperamos que tenham curtido nossa #SérieDecada e relembrado momentos inesquecíveis das escolas de samba!

Carnavalize conosco!



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A #SérieDécada traça um panorama de tudo que aconteceu nestes últimos anos A segunda década desse século, iniciada em 2011 e finalizada no carnaval que acabou de terminar em 2020, trouxe muitas reviravoltas e transformações para a folia!

Além disso, vários podcasts especiais surgem de alguns dos textos postados, com nossos comentários em áudio sobre os desfiles, os bastidores das escolhas, e as nossas divergências de opiniões!

Como é impossível fazer uma seleção que agrade não só às leitoras e aos leitores, como também aos integrantes do Carnavalize de forma unânime, cada categoria também contará com menções honrosas que por pouquíssimo não entraram na listagem principal.

Texto: Leonardo Antan.
Revisão: Felipe Tinoco.
Arte e visual: Vítor Melo.


Quem não tem aquela imagem de um desfile que ficou guardada na memória? Como forma de manifestação artística e cultural, o desfile das escolas de samba tem a competência de criar representações visuais que se perpetuam no imaginário popular. Entre tantas alas e alegorias de cada cortejo, alguns símbolos podem ser capazes de sintetizar uma apresentação inteira, estampando várias reportagens e postagens pelas redes sociais. 

Seguindo nosso panorama da última década, separamos algumas imagens que se tornaram símbolo da festa e repercutiram Brasil afora. São marcos que confirmam a pluralidade artística das agremiações e revelam artistas fundamentais que fazem esse espetáculo no suor de barracões e quadras. Tudo isso perpassa uma década marcante não apenas artisticamente; foi nela em que uma enorme reforma na estrutura do Sambódromo foi realizada. O palco da folia perdeu o grande setor de camarotes para ganhar novos setores de arquibancadas do lado par, mudando completamente o espaço cênico da festa, a visualização dos desfiles e influenciando nas criações da década. 

Simbora! A gente só relembra que a lista não é hierárquica. Ela está disposta de forma cronológica.  


Cabeças caindo (Unidos da Tijuca 2011)

Após o antológico desfile de 2010, que sacramentou a parceria entre Paulo Barros e Unidos da Tijuca com um histórico título, a escola buscou reproduzir uma outra abertura de impacto no primeiro ano dessa década. Depois das trocas de roupas mágicas, cabeças literalmente caíram no desfile que falava sobre o medo do cinema. 

Momento em que o efeito era reproduzido na avenida. Foto: AF Rodrigues/Riotur.
Já lembrado aqui na lista de melhores comissões de frente da década, o grupo coreografado por Priscila Mota e Rodrigo Negri, também na nossa lista de personalidades da década, apostou em um truque de fácil execução, mas de grande impacto. Repetindo o sucesso do ano anterior, outra vez o show de abertura se firmou como a imagem mais marcante produzida pela Tijuca e associada a Paulo Barros naquele ano - e no carnaval como um todo. Revela, então, a importância da atuação do carnavalesco das alegorias humanas como um dos grandes criadores da folia nos últimos anos, e da capacidade ímpar de realização do casal (muito mais que) segredo.

Dona Ivone Lara (Império Serrano 2012)

Dama, dona, diva... Figura fundamental do samba e da música brasileira, Dona Ivone Lara ganhou uma justa homenagem da sua escola de coração: o Império Serrano. O desfile revelou uma das apresentações mais marcantes do grupo naquele ano, e na década, como comentamos na lista do Acesso. A primeira compositora mulher a assinar um samba no Grupo Especial desfilou em pleno ano de chegada de suas 90 primaveras na última alegoria da apresentação da verde e branco.

A grande Dona Ivone em um trono especialmente preparado para ela. Foto: Widger Frota.
Sua presença coroou um cortejo para lá de notável da Serrinha, afirmando sua tradição e história por meio de um dos seus nomes fundamentais, tornando tudo ainda mais emocionante. Ao demonstrar como é importante a valorização de nossos artistas ainda em vida, o Império fez o público e os componentes reverenciarem essa verdadeira Rainha do batuque brasileiro. Viva Dona Ivone!


Componentes sem roupa (Unidos de Vila Isabel 2014)

Infelizmente, nem sempre a imagem mais marcante de um carnaval é também a mais feliz. Fato disso é que, apesar de ser um ano com ótimas apresentações, é tarefa difícil falar da folia de 2014 e logo não vir à mente a complexa apresentação da Vila Isabel, um anos após seu título. Com problemas internos, o desfile da azul e branco refletiu todas as dificuldades administrativas que a agremiação passava e trouxe uma imagem triste para o coração dos sambistas: foliões que desfilaram com seus figurinos incompletos. 

Os componentes na concentração da escola, antes do desfile de Vila Isabel: Foto: Saulo Stefano/Agência O Dia/Estadão Conteúdo/VEJA.
Eram os reflexos de conflitos que se arrastavam na produção daquele carnaval desde o ano anterior. Por um período de tempo, o carnavalesco Cid Carvalho chegou a se afastar da preparação do cortejo durante o pré-carnaval. Momentos antes do desfile, a confusão na concentração apontaria para uma apresentação catastrófica. Mesmo após uma longa espera, muitas alas e composições não receberam suas fantasias completas, o que formou alas inteiras que desfilaram de roupas íntimas e macacões de malhas. O mesmo também aconteceu em algumas composições de carros. Apesar de um momento difícil, ficou na memória e até hoje é lembrado. 


Águia redentora (Portela 2015)

A águia vem te abraçar e festejar... Vindo de uma excelente apresentação, diante do seu renascimento após uma complicada fase, a Portela se tornou uma das escolas mais faladas naquele ano de 2015. O segundo ano da azul e branco sob a liderança do vice-presidente Marcos Falcon reafirmou o retorno da Majestade como uma força competitiva na festa e, para isso, foi fundamental a atuação do renomado artista Alexandre Louzada. Adepto do gigantismo e da opulência, o carnavalesco já havia apostado em uma escultura monumental e que encantou a pista no carnaval anterior: "O gigante Acordou", representando as manifestações populares que ocorreram pelo Brasil em junho de 2013. Com o sucesso da alegoria, Louzada resolveu repetir a fórmula, mas agora no símbolo principal da escola de Madureira. 

Redentora, a águia da década da Portela. Foto: Ricardo Moraes/Reuters.
Para comemorar os 450 anos do Rio de Janeiro, o enredo resolveu contar a história da cidade sob os olhos surreais do artista Salvador Dali. Mergulhando, então, na estética delirante do pintor espanhol, o Dali daqui (Louzada) resolveu misturar o ícone máximo da Portela com o da cidade homenageada e assim surgiu a Águia Redentora. Com 15 metros de altura, a ave de asas abertas ocupou como poucas imagens o novo palco cênico do carnaval, desde 2012 ainda mais agigantado com arquibancadas do dois lados. Para além do valor artístico da escultura, ela ainda comoveu o público ao abaixar sua engrenagem para ultrapassar a antiga torre de TV, em um dos momentos mais emocionantes daquele ano. O sucesso foi tanto que a escultura acabou influenciado na demolição da antiga estrutura de concreto, possibilitando maiores alturas das alegorias. 

Squel careca (Estação Primeira de Mangueira 2016)

Se a Águia Redentora afirmou um gigantismo inevitável, a imagem da folia no ano seguinte precisou de bem menos do que quinze metros para se fixar no imaginário brasileiro. O cortejo, que marcou a estreia de Leandro Vieira como carnavalesco da Mangueira, começou a dar indícios do talento do artista em produzir ícones símbolos de sua apresentação. O enredo falou de Maria Bethânia por meio da sua brasilidade e religiosidade e foi sintetizado por uma grande ousadia no figurino da porta-bandeira Squel Jorgea. 

A deslubrante Squel Jorgea, renascida na Mangueira. Foto: Gabriel Santos/Riotur.
Inspirado na agressão sofrida por uma filha de santo em ato de in'ância religiosa, Leandro escolheu trazer uma bela imagem contra o preconceito na guardiã do pavilhão verde e rosa e se baseou esteticamente na obra do fotógrafo Pierre Verger. A caracterização da dançarina simbolizou uma iaô iniciada no candomblé, com os cabelos raspados e a pintura corporal característica. Apesar da representação convincente que gerou debates durante e após o desfile, descobriu-se que Squel não havia realmente raspado a cabeça, mas feito uma excelente caracterização. O mistério deu ainda mais força ao figurino que se tornou símbolo da homenagem à Bethânia e de um Brasil tolerante. Na transmissão dos desfiles, a frase "Olha a Squel careca!", seguida de uma série de elogios, repercutiu pelo mundo do samba sob a voz de Milton Cunha. Uma pena que não tenho sido a imagem escolhida para estampar o álbum dos sambas-enredos de 2017.


Vinicius segurando a bandeira da UPM após a queda de Jéssica
(Unidos de Padre Miguel 2017)

Assim como a falta de fantasias da Vila Isabel em 2014, outro momento triste e que se fixou no imaginário carnavalesco está na nossa lista. Na Série A, ocorreu um belo gesto logo após uma das grandes tragédias da folia na década. Vinda de ótimas apresentações na Série A e sempre se firmando na disputa pelo título, a Unidos de Padre Miguel mostrou mais uma vez a força de sua comunidade aliada ao excelente trabalho estético de Edson Pereira no enredo sobre o orixá Ossain. O samba empolgava seus componentes e a escola pulsava, enquanto se via um arrebatador espetáculo visual. Após alguns minutos de desfile, no entanto, a porta-bandeira Jéssica, durante sua apresentação, tropeçou e torceu o joelho. Rapidamente auxiliada pelo apoio da escola e pelo seu mestre-sala, Vinícius, a porta-bandeira se viu fisicamente impedida de continuar o desfile. 

A emocionante atitude do mestre-sala Vinicíus durante a apoteótica apresentação da UPM. Foto: Gabriel Montiero/Riotur.
Em um clima de tensão, Cássia, segunda porta-bandeira da escola, foi levada à frente das alas para se apresentar ao lado de Vinícius. A espera do mestre-sala pela substituição rendeu uma das imagens mais fortes daquele carnaval: sozinho, portou e protegeu seu pavilhão em posição de reverência, sem sua porta-bandeira. À época, o historiador Luiz Antônio Simas lembrou que, em alguns poemas de Ifá, Ossain é o orixá que tem apenas uma perna. Coincidência?

Aladdin voador 
(Mocidade Independente de Padre Miguel 2017)

Assinalando a importância das comissões de frente nessa década, outro momento memorável também surgiu de um dos grupos de abertura. Dessa vez, na apresentação campeã de páscoa da Mocidade Independente de Padre Miguel. Os bailarinos coreografados por Saulo Finelon e Jorge Teixeira trouxeram uma interessante proposta ao evocar o imaginário das mil e uma noites propostas pelo enredo de Alexandre Louzada sobre o Marrocos. 

O Aladdin voando diante da arquibancada e dos estandes do Bob's. Foto Cezar Loureiro.
A comissão trouxe uma bem executada coreografia que evocou encantadores de serpentes e dançarinas do ventre. A encenação contou com vários momentos distintos. O mais marcantes deles, porém, foi a fuga de Aladdin em meios aos beduínos que protegiam tesouros escondidos. Após deslizar na pista com um skate elétrico personalizado, ele entrava no elemento cenográfico, que simulava uma tenda, e de lá saia um aeromodelo com a personagem em seu tapete voador, dando a impressão que o Aladdin sobrevoava a Avenida. O efeito deixou todo mundo de boca aberta e ajudou a verde e branco no retorno aos seus momentos gloriosos.


Vampirão (Paraíso do Tuiuti 2018)

Saindo do início marcante para um final apoteótico, é da última alegoria que surge o icônico símbolo que coroou o desfile do Paraíso da Tuitui em 2018, no enredo sobre a escravidão. Apesar de uma comissão de frente também emblemática, foi um destaque representando o então presidente Michel Temer que se fixou no imaginário da apresentação. Ela foi recheada de uma pegada crítica que repercutiu mundialmente. 

O vampirão do Tuiuti com o esplendor em notas de dinheiro. Foto: Mídia Ninja.
A fantasia, usada por Leonardo Morais, assistente do carnavalesco Jack Vasconcelos, representava um vampiro com uma faixa presidencial brasileira. Era o destaque principal da alegoria "Neotumbeiro", que mostrava formas de explorações de trabalhos atuais, balizadas pelo governo neoliberal do então presidente. A imagem se tornou marco absoluto, estampando jornais e postagens na internet, sendo ainda recriada até internacionalmente. A repercussão gerou tanta polêmica que o adereço verde e amarelo da fantasia (a faixa) não foi utilizada no glorioso retorno da vice azul e amarela no desfiles do Sábado das Campeãs. O tiro saiu pela culatra e a ausência da faixa causou ainda mais repercussão, firmando o figurino como o marco do retorno dos enredos críticos ao carnaval. 


Bandeira do Brasil (Estação Primeira de Mangueira 2019)

Afirmado sua capacidade de criar imagens símbolos para suas apresentações, Leandro Vieira seguiu produzindo momentos emblemáticos nos anos seguintes, afirmando que a força da "Squel Careca" não tinha sido fruto do acaso. Em 2017, veio a segunda porta-bandeira da escola como Nossa Senhora Aparecida e o tripé Cristo-Oxalá. No ano seguinte, um Crivella vestido de Judas cantando "Pega no ganzê". Após tantas criações e embalado por uma obra musical rara na história das escolas de sambas, a missão parecia difícil no enredo que falava da história de heróis que os livros clássicos apagaram. Leandro, entretanto, conseguiu superar sua capacidade artística.

Índios, negros e pobres no monumental campeonato mangueirense de 2019. Foto: Richard Santos/Riotur.

Diante de um momento em que a bandeira nacional é cooptada narrativamente por grupos definidos como "patriotas" e moralistas, símbolo de uma história oficial e sangrenta, o carnavalesco reimaginou nossa maior símbolo pátrio. Saiu o amarelo na clássica combinação e entrou o rosa mangueirense. O espaço da frase positivista "ordem e progresso" foi preenchido com uma homenagem a "negros, pobres e índios". Símbolo de um Brasil possível, da voz dos excluídos, o enorme bandeirão foi desfraldado ao final do cortejo por políticos e figuras públicas da maior importância, ajudando essa imagem a se tornar símbolo do histórico campeonato mangueirense daquele ano. Repercutindo por todo mundo, pode-se afirmar que a criação se tornou uma das mais importantes expressões artísticas realizadas no último ano pelo Brasil inteiro e não só no carnaval. 

Baianas sem roupa (Império Serrano 2020)

Para encerrar a lista, outro episódio fruto de intensa tristeza para a memória dos sambistas. Vindo de apresentações já problemáticas e que escancaravam fortes problemas de gestão, o Império Serrano viveu mais um dos tristes capítulos da sua história nesse ano. Em um enredo sobre a força feminina, as grandes matriarcas da verde e branca desfilaram sem as saias características de um ala das baianas, logo no início da apresentação.


As aguerridas baianas sem saia desfilando pelo Império Serrano. Foto: Diego Martins/AF O Globo.
Mesmo sem o figurino completo, as senhoras rodopiaram na Avenida emocionando o público. Mostraram que os problemas administrativos não diminuem o tamanho do glorioso Reizinho de Madureira, personificado na vida de seus torcedores e componentes mais ilustres. Viva elas!


Menções honrosas
Na difícil missão de listar apenas dez itens, sempre sobram algumas opções que por pouco não figuraram entre o Top 10. Por isso, deixamos as tradicionais menções honrosas da série, com outras imagens que se fixaram no inconsciente coletivo de quem acompanha os desfiles nos últimos dez anos. 

Roberto Carlos na Sapucaí (Beija-Flor 2011)

A escultura do Índio batendo na torre (Estação Primeira de Mangueira 2014)

O tripé de Cristo-Oxalá (Estação Primeira de Mangueira 2017)

Cacique Raoni na Sapucaí (Imperatriz Leopoldinense 2017)

Alegoria de Mariana (Portela 2017)

Paulo Barros com a faixa de "gratidão" (Unidos do Viradouro 2019)

Alegoria do Cristo Negro (Estação Primeira de Mangueira 2020)


E aí, o que achou da lista? Mudaria alguma coisa, incluiria ou tiraria algum samba? E qual seria a sua lista dos sambas mais marcantes da década no carnaval de São Paulo? Conte pra gente!

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