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Carnavalize



Por Leonardo Antan.
Revisão: Felipe Tinoco.
Artes: Vítor Melo.


Alô, Serrinha! Ao som do jongo, da força feminina e dos grandes sambas-enredos de todos os tempos, começamos o último texto dessa primeira temporada da Série Baluartes. Depois de Portela, Salgueiro e Mangueira, fechamos o time das 4 grandes matriarcas do carnaval mergulhando no dossiê de uma das grandes escolas de sambas da nossa história. 

A Serrinha de enormes compositores, grandes damas do sambas, de grandes mestres e cantores! Sedentos de orgia e desvario... mergulhamos agora nesses Heróis da Liberdade em verde e branco. Abre esse livro, pois tu sabes tu ler!


Foi de uma dissidência que surgiu o glorioso Império Serrano. No lendário morro de Madureira, quem dava as cartas até então era a escola de samba Prazer da Serrinha. Após a agremiação, porém, trocar em cima do laço o samba dos compositores Silas de Oliveira e Mano Décio de Oliveira, reuniu-se um grupo de insatisfeitos com a Prazer. Assim, fundado em 23 de março e 1947, o Reizinho parecia destinado a ser grande. Foram nada menos que quatro títulos nos primeiros carnavais que disputou, de 1948 a 1951. Depois, acumulou mais cinco vitórias, tornando-se uma das maiores vencedoras da história do carnaval. Tudo isso surgiu no quintal de Tia Eulália, reunindo Sebastião Molequinho, Elói Antero Dias, Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira, Aniceto Menezes, Mestre Fuleiro. Além, evidentemente, da própria Eulália do Nascimento!

Nascido no ano da abolição da escravatura, Elói Antero Dias, o Mano Elói, foi um dos mais importantes líderes comunitários da verde e branco. Surgiu no norte fluminense, em Resende, foi compositor, cantor, jongueiro, babalorixá, camelô e estivador. Chegando ao Rio, esteve na Mangueira em Niterói até finalmente se abrigar em Madureira. Foi membro da Companhia dos Homens Pretos, o lendário Sindicato dos Estivadores, conhecido como Resistência. Foi lá em que conheceu outros fundadores da escola.

Sebastião Molequinho era compositor e sambista. Irmão de Tia Eulália, foi na casa dela que viu o Menino de 47 ser fundado. Anos depois, Molequinho comandou a agremiação em 1959 e, mais tarde, em 1969 e 1970. Nos anos 80, participou de shows com a Velha Guarda ao lado de ícones como Tio Hélio, Mestre Fuleiro e Nilton Campolino. Em 2007, ganhou o Estandarte de Ouro de Personalidade. Foi presidente de honra e um dos últimos fundadores a partir desse plano, em 2014.

Aniceto Menezes foi mais um dos fundadores da alviverde que dividia sua rotina entre o samba e o Cais do Porto, por onde era estivador e o líder do Sindicato dos Arrumadores. Foi com apenas 16 anos que começou a improvisar seus versos primeiros e assim nasceu um dos grandes mestres do partido-alto, sendo considerado um partideiro imbatível e mentalmente ágil como pede o estilo. Em torno de 1935, ingressou na Escola de Samba Prazer da Serrinha. Porém, sua imersão na vida de sambista iniciou muito antes, em vários outros blocos e escolas da região. Com longa carreira no carnaval, foi somente em 1977, aos 65 anos, que Aniceto gravou seu primeiro LP, com o título de “Quem samba fica”. Ainda em 1977, gravou com Nilton Campolino, outro grande baluarte do Império Serrano, o LP “O partido- alto de Aniceto e Campolino”. 

Primo de Dona Ivone Lara, Mestre Fuleiro foi um dos fundadores do Império Serrano e se destacou como diretor de harmonia da escola de samba do Morro da Serrinha por mais de quatro décadas. Assinou diversos sambas com a Dama do Samba e Tio Hélio e foi um dos grandes jongueiros da Serrinha, exímio percussionista e conhecedor dos saberes das gramáticas dos tambores. 



Falemos de um dos outros fundadores do Reizinho, considerado quase que unanimemente o maior compositor de sambas de enredos de todos os tempos. No tretacampeonato que marcou a estreia com o pé direito da verde e branco, Silas de Oliveira foi autor de todos os sambas apresentados pela agremiação. Ao longo de sua história, venceu mais de 16 vezes a disputa de samba-enredo, tendo assinado obras-primas como “O Caçador de Esmeralda” (1956), “Aquarela Brasileira” (1964), “Os Cinco Bailes da História do Rio” (1965), “Glórias e Graças da Bahia” (1966), “Pernambuco, Leão do Norte” (1968) e “Heróis da Liberdade” (1969).

O que poucos sabem sobre a trajetória desse grande nome da nossa música é que ele seguiu carreira de sambista a contragosto do pai, que era evangélico. Querendo que o filho deixasse o caminho do samba, o  pai, dono do Colégio Assumpção, arrumou uma vaga de professor para o filho tão logo ele concluiu o equivalente ao Ensino Médio para dar aulas de português. Ainda bem que não adiantou muito. Falecido precocemente no ano de 1972, em meio a uma de samba, Silas amargava várias derrotas nas disputas de samba em meio aos processos de modificações nos sambas-enredo, com andamentos mais acelerados e obras mais curtas, o que acabou por afastá-lo das disputas.

Outro grande fundador da escola e parceiro maior de Silas foi Mano Décio da Viola. Nascido em Santa Amaro, na Bahia, passou ainda por Juiz de Fora até chegar ao Rio. Por aqui, teve seu primeiro contato com o samba no Morro de Mangueira até finalmente chegar em Madureira. Foi lá que viu surgir o bloco Vai Como Pode (que daria origem à Portela). Já nos anos 30, Almirante registra “Vem, meu amor”, canção feita sobre a melodia de uma valsa de Richardo Strauss. Foi então que começou a ganhar dinheiro com uma prática muito comum da época: vendendo suas composições para outros “parceiros”. É de sua autoria o primeiro samba a fazer sucesso e se eternizar no imaginário carnavalesco, o inesquecível “Exaltação a Tiradentes”, que chegou a ser  gravado posteriormente por Elis Regina, Chico Buarque e Beth Carvalho. Posteriormente, fez mais de uma dezena de sambas que o Império Serrano cantou na avenida, sempre com a categoria de um compositor que carrega a viola no nome.

Nascido como Laudemir Casemiro, mas famoso por outro nome, Beto Sem Braço foi mais um nome na lista de grandes poetas imperianos. A característica física que lhe batizou surgiu de um acidente na infância, quando o  sambista caiu de um cavalo e teve que amputar o braço direito. Antes de ser uma das jóias da coroa imperial, Beto Sem Braço pertenceu aos quadros da Unidos de Vila Isabel, mesma agremiação em que estava seu mais constante parceiro, Aluísio Machado (já já falaremos dele!), mas não chegou a vencer uma disputa de samba-enredo sequer na azul e branca do bairro de Noel. Em 1981, Beto fez pouso definitivo em Madureira para se consagrar como o grande vencedor de um dos mais belos sambas de todos os tempos: “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, que deu o último título do carnaval à escola de Madureira. Aos poucos, foi colocando em suas letras a ginga que fazia parte de seu dia a dia: o compositor era um grande frequentador dos pagodes nas favelas, convivendo diariamente com a “malandragem”. É de sua autoria ainda os sambas de 1983, 1985 e 1987, além de 1992, sua última vitória.  

Grande parceiro de Beto, também um dos maiores compositores e baluartes da história do carnaval como um todo: Aluísio Machado. Foi só com dez anos que conheceu o Menino de 47. Quatro anos depois esboçou um bilhete amoroso que daria origem à sua primeira composição. Na alviverde da Serrinha, foi passista, ritmista e chegou até mesmo à cobiçada função de mestre-sala. Como compositor, são nada menos que quatorze vitórias no Império - seis delas vencedoras do Estandarte de Ouro de melhor samba. Entre as obras compostas por Aluísio, ao lado de parceiros como Beto Sem Braço, está “Bumbum Paticumbum Prugurundum”, de 1982, além de outros clássicos como 83, 86, 96 e 2006.

Quem assinou pelo menos cinco sambas com Aluísio e o próximo compositor que escreveu seu nome nessa linhagem imponente é o enorme Arlindo Cruz. Arlindo tem uma produção de músicas tanto extensa quanto genial. Cria genuína deste Seu Lugar, foi o ponto fora da curva de uma família de portelenses, tanto que começou sua carreira tocando para Candeia. Cria de uma geração de nomes fundamentais do Cacique de Ramos, explodiu nos anos 80 apadrinhado por Beth Carvalho. Após participar do Fundo de Quintal com seu inconfundível banjo, fez carreira solo como compositor e cantor. Foi na mesma década de 80 que começou a participar da Ala de Compositores. Depois de sua primeira vitória na disputa em 1989, no enredo em homenagem a Jorge Amado, começou uma sequência de grandes obras musicais para sua escola do coração. 


Para tantas obras imortais de umas maiores discografias da nossa folia, o Império reuniu um time de intérpretes grandiosos. Um dos mais marcantes deles é Roberto Ribeiro, um dos maiores divulgadores e apaixonados pela Coroa Imperial. Bom de bola e típico carioca, foi jogador de futebol antes de se enveredar pela música. A carreira como cantor começou a deslanchar a partir de 1972 com gravações de três compactos em parceria com Elza Soares pela Odeon. Foi tanto sucesso que logo gerou o LP "Elza Soares e Roberto Ribeiro - Sangue, Suor e Raça". Já no ano seguinte veio o primeiro álbum solo. Nesse mesmo período, ele começou sua aproximação com o Reizinho, defendendo um samba pela escola na primeira vez na avenida em 1971. Voltando definitivamente em 1974, foi ainda compositor dos sambas  "Brasil, Berço dos Imigrantes", de 1977 (feito em parceria com o cunhado Jorge Lucas), e em "Municipal Maravilhoso, 70 Anos de Glórias", de 1979 (parceria com Jorge Lucas e Edson Passos). Um dos seus clássicos do seu repertório foi Estrela de Madureira, samba que perdeu a disputa para o hino oficial do Reizinho em 1975. Seguiu como intérprete oficial da escola até 1981.

Antes de consolidar a voz do menino rei Roberto Ribeiro, o Menino de 47 foi responsável por trazer várias figuras famosas da época para cantarem suas obras na Avenida. Frequentaram essa lista cantores da Era do Rádio que faziam grande sucesso popular. Na década de 1960, como exemplo, foi o caso de Jorge Goulart que desempenhou por quatro anos a função. Já em 1972, a grande Rainha do Rádio e eterna rival de Emilinha: foi Marlene quem segurou o grande sucesso em homenagem a Carmen Miranda. 

Na década de 1990, o caso foi de um nome já conhecido do samba brasileira a ser alçado como intérprete oficial da alviverde: Jorginho do Império, que já gravava discos dedicados ao samba desde os anos 70.  Filho de Mano Décio da Viola, um dos fundadores do Império Serrano, começou sua carreira ao lado de Martinho da Vila, com quem assinou várias parcerias. Após ser diretor de carnaval da escola, ele assumiu o microfone oficial em 1996 ao som do clássico “Verás que um filho teu não foge a luta”.

Chegando aos anos 2000, o Reizinho encontrou mais uma voz que facilmente se fixou no imaginário popular associada à agremiação. Nêgo já tinha longa carreira no samba quando chegou a Madureira em 2004. Irmão mais novo de Neguinho da Beija-Flor, começou na Unidos da Tijuca na década de 1980, com uma passagem marcante na Grande Rio entre 1993 e 1999. Passou ainda pelo Salgueiro e retornou à própria Tijuca antes de chegar na Serrinha. Na escola, entoou brilhantemente as reedições dos clássicos de 1964 e 1976, com seu alcance vocal potente que já lhe rendeu 4 Estandartes de Ouro na categoria. Para o próximo ano, a verde e branco recontratou o cantor. 

Fechando a lista de grandes vozes da Serrinha e já iniciando o tópico a seguir de grandes mulheres da história da escola, não poderíamos esquecer a grande Jovelina Pérola Negra. Nascida em Botafogo, cresceu na Baixada Fluminense em meios às dificuldades de ser negra retinta em uma sociedade machista e racista. Até realizar o sonho de ser cantora, trabalhou como empregada doméstica e vendedora de rua. Começou a sair na Coroa Imperial na Ala das Baianas da alviverde, por onde permaneceu por anos até se tornar Pastora. Logo, sua voz rouca, potente e inconfundível chamou a atenção, sendo considerada uma herdeira da gigantesca Clementina de Jesus. Assim como a eterna Quelé, foi tardiamente que conseguiu chegar ao mercado fonográfico. Sua estreia aconteceu em 1985, quando já tinha 40 anos, com sua participação em três faixas da coletânea Raça Brasileira. No ano seguinte, gravou seu primeiro disco solo com sambas de sua autoria e de compositores como Nei Lopes e Monarco. Ao todo gravou seis álbuns, como "Sorriso Aberto", em 1988, "Sangue Bom", em 1991 e "Vou da Fé", em 1993, quando conquistou um disco de platina.



Muito se falou já sobre a importância de grandes figuras femininas nos outros textos da Séries Baluartes, mas no caso do Império Serrano essa grande galeria de damas sambistas é de fazer inveja. A primeira grande matriarca da Serrinha foi Vovó Maria Joana. Nascida em Valença, mas estabelecida em Madureira, sua casa foi um importante ponto social do bairro da Zona Norte. Foi mãe de santo respeitada. Estabeleceu os preceitos religiosos para o estabelecimento do jongo e da escola de samba.

Foi no já comentado quintal de Tia Eulália que foi fundado o Império Serrano. Desde cedo a cabrocha se ligou com carnaval por meio de seu pai, Francisco Zacarias de Oliveira, precursor dos blocos de carnaval na Serrinha. A casa da família vivia repleta de músicos que organizavam pastorais, gafieiras, serestas e obviamente muitas rodas de samba. Mano Elói dizia que o espírito festivo daqueles nove filhos do senhor Zacarias Oliveira já era suficiente para a criação de uma escola de samba. Multitarefa, essa matriarca seguiu atuando na agremiação até a sua partida, aos 96 anos. 

Dama, Dona, Diva. Umas das figuras mais representativas da história do Império Serrano e a rainha absoluta do nosso samba: Dona Ivone Lara é o maior exemplo da força feminina ancestral na Coroa Imperial. Desde cedo, a jovem sambista já mostrava o talento para composição e tinha estreitos laços com carnaval. Casou-se com Oscar, filho do presidente da Prazer da Serrinha, Alfredo Costa. À época, compôs seus primeiros sambas, mas ela não assinava as próprias obras devido ao intenso e excludente machismo do período. Sempre se dividindo entre as rodas de sambas e o trabalho como enfermeira, foi em 1965 que entrou para a história ao assinar, ao lado de Silas de Oliveira e Bacalhau, o clássico “Os Cinco Bailes da História do Rio”. Logo foi consagrada madrinha da Ala dos Compositores da verde e branco, ainda que fosse como baiana que gostava de desfilar. Após ficar por anos no chão, puxando as senhoras, foi nos anos 80 que passou a se apresentar com luxuosas fantasias de baiana, confeccionadas pelo famoso estilista Evandro de Castro Lima. Em 1983, ano em que a escola tentava o bicampeonato com “Mãe Baiana Mãe”, Dona Ivone surgiu em dourado no abre-alas da escola, que representava a Igreja do Bonfim. Quando completou 90 anos, ela foi o enredo do samba da sua escola de coração, em uma bela homenagem que valia o título de campeã do Grupo de Acesso daquele ano. Fora da folia, Ivone tem uma vasta discografia e firmou seu nome na história musical. Fez parte do show “Opinião” e teve obras gravadas por Clara Nunes, Maria Bethânia, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho e Caetano Veloso. Seu grande parceiro foi Délcio Carvalho, com quem fez clássicos como “Sonho Meu” e “Acreditar”, duas das mais lindas canções de nossa música.

Rachel Valença é figura polivalente da história da alviverde da Serrinha. Começou como componente de ala, comandou a ala das crianças, fez parte da diretoria, foi vice-presidente da escola, deu duro no barracão e escreveu ainda uma das biografias pioneiras de uma escola de samba, o livro “Serra, serrinha, serrano: O império do samba”, lançado em 1981, ao lado marido Suetônio, também imperiano Na década de 60, a bamba morava em Brasília, mas já era envolvida no carnaval, até que voltou ao Rio e se apaixonou pela escola e por seus grandes sambas. Desfila desde 1972 e é dona de acervo raro e inesgotável sobre a história do Império. Rachel é forte defensora do nosso carnaval, já tendo trabalhado no Museu do Samba e no Museu da Imagem e do Som. 

Neide Dominiciana, a Cigana Guerreira, era filha de Roseno Oliveira, mais um da turma dos estivadores, amigão de Tião Fuleiro e outros baluartes da escola. Imperiana de fé, também passeou pelas mais diferentes ocupações. Chegou a sair na comissão de frente de 1976, foi destaque, baiana, participou do departamento feminino, até vice-presidente. Só não foi porta-bandeira, mas poderia ter sido. No desfile campeão de 1982, “Bum Bum Praticumbum Prugurundum”, Neide representou Iemanjá, em uma referência ao desfile campeão do Salgueiro de 1969, “Bahia de Todos os Deuses”, no quadro referente aos antigos carnavais na Candelária. Em 2004, na reedição do clássico Aquarela Brasileira, o intérprete Nêgo eternizou uma homenagem à baluarte no seu grito de guerreira.

Na lista de grandes imperianas estão ainda figuras como Dona Líbia, Tia Marta, Wannyr Parreira, Tia Maria do Jongo, Dona Alice Terra, Tia Neia, entre outras figuras marcantes.



Ainda falando sobre o poder feminino da Serrinha, mas já entrando no visual, entre as muitas inovações que são atribuídas à verde e branco está a primazia entre os grandes Destaques de Luxo. Por mais que o título possa ser contestado em um mergulho mais atento à história do assunto, Olegária dos Anjos foi uma figura fundamental na trajetória do Império. Esposa do baluarte imperiano Calixto do Prato, começou a desfilar com fantasias mais simples, até aos poucos ir trabalhando o luxo e a opulência que o cargo de personagem central do desfile pedia. 

Após a lendária Revolução Salgueirense que estabeleceu novos parâmetros narrativos e estéticos para os desfiles que se tornaram verdadeiros espetáculos da cultura de massa, o Império Serrano teve dificuldades de se firmar como campeã contando de forma limitada com suas grandes obras musicais. Mas tudo mudou com a chegada de pernambucano meio doido que escreveu uma carta cheias de argumentos para se tornar carnavalesco da escola. Em 1971, Fernando Pinto assinou seu primeiro carnaval por lá, mas foi apenas no ano seguinte que começou a colocar seu nome com um dos grandes gênios da festa. Ao homenagear a cantora Carmen Miranda, o artista desenvolveu o primeiro enredo de homenagem que não era uma figura histórica ou folclórica, mas sim uma celebridade popular da época. Transformando a passarela em um grande teatro de revista, o tropicalista deu um título à Serrinha, colocando a  alviverde na rota das transformações que as escolas de sambas promoviam nos desfiles para crescer sua popularidade. Atuando de 1971 a 1976, voltando ainda em 1978, o cenógrafo e figurinista Fernando Pinto foi o artista que mais assinou desfiles no Menino de 47: ao todo, foram  sete carnavais com enredos que abordavam a cultura popular e de massa e até delírios oníricos sobre nossa história. Confira mais sobre esse importante casamento da nossa folia em outro texto que pode ser lido aqui!

Já na década de 1970, o Império foi rebaixado e começou a viver tempos turbulentos. Com a chegada dos anos 80, a verde e branco resolveu apostar em novos talentos para se firmar na folia. Para isso, contou com a ajuda do eterno salgueirense Fernando Pamplona e de seus pupilos. Sem aceitar o convite para assinar um desfile em uma outra escola que não fosse a Academia, o professor da Escola de Belas Artes sugeriu enredos e trouxes seus alunos para cuidar dos carnavais da Serrinha. A experiência começou muito bem sucedida em 1982, com o histórico Bum Bum Paticumbum Prugurundum, desenvolvido por Rosa Magalhães e Lícia Lacerda no enredo originalmente criado por Pamplona. No ano seguinte, a estratégia se repetiu no tema Mãe Baiana Mãe, dessa vez concebido por Renato Lage. O futuro mago High-Tech permaneceu até 1986 na Serrinha, já mostrando sua grande capacidade de criação artística.



Dez anos depois da rival Portela criar o grupo musical conhecido como Velha Guarda, o Império Serrano também teve seu grupo de baluartes para registrar grandes clássicos do repertório da escola. Foi assim que, em 1980, o cantor Jorginho do Império convidou o conjunto para participar de um show seu. O sucesso foi tão grande que o grupo ganhou um espetáculo solo que ficou meses em cartaz, dando origem ao LP “Mano Décio apresenta a Velha Guarda do Império Serrano”, de 1980. Em sua formação inicial, a Velha Guarda foi formada por Nílton Campolino, Mano Décio da Viola, Carlinhos Vovô, Mestre Fuleiro, Sebastião Molequinho, Tio Hélio e Dejanira. O grupo seguiu fazendo shows, mas, com o passar do tempo e a morte de alguns integrantes, acabou dissolvido.

Anos depois, já no início da década de 2000, o grupo musical foi reativado com uma nova formação, composta por Wilson das Neves, Ivan Milanez, Fabricio, Cizinho (ex-mestre-sala), Tuninho Fuleiro, Zé Luiz, Capoeira da Cuíca, Silvio, Lindomar, Tia Balbina e Tia Nina. O grupo fez diversas gravações e shows do cantor Dudu Nobre, o que gerou o primeiro disco gravada por essa geração,  lançado em 2006, batizado de “Um Show de Velha Guarda”. Mais recentemente, em 2017, em comemoração aos 70 anos do Menino de 47, foi gravado mais um disco do conjunto, agora com nova formação, que reuniu Ivan Milanez, Tia Nina, Capoeira, Rachel Valença, Sílvio Manoel, Lindomar Fraga, Cizinho, Luís Carlos do Cavaco, Nilson Rangel, Reinaldo Muzza e Tia Vilma. Nas faixas, o CD tem a participação especial de grandes compositores e imperianos, como Myrian Pérsia, Arlindo Cruz, Jorginho do Império, Wilson das Neves, Jorge Lucas, Aluízio Machado, Alex Ribeiro e Zé Luiz do Império.

Referências bibliográficas: A série “Poetas Imperianos” do Carnaval Histórico, Jornal Extra, escritas por Leonardo Bruno e João Gustavo Melo. Os livros “O prazer da serrinha: histórias do Império Serrano”, de Bernardo Araújo, e “Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba”, de Rachel e Suetônio Valença. 

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Por Equipe do Carnavalize, os Carnavalizers:


Festa máxima da transgressão de regras e da superação da normatividade, o espírito do carnaval é livre e diverso. Não à toa, entre plumas e paetês, muitas personalidades que romperam com os padrões heterossexuais e cisnormativos encontraram espaço na folia para expressar variadas formas de existir, de viver, de se expressar e de amar. No dia do orgulho LGBTQIA+, listamos algumas figuras da cultura e da arte nacional que representam a comunidade com múltiplas vivências e também escreveram - e escrevem! - as linhas do carnaval. Vem ver o que existe para além do arco-íris!


Madame Satã 

João Francisco dos Santos ou, como se eternizou em nosso imaginário popular, Madame Satã, foi pessoa multiartista e pioneira na luta pela diversidade. Cantor, dançarino e malandro, para alguns, João fez questão de desconstruir desde sempre a visão que o gay deve ser indefeso e submisso. Nasceu em Pernambuco, mas foi na mística Lapa carioca que se tornou rainha e firmou seu ponto.



Figura onipresente no cenário artístico do Rio, Satã imortalizou-se como figura indispensável na construção identitária da cidade e, por conseguinte, dos desfiles das escolas de samba. Foi no carnaval que ele vestiu a fantasia inspirado no filme Madame Satã que o rebatizaria para sempre. Por isso, teve representação garantida em diversos apresentações que abordam desde a cidade do Rio de Janeiro até causas que evocam sua importantíssima representatividade no movimento LGBTQIA+. Em 1990, foi enredo da Lins Imperial e, em 2002, inspirou o filme de Karim Aïnouz, protagonizado por Lázaro Ramos.

Fernando Pinto 

Foi com apenas 24 anos que Fernando Pinto deixou o Recife para vir ao Rio de Janeiro tentar seguir carreira no teatro. Em meio à efervescência cultural carioca dos anos 70, viveu o auge do desbunde e da marginalidade daquela época como poucos. Quando se apaixonou pela folia, ofereceu-se para ser carnavalesco do Império Serrano e na escola de Madureira fez sucesso com enredos ligados à cultura de massa. Livre no amor e  subversivo, participou do grupo andrógino Dzi Croquetes, um marco revolucionário pela diversidade diante da ditadura.


Foi diretor, cenógrafo, coreógrafo, roteirista e figurinista das libertárias As Frenéticas. E nos anos 80, criou seus desfiles mais emblemáticos na Mocidade Independente de Padre Miguel, consolidando-se como um dos maiores artistas do carnaval, com enredos delirantes e que bebiam referências do movimento tropicalista.


Leci Brandão

Leci Brandão é uma das mais importantes figuras da música popular brasileira. Nascida em Madureira, criada em Vila Isabel, foi a primeira mulher a participar da ala de compositores da Mangueira. Além da verde e rosa, ela dedica sua paixão também pelo Acadêmicos do Tatuapé, sendo madrinha da agremiação desde que foi homenageada por ela, em 2012. Na década de 1980, foi uma das primeiras famosas cantoras a abrir publicamente a sua homossexualidade, em entrevista para o pioneiro periódico LGBT Lampião da Esquina.


Politicamente ativa, é um importante nome do Partido Comunista do Brasil, eleita por três vezes deputada estadual de São Paulo com mais de 60 mil votos. Em suas carreiras pública e artística, é voz forte na luta pela diversidade racial e sexual e contra a desigualdade social. No carnaval, ainda foi importante comentarista dos desfiles cariocas e paulistas em várias ocasiões. No samba-enredo campeão da Mangueira de 2019, foi homenageada nos versos “dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões”.


Eloina dos Leopardos 

Eloina dos Leopardos pode ser considerada como a primeira mulher a ter o cargo de rainha de bateria no carnaval carioca. Muito antes de outras figuras que reivindicam o título, ela assumiu o posto de soberana dos ritmistas da Beija-Flor, entre 1976 e 1978, convidada pelo carnavalesco Joãosinho Trinta. Eloína começou sua carreira como camareira de grandes estrelas do teatro de revista e foi uma das pioneiras da arte transformista no país, fazendo parte de uma geração de Divinas Divas.


Como muitas trans da época, Eloina fez carreira na Europa e voltava ao Rio para desfilar. Foi inspirada na noite estrangeira que, na década de 80, criou o lendário Show dos Leopardos, recheado de strip-tease masculino. Contra as expectativas caretas da época, o show tinha apenas duas sessões programadas, mas ficou mais de 10 anos em cartaz, atraindo as mais diferentes personalidades brasileiras e internacionais, tornando-se um marco da liberdade artística e afetiva.


Milton Cunha 

 Milton Cunha é referência absoluta quando se pensa em carnaval. Sua forma alegre e divertida de comentar os desfiles das escolas de samba na TV Globo conquistou o grande público nacional, de Norte a Sul do país. Antes disso, o menino nascido em Belém rompia com os rótulos da heteronormatividade desde a infância, enquanto crescia fascinado pelas cores da folia na televisão. Contra a sua família, pegou um “Ita no norte” rumo ao Rio de Janeiro e desembarcou no centro da cidade, com pouco dinheiro no bolso para tentar a vida.


Em 1994, foi convidado pela família Abraão David para assinar o desfile da Beija-Flor, por onde ficou por 4 anos. Depois, passou por diversas escolas e deixou sua marca com enredos de forte cunho cultural e criativas narrativas. Dentre suas variadas facetas, também está a do intelectual e acadêmico. Milton é mestre e doutor em Letras pela UFRJ e pós-doutor em História da Arte pela Escola de Belas Artes da mesma instituição.


Mart’nália

Nascida em berço de samba, Mart’nália é percussionista de mão cheia, compositora e cantora com swing único. Do seu nome nome artístico, junção de Martinho + Anália, nome de seus pais, reconhecemos a genuína sonoridade que sempre a caracterizou como artista.


Filha de um dos orixás da MPB, Martinho da Vila, foi com ele que começou a frequentar o terreiro do povo de Noel, local em que aprenderia a tocar quase todos os instrumentos de ritmo. Sendo integrante ativa da ala de compositores da Vila Isabel, já venceu disputas e é figurinha carimbada dos desfiles da azul e branco do boêmio bairro carioca.


Joãozinho da Gomeia

Joãozinho da Gomeia foi atuante pai de santo, disseminador da cultura e dos ritos do Candomblé entre o cotidiano e as artes do Brasil. Nascido em Inhambupe, na Bahia, João se mudou para Salvador antes de consolidar seu terreiro em Duque de Caxias. A liderança gay ficou conhecida por atender famosos e personalidades políticas e também por ter uma forte veia artística e performática, trazendo todo o glamour e brilho para as suas roupas de santo.


Folião entusiasta, confeccionava suas próprias fantasias e impactava os bailes mais famosos do Rio de Janeiro ao se vestir de Vedete e Faraó. Ele foi o grande homenageado da vice-campeã do carnaval de 2020, a Acadêmicos do Grande Rio. A escola exaltou sua figura em diversas facetas para entoar um grito de respeito à diversidade e às variadas formas de demonstração da fé.

Jorge Lafond 

Jorge Lafond foi ator e comediante; também exímio dançarino e Drag Queen. Formado em teatro pela UFRJ, deixou seu corpo se expressar na arte de atuar e executava com excelência um bailado de quem estudou ballet clássico, dança africana e viajou país afora como integrante do grupo folclórico de Haroldo Costa. Graças a esse talento, integrou corpos de baile na televisão e papéis em novelas e humorísticos. Seu mais famoso personagem, Vera Verão, fez jus ao calor da estação emprestada ao nome, tamanha era a potência de sua entrega e da capacidade de nos alegrar.


No carnaval, desfilou em inúmeras escolas do Rio e de São Paulo, além de ter sido rainha de bateria da Unidos de Lucas em 2003. Em 1990, na Beija-Flor, marcou época desfilando pelado em “Todo mundo nasceu nu”, de Joãosinho Trinta. O ícone também já deu nome a um prêmio aos melhores do carnaval entregue pela Acadêmicos do Cubango.


MANIFESTO

O carnaval sempre é vendido como a festa da diversidade. Precisamos lutar, entretanto, para que o ambiente das escolas de samba não seja racista, machista e LGBTfóbico durante todo o restante do ano. Ainda faltam minorias sociais em papéis de liderança nos cargos criativos e de tomada de decisão. Elas precisam estar presentes nos mais variados setores da festa, e não apenas se encaixarem em rótulos já determinados historicamente. Devemos lembrar, então, da importância de figuras LGBTQIA+ que fazem e fizeram as festas, as quais ainda precisam ser mais valorizadas nas quadras e nos barracões.

Todo dia é dia de se orgulhar de ser quem é! De repensar, de agir!


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“assim aconteceu o encantamento”

Em frente àquela casa, relembrando um passado não distante, vi uma menina arredia e reservada. Era noite de Natal, luzes acessas, a mesa arrumada com frutas da época colhidas no quintal. Duas mulheres conversavam sobre aquela menina de cabeça baixa. Ganhou da matriarca uma fruta, não conseguia enxergá-la, a distância não permitia, mas o perfume agradável bailou pelo ar. Era uma maçã tirada do “pé do santo”. Isso tudo aconteceu nos arredores de São Gonçalo do Retiro. A imagem ficava cada vez mais nítida em meus olhos, percebi fitas vermelhas e brancas que encantavam não só meu olhar, mas da menina, que olhava em silêncio, sem perceber que ali, num futuro presente, seria sua futura morada. Ainda com a fruta na mão, a menina levantou seu pequeno rosto, revelando um olhar atento, cruzando com os olhares carinhosos da matriarca. Uma questão de destino traçado no céu, no infinito, preciso como a minha flecha de caçador.

“o caçador que chegou com a alegria”

Seu destino já havia sido traçado. Xangô escolheu, Oxalá abençoou, Oxum cuidou da menina no dia do seu renascimento, e Oxóssi, certeiro, lhe transformou em rainha. Criança, Iaô1 , adulta, Iá2 , a partir de seu renascimento, vida e sagrado tornaram-se uma única pessoa. O caçador trouxe alegria para os moradores da roça de São Gonçalo, Iá proporcionou felicidade e prosperidade. Iá tornou-se uma mulher detentora da magia encantadora, tão poderosa quantos os mistérios da vida. Destemida, atravessou o tempo como a flecha de Odé3 , criou um laço tão intenso de fraternidade, com seu olhar carinhoso aos seus semelhantes. Aprendeu com Odé uma nova forma de viver, seu arco e sua flecha significavam o ato criador em busca da perfeição. Assim como seu eledá4 , o dono de sua vida, tornou-se uma grande líder.

“meu tempo é agora”

O Tigre de São Gonçalo olha para aquela roça, as fitas de papel vermelhas e brancas, ainda balançam no ar, os “pés de santo”, continuam a dar seus frutos, alimentando todo o grupo. Passado e presente se encontraram. Tentar decifrar os mistérios do tempo é mergulhar no que se viveu, o tempo é sagrado, tempo é Orixá, o tempo é como uma flecha que percorre os mundos e retorna ao presente. Hoje, vejo aquela pequena menina, em seus olhos marejados de saudade. Vejo agora aquela mulher, cuidando da saúde, da alimentação de crianças; muitas vezes, ela foi mãe sem saber. Mãe, protetora e zeladora. Odé mostrou-lhe o caminho, ensinou-lhe a lutar com as contradições. Hoje, esta mulher transformou-se em símbolo de luta pela tradição da fé. Sinônimo de resistência contra a discriminação de negros, pobres, mulheres e, principalmente, pela valorização do ser humano. Para isto, precisou voar tão alto quanto a flecha do seu Orixá, conheceu outros mundos. No retorno, trouxe a prosperidade, fazendo pelo seu povo aquilo que fez pelos Orixás.

“o que não se escreve o tempo apaga”

Mulher negra, mãe, zeladora, Iá. Defensora da cultura negra e de nossas tradições, recebeu prêmios, homenagens, títulos de doutora, sentou-se em trono de reis e de academias, criou biblioteca e escola, viajou o mundo. Escreveu. Em seus livros, ensinamentos passados pelas histórias contadas pelas tias, dos dias e noites sentados aos pés dos mais velhos, escutando os mais novos, os mais sábios, das viagens que fez, das pessoas que conheceu. Odé sabe o que faz. Odé, com sua flecha, é a segurança de sua trajetória. Odé, o caçador de alegrias. Odé Kayodê traz a alegria, Odé Kayodê é Mãe Stella de Oxóssi.

  1. Filhos de santo iniciados no candomblé;
  2. O mesmo que Ialorixá, ou seja, Mãe de Santo;
  3. Caçador;
  4. Divindade que zela pela pessoa.

Annik Salmon – carnavalesca 
Carlos Carvalho - pesquisador
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por Beatriz Freire e Juliana Yamamoto
Revisão: Leonardo Antan e Felipe Tinoco
Arte: Vitor Melo

Com o calendário inicial da nossa série #GiroAncestral planejado para quatro semanas seguidas ao longo do mês de junho, escolhemos encerrar nosso breve ensaio sobre a arte do casal de mestre-sala e porta-bandeira com o presente texto, um resumo simplificado sobre os manuais e análises de julgamentos dos casais do Rio de Janeiro e de São Paulo. 

Para falar sobre a boa recepção da série, além de agradecer a todos que leem semanalmente nossas produções, anunciamos um texto extra para a próxima semana, ainda quarta-feira, para fechar com chave de ouro. Agora, é chegado o momento de falarmos mais um pouco sobre os elementos que envolvem a avaliação de cada um dos casais.


Análise de julgamento: Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, os jurados são guiados por um manual sucinto e sem grandes restrições. Pouco aprofundado, ele abre brechas para considerações dos julgadores que estão revestidas de maior grau de subjetividade do que aqueles que já são intrínsecos ao exercício do julgamento, por mais que disponham e estejam submetidos ao uso de parâmetros para fazerem suas considerações e atribuições de notas. Assim, sem engessamento e inflexível rigor, muitas vezes os jurados acabam criando costumes que servem como diretrizes não explícitas em texto, mas extraídos do gosto desses profissionais, seja no modo de vestir e até mesmo de bailar. 

Cintya e Rodrigo, o casal da Porto da Pedra, no desfile de 2019, com vestes majestosas, ao gosto do júri. Foto: Juliana Dias/SRZD.
Aliás, o primeiro ponto disposto no instrumento de avaliação é a indumentária dos defensores da escola, atendendo a adequação à dança, formas e acabamentos que imprimam beleza e bom gosto. Não é raro que se encontre referências que digam que o casal, independentemente do enredo, deve se adequar ao visual de nobreza da narrativa que se conta, sem que se deixe de lado a ideia de que eles são, por natureza, figuras majestosas. Hoje, por exemplo, é difícil pensar em uma fantasia de casal de mestre-sala e porta-bandeira que será unanimemente recepcionada com bons olhos pelo júri sem ter os elementos que eles entendem que atribuem riqueza e identidade opulenta ao visual, como muitas penas dos mais variados tipos em saias e costeiros, imprimindo uma estética um tanto quanto hegemônica ao visual do quesito. 

No nosso primeiro texto, discorremos sobre o ponto do casal em qualquer momento não poder sambar, tendo como dever, na verdade, bailar ao ritmo do samba, o que compõe uma das diretrizes técnicas de avaliação dispostas no manual. A execução de passos característicos da dança é obrigatória, com “meneios, mesuras, giros, meias-voltas e torneados, sendo obrigatória a sua exibição diante dos módulos de julgamento”, como dispõe o livro. Não será mera coincidência encontrar muitos pontos aqui relacionados a assuntos dos quais já tratamos anteriormente nos três textos produzidos na série. Todos os elementos técnicos e de visual exigem treino, preparo e um pensamento planejado e cuidadoso dos casais para que formem um trabalho homogêneo e de boa impressão ao aliar todos os pontos elencados, um a um.

Raphaela Caboclo e Feliciano Júnior, em 2017, no Império Serrano, substituíram as tradicionais penas por capim barba de bode. Foto: Jeanine Gall/SRZD.
Prosseguindo, deve-se notar, ainda, a harmonia entre o casal, envolvendo diretamente os papéis do mestre-sala de cortejar e defender, além de apresentar, seu pavilhão e também a sua dama, que por sua vez conduzirá e apresentará sua bandeira sempre desfraldada, sendo considerado um erro que ela se enrole em seu próprio eixo, sem nunca deixá-la sob a responsabilidade do mestre-sala. Além de erros técnicos, de entrosamento, conceito visual e execução que possam surgir, o manual carioca autoriza os jurados a despontuarem eventuais perdas ou quedas de itens que compõem a indumentária, como sapatos, costeiros, chapéus, penas, etc.

No último carnaval, em uma análise direta da justificativa, a maior incidência de decréscimo nas notas se deu em virtude da famosa teatralização. Teatralizar, para ser mais exata, é quando o casal incorpora à dança uma considerável quantidade de elementos e referências que compõem a caracterização dos papéis que estão representando narrativamente dentro do enredo, muitas vezes usando a seu serviço a letra do samba como base. Registre-se, porém, que marcar a coreografia seguindo os versos do samba-enredo nem sempre vai caracterizar a tal teatralização. Fato é que a investidura do mestre-sala e porta-bandeira nesses personagens em doses pouco moderadas acabam escanteando o pavilhão, que é, por direito, a estrela principal da apresentação de um casal. Por isso, os jurados constantemente fazem o alerta de que representar é diferente de teatralizar, e que movimentos que sugiram as referências ao que se propõe dentro do enredo são mais do que bem-vindas, desde que não ofusquem a dança que exalta a própria bandeira e o seu simbolismo ou que façam os defensores esquecerem por algum momento que são guardiões deste tal símbolo, não atores.

Marcella Alves e Sidclei, defensores do Salgueiro neste ano, representam personagens sem ofuscarem o pavilhão. Foto: Gabriel Nascimento/Riotur.
A coreografia da arte, inclusive, é um ponto controverso do desenvolvimento do casal ao passar dos anos. A dança solta, tradicional, que conta com o jogo da imprevisibilidade e da combinação quase ao acaso dos corpos em movimentos, didatizados e acostumados um ao outro pela técnica e, principalmente, pela sintonia, não é mais vista com bons olhos como em outrora. Há de se convencionar, portanto, que é preciso ter um roteiro daquela dança, que é exaustivamente pensada e ensaiada para ser brilhantemente executada diante do júri. E tal apresentação, na visão dos julgadores, precisa ser pensada também do ponto de vista da ocupação física; o uso pouco explorado do chão da passarela como espaço cênico para desenvolvimento dos mais diversos desenhos coreográficos (círculos, diagonais, etc) é um ponto que vira uma constante repetição de alerta dos jurados em suas justificativas. Não basta dançar bonito, há de se exercitar a criatividade do bailado em seus mais diversos sentidos.


Análise de Julgamento: São Paulo

Desembarcando agora na Terra da Garoa, o quesito por lá possui um manual completo e detalhado. O casal precisa evoluir e realizar seu bailado por toda pista e o jurado deverá observá-los durante todo o campo de visão da sua cabine, não apenas quando passam à sua frente. Presente no “módulo dança”, há 3 pontos de avaliação técnica para o julgamento do quesito. O primeiro deles é o entrosamento. Nele, o jurado deverá avaliar a dança de mestre-sala e porta-bandeira considerando os seguintes pontos:

Integração do casal e seus movimentos obrigatórios: apresentar todos os movimentos presentes na dança de mestre-sala e porta-bandeira. A dama deverá realizar giros completos em 360 graus horário e anti-horário e giros no próprio eixo, enquanto o mestre-sala deverá realizar a meia-volta (giros 180 graus ao redor da sua dama, em sentido horário e sentido anti-horário - movimento de proteção), riscado (trabalho de pernas), torneados (giro em torno do próprio eixo), mesuras (menção de reverência) e meneio (a forma de conduzir sua parceira). Não pode-se também esquecer da principal função de um casal, que é a apresentação do pavilhão. Além disso, precisam realizar o minueto (dança de passos miúdos), caracterizada pela delicadeza dos movimentos e a execução dos giros e reverências um para o outro.

Uilian Cesario e Karina Zamparolli em desfile oficial da Mocidade Alegre. O casal foi nota 30 em 2020. Foto: Luciano Garcia/Faixa Amarela.
Durante a apresentação aos jurados, na qual a realização dos movimentos é obrigatória, há outros pontos que são levados em conta durante a evolução do casal. Enquanto executa seu bailado, o mestre-sala não poderá deixar o pavilhão bater em seu corpo, assim como não deve existir choque corporal com a sua dama e nem ele deve realizar o bailado de forma individual, tornando sua parceira e o seu pavilhão como meros coadjuvantes. Os mesmos também não podem verbalizar durante a dança. A falta de elegância, simpatia e leveza da dupla durante o bailado também é muito importante e passível de perda de décimos. No último carnaval, também foi integrado um novo tópico de avaliação em entrosamento: finalização de movimentos. O casal deverá apresentar a finalização dos movimentos na dança, evidenciando e destacando ainda mais a sincronia entre os dois.

O segundo ponto de avaliação técnica é a postura do casal. Nele, avalia-se a forma de conduzir e apresentar o pavilhão com altivez, simpatia e elegância. Para isso, a porta-bandeira precisa manter o pavilhão desfraldado (aberto) em seus giros, não poderá deixá-lo enrolar no seu corpo ou no próprio mastro e a mesma também não poderá se curvar a qualquer pessoa durante sua dança, já que ostenta o símbolo maior de uma escola de samba. O mestre-sala não poderá tocar o pavilhão de forma brusca, nem encostar seu joelho no chão. Os dois em hipótese alguma podem cair durante a apresentação e o cavalheiro também não pode executar movimentos que não são direcionados ao pavilhão e à sua dama, nem dar as costas para a mesma, exceto quando estiver realizando giros no seu próprio eixo (torneados). 

O terceiro e último ponto de avaliação técnica do quesito é a integridade das fantasias. O jurado deverá verificar a indumentária do casal de mestre-sala e porta-bandeira e observar se existem tecidos rasgados, adereços quebrados, saiotes arqueados e queda ou perda de parte da fantasia, mesmo que seja acidental, como costeiros e chapéus, por exemplo. 


Marcelo e Adriana, primeiro casal da Mancha Verde, gabaritaram o quesito em 2020. Foto: Luciano Garcia/Faixa Amarela.
Como já citado anteriormente, o manual do quesito é didático - não só para os julgadores, mas também para o público em geral. Para atribuição da nota ao casal, os erros cometidos durante a apresentação são divididos em quatro tipo de falhas: leve (1 ponto de ocorrência - 0,1); média (2 pontos de ocorrência - 0,2); grave (3 pontos de ocorrência - 0,3) e gravíssimo (4 pontos de ocorrência - 0,4). No manual, as possíveis falhas em cada ponto de avaliação técnica (entrosamento, postura de casal e integridade das fantasias) já são separados em leve, médio, grave e gravíssimo. Um casal que se comunicar verbalmente durante sua apresentação e tiverem problemas na finalização de movimentos estão realizando falhas de nível leve e perderão 0,1 por cada erro, por exemplo. Se durante o bailado o pavilhão não se manteve desfraldado, é considerada  uma falha de nível médio, e o casal em questão terá o desconto de 2 décimos.

No carnaval de 2020, a maior perda de décimos entre os  casais de mestre-sala e porta-bandeira foi no ponto de avaliação entrosamento: finalização de movimentos, considerado como erro leve. Os jurados enxergaram que houve falhas de entrosamento entre os casais, em que, ao finalizarem algum passo, o mestres-salas pararam antes das suas parceiras ou vice-versa, dando a sensação que não estavam sincronizados. Outro fato que também pode ocorrer é quando, ao terminar algum movimento, a finalização dos bailantes não era evidente e marcada. Um outro ponto também apontado pelos jurados, mas em menor escala em suas justificativas, foi a postura do casal - pavilhão desfraldado, quando a dançarina não consegue manter o pavilhão aberto todo o tempo. 


Paralelo entre as cidades


Essa fascinante arte que se mantém a cada ano e é perpetuada para novas gerações possui tradicionalidade e importância no carnaval. Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, os casais realizam a mesma dança, apresentando os seus movimentos obrigatórios, exercendo sua principal função e atribuindo o destaque ao maior símbolo de uma escola. Cada casal tem seu estilo de dança, seja tradicional ou moderno, com um bailado forte ou leve, mas todos precisam apresentar o que a arte propõe. Entretanto, o quesito possui suas peculiaridades em São Paulo e no Rio de Janeiro.

João Carlos e Ana Reis, primeiro casal do Águia de Ouro, campeã do carnaval 2020. Foto: Luciano Garcia/Faixa Amarela.


Na Marquês de Sapucaí, os casais de mestre-sala e porta-bandeira realizam sua apresentação em frente ao módulo de jurados, enquanto em São Paulo os dançarinos precisam evoluir por toda pista e são avaliados de maneira contínua. A própria cabine no Sambódromo do Anhembi é feita para que o jurado do quesito consiga ter uma visão ampla do casal. Em relação ao bailado, não há muitas diferenças entre as duas cidades, já que os principais movimentos são obrigatórios em ambas. Entretanto, enquanto os casais cariocas montam uma coreografia específica que será realizada em um espaço determinado em frente ao módulo julgador e durante uma passada do samba-enredo, os casais paulistanos possuem uma coreografia para evoluir por toda a pista, sendo movimentos constantes. Um fato curioso é que no Rio a porta-bandeira pode se curvar durante a apresentação, em forma de reverência e respeito ao grande símbolo que ostenta. Já em São Paulo, isso é proibido e, caso alguma porta-bandeira realize esse movimento, uma falha é considerada.

Apesar do manual do quesito da cidade carioca ser mais simples do que o paulista, os jurados são trabalhados para expandir sua análise acerca da dança do casal e ir além do que está descrito no manual, que não é descritivo. Além disso, são guiados a expressarem suas opiniões nas justificativas. Por estarem há muito tempo na função, isso contribui para se aprofundarem e entenderem ainda mais o quesito. Já no carnaval de São Paulo, apesar do manual ser completo e detalhado, falta uma melhor orientação aos jurados no que se refere ao julgamento, pois há pontos para avaliação que envolvem a subjetividade, como elegância, postura e leveza de um bailado. Os mesmos necessitam de uma melhor referência e conhecimento para poder discernir o que é um bailado elegante ou não e também ter a possibilidade de ampliar sua análise além do manual, pois, caso contrário, acaba se tornando uma avaliação engessada e mecânica, principalmente no que tange às justificativas, nas quais os jurados não exprimem suas opiniões.

Ruhanan Pontes e Ana Paula em desfile oficial pela Colorado do Brás em 2020. Foto: Luciano Garcia /Faixa Amarela.

Os casais de mestre-sala e porta-bandeira possuem uma grande importância dentro de uma escola de samba e, principalmente, dentro de um desfile. Apenas duas pessoas representam um único quesito. Além de encantar o público com seu bailado, também precisam levar essa magia para os jurados. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o julgamento do quesito preza pela tradicionalidade da dança. Mesmo com a singularidade de cada cidade, é preciso compreender que a arte é uma só e que os casais estão constantemente na busca pela nota máxima. 

E você, conseguiu entender um pouco mais como funciona um julgamento de mestre-sala e porta-bandeira? Seria um bom jurado? Fique com a gente e carnavalize conosco. Semana que vem voltamos para o último capítulo dessa primeira temporada da série #GiroAncestral! 


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Por Bernardo Pilotto:

Naquele ano de 1946, o sambista Nelson Jangada andava insatisfeito com o Bloco União do Viradouro, do qual era um entusiasta. Nelson era um importante baluarte do samba na cidade de Niterói e uma referência para o Morro da União, no bairro Santa Rosa. Foi então que, em um 24 de junho, dia de S. João Batista, padroeiro da cidade, ele teve a iniciativa de fundar a Unidos do Viradouro, em conjunto com outros sambistas, como Nelson Braga, Lindolfo dos Santos e Dona Nazaré.

Na cidade, já existiam diversas manifestações carnavalescas, como blocos, banhos de mar à fantasia, batalhas de confete e até escolas de samba (a Combinado do Amor, por exemplo, foi fundada em 1936 e a Sabiá, em 1938), mesmo ainda não existindo uma competição entre elas. No carnaval de 1946, aconteceu o primeiro desfile com competição entre as escolas e isso certamente influenciou para que Jangada e sua turma resolvessem fundar a Viradouro.

Nesse momento, Niterói era a capital do estado do Rio de Janeiro, já que a cidade do Rio de Janeiro ficava no Distrito Federal, por ser a capital do Brasil. Mesmo após a mudança da capital para Brasília, essa situação se manteve até 1975, quando o estado do Rio de Janeiro se fundiu com o estado da Guanabara (que substituiu o Distrito Federal) e então Niterói deixou de ser a capital.

Sendo capital, Niterói ganhava bastante atenção e investimento. O desfile das escolas de samba da cidade era considerado o segundo maior do país e havia uma grande rivalidade entre a Viradouro (18 vezes campeã) e a Acadêmicos do Cubango (11 vezes campeã). Com a fusão dos estados, Niterói teve uma diminuição dos investimentos que recebia e isso se refletiu no carnaval.

Diante desse cenário, a Viradouro resolveu se arriscar no carnaval do Rio de Janeiro. Em 1986, começou na última divisão e foi subindo, chegando ao Grupo Especial em 1991. E nas suas primeiras participações ela logo conquistou corações, chegando ao 7º lugar nesse primeiro ano e fazendo um grande desfile em 1992, atrapalhado por um carro alegórico que pegou fogo perto do Setor 11.

Seguindo sua trajetória ousada, contratou Joãosinho Trinta para o desfile de 1994. E logo na sequência, três anos depois, chegou ao seu auge: conquistou seu primeiro título do mais importante desfile de escolas de samba.

O primeiro campeonato teve muitas questões marcantes, como a paradinha funk na bateria do Mestre Jorjão, um carro abre-alas todo escuro (simbolizando o big bang que criou o universo) e a voz marcante de Dominguinhos do Estácio. Depois de ter sido a grande agremiação do carnaval de Niterói, a Unidos do Viradouro agora conquistava o título também entre as grandes escolas.

A agremiação seguiu disputando o topo das posições nos anos seguintes, estando 9 vezes no Desfile da Campeãs em 10 carnavais. Nesse momento, a escola começou a passar por uma crise política que acabou gerando desfiles bem abaixo do que a agremiação vinha produzindo e que culminaram com o seu rebaixamento em 2010.

“Orgulho de ser NiteróI
Reluz no Rio
O meu tesouro
De braços abertos
Olhai por nós
Canta, Viradouro!”

("Sou a Terra de Ismael, 'Guanabaran' eu vou cruzar... Pra você tiro o chapéu, Rio eu vim te abraçar" - Dudu Nobre / Diego Tavares / Zé Glória / Paulo Oliveira / Dílson Marimb /, Junior Fragga / D. Oliveira / Arlindo Neto / LC / William Neves)

O carnaval de 2014 marcou uma nova fase na história da escola. Com um enredo em que reafirmava o orgulho em representar a cidade de Niterói, a Viradouro foi vencedora da Série A e obteve o direito de voltar ao Grupo Especial no ano seguinte. Mesmo com um novo rebaixamento em 2015, com um desfile muito prejudicado pela chuva, marcou seu espaço.

Em 2016, novamente fez um grande desfile, ficando em 3º lugar na Série A, quase alcançando um novo acesso. Embalado por um grande samba-enredo, escolhido em vários lugares como o melhor de todo o carnaval daquele ano, a Viradouro trouxe uma mensagem firme, posicionando-se contra a intolerância religiosa. Em 2017, também forte na disputa, ficou com o vice do grupo.

Após finalmente conquistar o Acesso em 2018, logo em seu retorno ao Grupo Especial foi vice-campeã. Para o carnaval de 2020, voltou a apostar em um enredo autor de uma dupla nova de carnavalescos, Marcus Ferreira e Tarcisio Zanon. Com um samba que colou, a Viradouro trouxe para a avenida o vitorioso enredo “Viradouro de Alma Lavada”, sobre as ganhadeiras de Itapuã, na Bahia. A escola cativou o público a tal ponto que seu intérprete, Zé Paulo Sierra, deixava de cantar um trecho do refrão do samba e isso não prejudicava a harmonia, já que o sambódromo cantava em uníssono.

Além de um bom samba e um ótimo enredo, o aspecto administrativo também ajudou a escola, que se organizou financeiramente nos últimos anos, tanto pelo apoio de um patrono, quanto pelo apoio financeiro dado pela Prefeitura de Niterói (algo que as escolas da cidade do Rio de Janeiro deixaram de contar). Foram esses fatores somados que garantiram o segundo título da agremiação.

Para o próximo carnaval, a escola largou novamente na frente, com o anúncio do enredo "Não há tristeza que possa suportar tanta alegria", que vai abordar o carnaval de 1919, o primeiro ocorrido após a pandemia de Gripe Espanhola, que em 1918 infectou cerca de metade da população carioca.

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Por Leonardo Antan, com colaboração de Any Cometti
Revisão: Felipe Tinoco
Artes: Vítor Melo


Salve a Estação Primeira! Depois dos sambas de Oswaldo Cruz e dos ilustres do Morro do Salgueiro,nossa parada de hoje na #SérieBaluartes é no mais famoso dos morros cariocas, aqueles com os típicos barracões de zinco. De uma Mangueira que dá fruta em verde e rosa, preparamos um verdadeiro dossiê sobre as principais figuras que construíram a história da “escola mais famosa do planeta”. 

No que se trata de baluartes, a Velha Manga conhece muito bem a importância dessas personalidades que fazem parte da história das escolas e empregaram seu amor e dedicação a esses pavilhões. A Mangueira criou, inclusive, uma espécie de Academia Mangueirense. Inspirado no modelo da Academia Brasileira de Letras, com cadeiras a serem ocupadas por esses sambistas, a lista completa dessas personalidades está disponível no site da escola e alguns deles terão suas histórias contadas nos próximos tópicos. Então, afine seu Surdo Um, respeite os tamborins, porque chegou… A Mangueira chegou, ô! A gente vai tentar dar conta da história daquela que é tão grande que não cabe explicação. 



A fundação da escola de samba que se tornaria a mais querida do planeta remonta a outros grupos carnavalescos que já existiam nas várias localidades do bairro. Mas o embrião definitivo foi o Bloco dos Arengueiros, fundado após Cartola e Zé Espinguela serem expulsos de outros grupos por serem galanteadores demais e não seguirem à risca a moral e os bons costumes estabelecidos. Foram tantas as rivalidades que Cartola tentou colocar um fim na competição entre os conjuntos locais com “Chega de Demanda”, fazendo enfim surgir a Estação Primeira de Mangueira. Foi assim batizada por ser a primeira estação ferroviária após a saída da Central do Brasil - na época, ainda D. Pedro II. 

O já citado duas vezes é um dos maiores ícones da história mangueirense, se não for o maior. Agenor de Oliveira, o Cartola, não nasceu no lendário morro, mas sim distante dali, por Laranjeiras. Era no bairro da zona sul, inclusive, que se sediava o Rancho do Arrepiado de onde o sambista se inspirou nas cores que eternizaram o pavilhão da escola. Uma outra versão da história diz ainda que o verde e rosa eram inspirados no time Fluminense, que tem sede no mesmo bairro. A vida do compositor foi produtiva e extensa, mas marcado por muitos amores, sobretudo Deolinda e Zica, inspirações românticas que o ajudaram a lhe tornar um dos maiores poetas da língua portuguesa, com clássicos como “As rosas não falam” e “O mundo é um moinho”.

Cartola em seu último desfile pela Estação Primeira, carnaval de  1978. Foto: Anibal Philot
Na semente dessa árvore frondosa da cultura brasileira está ainda outro sambista fundamental: Zé Espinguela. Não só um patriarca da escola, mas um pai-de-santo respeitoso. Negro, magricelo, macumbeiro, jongueiro e sambista, foi ele o idealizador do bloco que acolheu os sambistas rejeitados pelos grupos de “família”. Líder por natureza, organizou o que são consideradas as primeiras disputas não oficiais entre escolas de samba, realizadas pelo jornal A Nação, reunindo ainda um grupo de Oswaldo Cruz e Estácio. Outra grande contribuição sua foi a mediação cultural que realizou entre os sambistas e o maestro modernista Heitor Villa-Lobos, quem ajudou, por sua vez, a valorizar o samba nos salões nobres do país. 

Um outro grande compositor da santíssima trindade de fundadores da Estação Primeira é Carlos Cachaça. Ao lado de Cartola, foi um dos mais importantes poetas a ajudar na construção do imaginário da comunidade mangueirense. São deles clássicos como “Alvorada”, “Tempos idos” e “Quem me vê sorrindo”. Nos primeiros anos da agremiação, assumiu a função de orador oficial e redator dos comunicados enviados à imprensa, enquanto conciliava o trabalho na ferroviária e o casamento com Clotilde, a Menininha, irmã de Dona Zica. Permaneceu em atividade na escola até sua morte, em 1999, tornando-se o primeiro presidente de honra da verde e rosa, em 1995.

Autor de sambas-enredos no final dos anos 20 e nas décadas seguintes, Carlos Cachaça foi o principal parceiro de Cartola. Foto: J.A Fonseca/Folha Imagem
Primeiro líder da Mangueira e fundador da escola, Saturnino Gonçalves viveu entre o seu bairro de origem, o Estácio, e a Mangueira. Foi marceneiro hábil e presidiu a verde e rosa desde sua fundação até falecer precocemente em 1935, vítima de tuberculose. Fechando o time de ilustres fundadores da escola estão ainda Babaú da Mangueira, Arthur Gonçalves, Antonico, Fiúca, Chico Porrão, Homem Bom, Gradim, Manoel Joaquim, Maçu da Mangueira, Pimenta e Rubens.




Antes da Estação Primeira ser a maior representante do morro, uma outra agremiação também existiu por ali: a Unidos de Mangueira, que tinha como cores o azul e o rosa, e ficava no Santo Antônio, uma localidade histórica do bairro. Havia uma rivalidade entre essa região e o famoso Buraco Quente, no qual ficava a sede da escola fundada por Cartola. Sendo absorvida pela Estação Primeira rapidamente, vieram desta organização rival nomes que se tornaram fundamentais para todo a comunidade, como o maior baluarte vivo da verde e rosa: Nelson Sargento.

Atual presidente de honra da escola, Nelson Sargento nasceu em um outro morro famoso, o do Salgueiro, mas se mudou para o que lhe deu fama aos dez anos. O sobrenome foi conquistado pela alta patente que conseguiu no tempo em que serviu ao exército brasileiro. A alcunha militar se tornou famosa ao integrar o time do musical Rosa de Ouro, na década de 1960. Anos antes, ele foi um dos autores de “Cântico da Natureza”, seu primeiro sucesso, samba-enredo mangueirense de 1955. O autor do antológico “Agoniza mas não morre” ainda tem uma carreira como artista plástico, já tendo exposta suas pinturas pelo mundo afora.  

Outro grande baluarte da Velha Manga e que também veio da localidade de Santo Antônio foi Tantinho da Mangueira, falecido recentemente, e que desde pequeno frequentava rodas de partido-alto pela comunidade. Aos 13 anos, entrou para a Ala dos Compositores após passar em um teste feito por Cartola. Foi autor do samba-enredo para o carnaval de 1977, ao lado de Jajá. Gravou ao menos três álbuns sobre ou dedicados a nomes famosos do morro. O artista participou também do grupo Originais do Samba, de Mussum, mas decidiu sair quando projeto começou a fazer sucesso e viajar pelo país. Integrou durante anos a Velha Guarda Show da escola, grupo musical de baluartes nos moldes do que a Portela instaurou em 1970. Em 2017, protagonizou o documentário “Memória em verde e rosa”, de Pedro Von Krüger, que registrou depoimentos de grandes nomes das rodas de samba da Estação Primeira, como Broto, Neném Macaco, Raymundo de Castro, Carlinhos do Pandeiro, Jorge Catacumba, Amauri Raposo, Seu Nêgo, Waldir Marcelino e Jaguara. 


Nelson Sargento é sempre uma das figuras mais aguardadas do desfile de Mangueira. Foto: Brenno Carvalho/O Globo
Um dos grandes poetas da primeira geração da escola foi Padeirinho, também nascido em Laranjeiras como Cartola. Chegou na verde e rosa em 1947, na Ala de Compositores. Venceu os concursos de 1956 (Grande presidente) e de 1972 (Rio, carnaval dos carnavais). Dividindo-se entre o trabalho de estivador, deixou como legado uma discografia de mais de trezentas composições que abordam o cotidiano da comunidade, uma das mais famosas e emblemáticas nesse sentido é “Linguagem do Morro”. Foi ainda percussionista de mão cheia, exímio partideiro  e mestre do samba sincopado. 

Hélio Turco é o honroso possuidor do título de compositor que mais assinou sambas na Mangueira. Nascido no agradável bairro zona nortista do Grajaú, mudou-se para outro ícone de região - a Mangueira - aos seis meses de idade. Seu nome artístico foi adquirido em função de um tio, dono de um armarinho, o qual ele acabou herdando junto ao nome. Integrou a Ala de Compositores em 1957 ao lado de outro grande poeta da escola, Jurandir. Em 59, assinou pela primeira vez um samba enredo e daí não parou mais. Foram mais de quatorze composições desse poeta que se tornaram verdadeiros clássicos do repertório mangueirense, como Memórias de um preto velho (1954), Braguinha (1984), Cem anos de liberdade (1988) e Sinhá Olímpia (1990). Seguindo atuante na escola, ele encabeçou uma das parcerias finalistas em 2020. A última composição assinada pelo sambista é de 1992, em homenagem a Tom Jobim. 

O principal parceiro de Hélio é outro recordista da verde e rosa. Jurandir ganhou onze vezes o concurso de sambas de enredo da agremiação - oito dessas vezes ao lado de Hélio. A primeira obra de avenida sua a vencer a disputa foi a homenagem ao maestro Villa-Lobos, em 1966. Além de compositor, Jurandir foi uma das grandes vozes da agremiação na pista. Na época em que o disco oficial dos sambas-enredo saía pela gravadora Top Tape, Jurandir sempre gravava os sambas de sua autoria, já que o titular Jamelão era impedido de colocar sua voz por motivos contratuais. Foi assim que ele assumiu uma responsabilidade enorme em 1985, único ano em que Jamelão não interpretou o samba da Mangueira durante mais de cinquenta e seis anos. Jurandir foi ainda a principal voz da Velha Guarda Show da Mangueira.

Tantinho foi um dos maiores compositores da história mangueirense. Foto: Keiny Andrade/Folhapress
Com a virada do século XXI, um novo recordista surgiu: Lequinho. Já estreando com o pé-direito, o primeiro samba composto por ele para ir à avenida foi o clássico “Vou invadir o nordeste”, de 2002, em parceria com Amendoim. Desde então, foi campeão em mais oito ocasiões. Na lista de grandes compositores da verde-e-rosa estão ainda nomes como Batista da Mangueira, Darci da Mangueira, Alvinho, Bizuca, Rubem da Mangueira, Jajá, Alemão do Cavaco e muitos outros. 


Não tem como falar da Mangueira sem citar o maior intérprete e um dos maiores cantores da nossa música, José Bispo Clementino dos Santos. Ou melhor, Jamelão. Seu timbre potente e grave era a característica fundamental para a personalidade do cantor. Não só sua voz, mas seu profissionalismo, sua dedicação e seu amor genuínos e profundos à Estação Primeira de Mangueira também. Além do famoso mau-humor e a maneira como se colocava ao rejeitar o título de puxador, toda a sua composição é marcante e repletas de memória. O cantor emprestou sua voz para a verde e rosa por incríveis 57 carnavais, recorde absoluto entre as escolas de samba. Sua última passagem pela Sapucaí foi no carnaval de 2006, prestes a completar 93 anos de vida. É um dos recordistas de Estandarte de Ouro, com seis prêmios. Em 2013, ano do centenário de Jamelão, a Unidos do Jacarezinho o homenageou com o enredo “Puxador, não. Intérprete!”, e relembrou a vida e os elementos do artista, como a superstição do uso de vários elásticos em sua mão e sua carreira fora da avenida, quando se entregou à gravação de sambas-canções, as ditas músicas de dor de cotovelo. 

Achar alguém para substituir a voz potente de Jamelão parecia impossível, né? Se substituir, então, não era o caso, fazer história de outra forma foi a solução. Assim, em 2007, a responsabilidade foi dada a um gogó de ouro! Luizito iniciou sua carreira na Caprichosos de Pilares, quando foi o cantor da escola entre 1994 e 96, e chegou à Mangueira dois anos depois. Tornou-se o principal “apoio” de José Bispo no carro de som da verde e rosa. Como cantor oficial, permaneceu na agremiação por 9 carnavais, até 2015, quando ganhou o Estandarte de Ouro por sua atuação, falecendo precocemente no decorrer da preparação do carnaval para o ano seguinte. No imaginário folião, além de seu talento, está eternizado seu grito de guerra, que você com certeza lerá agora com a voz dele na cabeça: “Chegou a garra, chegou a emoção, chegou a escola de samba mais querida do Planeta. Chegou a Estação Primeira de Mangueira!”.

O maior de todos em um de seus rompantes de extremo bom-humor, se é que vocês nos entendem. Foto: Divulgação O Globo
Para acompanhar vozes tão potentes e históricas, não poderia haver nesta escola de samba uma bateria tão histórica como a Tem que respeitar meu tamborim. Além do seu Surdo Um tão famoso, que é o símbolo que estampa o pavilhão verde e rosa, o segmento de ritmistas da agremiação tem personalidades fundamentais. Foi no dia 3 de março de 1959 que Seu Tinguinha, Mestre Waldomiro, Raymundo de Castro e outros abnegados fundaram a Ala da Bateria da Mangueira para que os ritmistas se organizassem para os desfiles. A iniciativa pioneira veio de Tinguinha, tocador de tamborim e responsável por reunir os ritmistas que se apresentavam em festas e eventos sociais fora da quadra. O sambista tratou de ajudar os parceiros de bateria a melhorarem a beca para fazerem feio entre as rivais. Tinguinha foi responsável ainda pela inclusão do tairol na bateria, instrumento que vinha dos famosos festejos da Folia de Reis, que até hoje existem no morro. A presença de outras manifestações culturais é uma das maiores características da Derradeira Estação, uma mistura de calango, folia de reis e macumba.

Quem liderou essa bateria por impressionantes cinquenta anos foi o Mestre Waldomiro. Descoberto por Cartola e levado para o ainda Bloco dos Arengueiros, o instrumentista havia despertado para seu talento musical na escola militar na qual estudou. Por meio de um concurso, foi escolhido para liderar os ritmistas da escola na década de 1930. A partir daí  foram cinco décadas em que ele tratou o couro dos tambores mangueirenses com uma receita cheia de ervas e saberes afro-brasileiros só dele. Aposentou-se após uma trajetória histórica em 1983, o último carnaval antes do Sambódromo. 

Mestre Waldomiro e Delegado no desfile de 1978. Foto: Autor Desconhecido
Para alinhar a harmonia entre os intérpretes e as batidas do surdo um, outro mangueirense fez história na agremiação, figura tão forte que tinha como apelido o nome do orixá da justiça: Xangô da Mangueira. Discípulo Paulo da Portela, Olivério Ferreira passou pela União de Rocha Miranda, a própria azul e branco de Paulo e a poética Lira do Amor antes de chegar até a verde e rosa. Começou como intérprete da escola para, em 1952, assumir a função do que hoje entendemos como “diretor de harmonia”. No cargo seguiu por mais de cinquenta anos, encerrando sua atuação em 2008. Na década de 1970, gravou quatro LPs e seguiu carreira fora do carnaval, tendo composições gravadas por cantores como Clara Nunes e Roberto Ribeiro. Sua herança e seu legado ainda bailam na Sapucaí ano a ano, já que sua neta Squel Jorgea e seu filho Matheus Olivério formam há quatro anos o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira - um cargo de tamanha responsabilidade visando o histórico da baluartes do quesito… Bora falar deles?



Se a arte do samba não se restringe só ao aspecto sonoro, também contempla os grandes artistas do gingado. A Estação Primeira tem uma galeria de sambistas de fazer inveja nesse aspecto. Esse seleto time começa com uma tradição de grandes porta-bandeiras e mestre-salas, que fizeram história nos desfiles da agremiação. 

Essa história se inicia com seu Maçu, um dos fundadores da Velha Manga e o primeiro grande mestres-sala da primeira década de desfiles. Foi o seu bailado que praticamente definiu o que entendemos hoje como característico dessa função ao cortejar e proteger a porta-bandeira com elegância e gingado. Filho de escravos e nascido em uma família pobre na zona oeste, logo ele encontrou no Morro da Mangueira o local onde construiria sua independência e onde escreveria sua história. Ao longo dos anos, ganhou o respeito da comunidade de tal forma que acabou como o presidente da Mangueira que ocupou o cargo por mais tempo: 17 anos. No fim da vida, virou zelador dos banheiros do Palácio do Samba - função que exercia com orgulho. 

A primeira grande baluarte na arte do bailado e pioneira de uma verdadeira linhagem foi a porta-bandeira Neide. Ela estreou em 1954 e, rapidamente, destacou-se por sua força e por sua elegância. Sempre impecável, desenvolveu uma maneira própria de bailar, com muitos rodopios inesperados, que a faziam girar e girar de um lado para o outro com o mastro sempre apontando para o alto. Na década de 60, rivalizou com Vilma Nascimento o posto de maior da avenida. Sua despedida foi tão linda quanto triste: sofrendo de um câncer no útero, a bailarina escondeu a doença por quatro anos, desfilando cada vez mais magra. Chegou ao ponto de ter de pedir para reduzirem o peso de sua fantasia pois já não aguentava os quilos do traje. Em uma daquelas ironias que o destino nos prega, em 1980, último ano dela na avenida, o quesito mais nobre da festa havia sido eliminado do julgamento. 

Quem bailou ao lado de Neide por mais vinte e um carnavais formando uma dupla antológica foi ninguém menos que Delegado, carinhosamente chamado de "mestre dos mestre-salas", que ganhou o apelido por “prender” as cabrochas na sua conversa.  Filho de um dançarino de valsa e de uma doceira, ele teve um irmão ritmista, responsável pelo surdo e uma irmã, Suluca, da ala das baianas. Com impressionantes 1,90 de altura, foi dono de um estilo cortês e galanteador que formam o fundamental modelo do que se espera de um mestre-sala. Cruzou a avenida como defensor do pavilhão mangueirense por nada menos do que 36 carnavais e em nenhum deles tirou uma nota diferente da máxima. Além disso, também assumiu cargos como diretor de bateria, harmonia e de ritmista na escola.

Delegado e Mocinha se apresentavam em um de seus históricos carnavais. Foto: Agência O Globo

Com a trágica partida de Neide, o mestre da dança não ficou muito tempo até achar uma substituta. Mocinha era filha de Angenor de Castro, um dos fundadores da Mangueira, e aprendeu a dançar com sua tia Raimunda, que foi a primeira porta-bandeira da história da escola. Estreou em 1939, ao treze anos, como segunda porta-bandeira. O destino a afastou da agremiação, só fazendo com que retornasse anos depoi, em 1960 como QUARTA porta-bandeira (sim, existiam quatro casais). Com seu talento, logo alcançou o posto de segunda defensora do pavilhão e foi como segunda que fez história enquanto Neide bailava como a estrela maior. Em 67, ao assumir o posto de porta-bandeira principal, não se bicou com o lendário Delegado, voltando ao segundo lugar no ano seguinte, e permaneceu por lá por mais de uma década. Em 1980, aos 54 anos, fez história ao ganhar a premiação maior do Estandarte de Ouro de melhor porta-bandeira mesmo não sendo a defensora titular do pavilhão. No ano seguinte, com o falecimento de Neide, ela assumiu o protagonismo absoluto. Participou dos lendários campeonatos de 1984 (Braguinha), 1986 (Caymmi) e 1987 (Carlos Drummond de Andrade). Despediu-se da avenida em 1988, com 62 anos. 

Na década de 1990, viu-se despontar um casal herdeiro dessa dinastia tão nobre e respeitada de bailarinos mangueirenses. Marquinhos e Giovanna começam sua história na versão mirim da Mangueira, em que deram seus primeiros passos juntos. Em 1995, estrearam como defensores de uma das mais tradicionais agremiações cariocas, com a mesma responsabilidade que tiveram Neide e Delegado. Eles não decepcionaram. Por vinte e dois carnavais ostentaram com maestria a linda bandeira de cetim em verde e rosa, faturando pela escola dois dos quatro títulos que conquistaram juntos, em 1998 e 2002. Giovanna ficou conhecida por sua dança forte e aguerrida, assim como um mastro alto para levar a bandeira que defende a um ponto elevado. 

Mas e grandes passistas? A verde e rosa também tem! E algumas vindas não só do lendário morro, mas apaixonados por essa agremiação que surgiram dos mais diversos cantos da cidade. Foi o caso, por exemplo, de Gigi da Mangueira, moradora de Ipanema e menina dos olhos verdes e da pele branca; o típico retrato da zona sul carioca. Mas Gigi trocava Ipanema pela Estação Primeira de Mangueira em ensaios e desfiles. Ganhava outro formato com o fervoroso requebro de seus quadris e, assim, estreiou na escola aos 16 anos incompletos em 1961. Sua dedicação e seu amor à Mangueira fizeram com que ela não desfilasse apenas no ano de 1968, pelo nascimento de seu segundo filho. Em 1983, Gigi despediu-se dos desfiles antes mesmo de pisar na Sapucaí, que seria construída no ano seguinte, mas eternizou seu nome no chão sagrado da verde-e-rosa e seguiu a vida para cuidar de uma linha de confecções. Fora da Avenida, fez carreira como atriz e dançarina no teatro e na TV.

Rosemary e Gargalhada, dupla com uma samba no pé inconfundível. Foto: Agência O Globo
Outra dona do gingado mangueirense foi Nãnãna da Mangueira, que iniciou como dançarina da agremiação em 1958. Em 1973, reinou à frente da bateria da Mocidade Alegre, em São Paulo, lançando moda ao desfilar sambando e tocando tamborim ao mesmo tempo. Nãnãna mostrou e ainda mostra, felizmente, as várias faces de uma mulher de sucesso e que faz jus ao carinhoso apelido de "Dama do Samba", seja cantando, compondo, ou dizendo no pé com seu gingado. Seguiu uma carreira nos microfones das rodas de samba e shows, ainda deixando como herança seus filhos também apaixonados pela escola: Vânia, Rose e Ivo Meirelles.

Além das grandes passistas femininas, o riscado dos malandros mangueirenses também se eternizam na Avenida. Estão nesta lista nomes como César Augusto da Graça Moutinho, conhecido como Índio da Mangueira, que mostra seu samba no pé há mais de cinquenta carnavais desfilando na agremiação. Além do eterno Gargalhada, famoso ao formar uma dupla histórica com a cantora Rosemary. Ele começou sua carreira ao lado de ninguém menos que Martinho da Vila na Aprendizes da Boca do Mato, na década de 1950. Fechando o time dessa ala, não tem como não citar Serginho Pandeiro, dono de mais de 30 anos de avenida. O seu gingado nos pés se alinha aos manejos das mãos e o codinome não é à toa: ele é dono de uma impressionante habilidade motora no comando do pandeiro, seu leal aliado. 



Foi em um domingo de carnaval que Eusébia da Silva de Oliveira, a Dona Zica, mudou-se com a família de Piedade para o Buraco Quente. Ainda criança, aos seis anos, conheceu um rapazote de onze chamado Agenor de Oliveira, mas foi somente quase trinta anos mais tarde, em 1951, que o rumo desses dois se cruzou de maneira definitiva, dando origem ao primeiro shipp que se tem notícia da cultura brasileira: o Zicartola. A junção deu nome ao lendário bar e restaurante que dona Zica tocou com o marido. Além dos ótimos quitutes preparados por ela, lá se reuniam sambistas, intelectuais, poetas e agentes culturais cariocas das mais diferentes esferas sociais. Após o falecimento de Cartola, em 1980, seguiu atuante na Estação Primeira, desfilando como baluarte e eterna primeira-dama da agremiação. Sua última passagem foi no título de 2002, quando desfilou desrespeitando ordens médicas e acabou agravando sua já frágil saúde. 

Filho do fundador da escola Saturnino Gonçalves, Dona Neuma foi uma das importantes do cotidiano de Mangueira. Sua casa na rua Visconde de Niterói, em que fica a sede da escola, tornou-se espécie de ante-sala da quadra de ensaios, por onde passaram as figuras mais ilustres da cultura nacional, e que serviu como um ponto social fundamental do bairro, onde ela alfabetizou muitas crianças. Desfilando na escola desde seus primeiros anos de vida, Neuma já foi baiana e depois a responsável por fundar o Departamento Feminino, inspirando-se no formato que a pioneira Em Cima da Hora havia feito em 1962. A ala do departamento passou a confeccionar suas próprias roupas para que as damas pudessem desfilar, reunindo mais de 200 nomes em alguns cortejos. Na década de 90, foi ainda responsável por renovar a ala de baianas das escolas, percebendo que as senhoras estavam deixando de se apresentar, seja pelas fantasias pesadas ou pelo avanço das igrejas neopentecostais. Assim, atraiu jovens moças para rodarem na avenida. 

Outro legado fundamental de Neuma foram suas filhas Guesinha e Chininha. A segunda se tornou presidente em um momento conturbado da escola, entre 2008 e 2009. Pode-se citar também uma grande baluarte mangueirense que integrou a ala do Departamento Feminino de Dona Neuma por muitos carnavais: Tia Suluca, já citada como irmã do mestre-sala Delegado. Ela desfila pela verde e rosa desde os sete anos de idade.

Dona Zica e Dona Neuma exibindo o sinérgico pavilhão verde e rosa. Foto: Divulgação O Globo
A força feminina de Mangueira está não só nas mulheres que cruzam os becos e as vielas da comunidades, mas em artistas tão apaixonadas pela agremiação, que dedicaram sua vida e  sua obra para exaltar a Estação Primeira. Uma dessas figuras é Leci Brandão, primeira mulher a integrar a Ala de Compositores da Verde e Rosa, na década de 1970. Apesar de nunca ter vencido uma disputa de samba-enredo, consolidou-se como uma importante compositora da música brasileira, além de ter atuado como comentarista dos desfiles, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. 

Criada na zona sul no auge da Bossa Nova, Beth Carvalho foi outra personalidade do samba muito ligada à Mangueira. A estrela foi vencedora do III Festival da canção e verdadeira madrinha de uma geração de sambistas surgidos no Cacique de Ramos. Apaixonou-se pela escola ainda criança e viveu uma história de amor pela verde e rosa que durou toda a sua vida. Seu último desfile pela escola foi em 2018, no Sábado das Campeãs daquele ano, já debilitada por problemas na coluna. 

Surgida no auge do sucesso fonográfico do samba na década de 1970, a jovem Alcione veio do Maranhão para o Rio para se tornar uma das maiores intérpretes do ritmo, com mais de cinquenta álbuns lançados e oito milhões de cópias vendidas. A primeira vez que a Marrom visitou a quadra da Estação Primeira de Mangueira foi em 1974, logo sendo convidada a desfilar. Na concentração, a ausência de um destaque levou a bela estreante ao alto de um carro alegórico. Em 1987, participou da fundação da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã, e hoje é presidente de honra do grupo.

Alcione e Leci Brandão em encontro de titãs na quadra de Mangueira. Foto: Divulgação Escola
Uma outra cantora muito ligada à escola mas que não veio do samba é a Rosemary, ícone da Jovem Guarda. Ela começou sua carreira na televisão por meios de de programas na TV Tupi e apresentou o programa Menina Moça. Desfila ininterruptamente na verde e rosa desde os anos 70, quase sempre como “Destaque de Chão” da escola. Em muitos dessas ocasiões teve como parceiro o grande passista Gargalhada. 



Em uma escola marcada por uma força tão dionisíaca, engana-se quem acha que por trás do toque da bateria e do bailar de grandes dançarinos não existiu um grande mestre do visual. Fora do saber acadêmico que tomou conta das agremiações com a chegada de Fernando Pamplona, Júlio Mattos foi um dos maiores carnavalescos da história da festa com sua formação forjada nos barracões da vida. 

Morador de uma favela próxima ao morro dos barracões de zinco, Júlio dividiu sua trajetória entre a Estação Primeira e o Paraíso do Tuiuti, agremiação que ajudou a fundar. O artista do povo chegou na velha Manga em 1963, já causando polêmica ao escolher o enredo “Exaltação à Bahia”, em uma época em que temas nordestinos e, principalmente, ligados ao estado mais negro do Brasil eram vistos com desconfiança e considerados azarados. Permaneceu por lá por dez anos, até 1974, com três títulos (67, 68 e 73) e quatro vices (63, 66, 69, 72). Uma segunda passagem aconteceu de 1977 a 1979, com um vice em 78. O último e vitorioso período foi entre 1986 a 1989, sendo responsável por mais um bi com os inesquecíveis desfiles sobre Dorival Caymmi e Carlos Drummond de Andrade. Em 88, concebeu o inesquecível (e atual) “Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão?”, protagonista do eterno e polêmico duelo com a imortal Kizomba da Vila. Por fim, veio o fatídico “Trinca dos Reis”, em 1989, que terminou em um desastroso décimo primeiro lugar, dando fim a um dos mais bem sucedidos casamentos do carnaval.

Júlio Mattos em um dos pré-carnavais que assinou frente à batuta criativa mangueirense. Foto: Tantos Carnavais
Se faz parte da identidade da Mangueira homenagear grandes nomes da música e da cultura brasileira, Júlio foi um dos responsáveis por imprimir tal marca à escola. Sua estética simples mas ao mesmo tempo bela e sofisticada trazia a leveza necessária para as componentes “dizerem no pé”. Ficou famoso também por sua capacidade de reutilizar e reciclar materiais de anos anteriores e transformá-los em novas peças. Foi, sem dúvida, um artista completo e dos mais brilhantes que o carnaval já teve. Saiu de cena de maneira discreta na década de 1990, mais especificamente em 94, após sofrer de um câncer.

Por falar em homenagens a grandes artistas da nossa cultura popular, outro criador que soube explorar essa vertente foi Max Lopes. Supercampeão da escola em 1984, com o enredo sobre Braguinha, havia começado sua ligação com o carnaval no Salgueiro dos anos 1960, quando foi chefe da ala da vermelho e branco e ajudou o grupo criativo liderado por Pamplona e Arlindo Rodrigues. Nos anos 2000, Max retornou para a escola com seu estilo luxuoso e barroco estabelecendo uma parceira de grandes desfile e que teve como seu ápice o título de 2002.


Uma das agremiações com um dos imaginários mais fortes e bem construídos da cultura brasileira, a Velha Manga não poderia deixar de ter um time de torcedores que se dedicam a espalhar a arte dos artistas da verde e rosa em suas obras. Estão nessa lista um seleto grupo de intérprete, cantores ou compositores que se tornaram o enredo da escola durante sua trajetória, como Braguinha, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque e Maria Bethânia, nomes pra lá de fundamentais da história da música brasileira em diversos períodos. 

Nesta lista de personalidades está também Nelson Cavaquinho, um dos grandes letristas da nossa história, compositor de clássicos como “Folhas Secas”, “Juízo Final” e “A Flor e o Espinho”. Apesar do seu talento, o reconhecimento da sua trajetória foi tardio. Por falta de dinheiro, Nelson eventualmente "vendia" parcerias de sambas que compunha sozinho. Foi apenas na década de 1970 que seu repertório foi resgatado por figuras como Beth Carvalho e Elis Regina, no período em que também gravou seu primeiro álbum solo. No ano do seu centenário, em 2011, sua trajetória foi cantada no enredo "O Filho Fiel, sempre Mangueira", garantido o terceiro lugar pra Estação Primeira.

Maria e Chico, homenageados campeões durante o  Show de Verão Mangueira no Vivo Rio em 2017. Foto: Agência O Globo
Desse time, destacam-se dois artistas que compuseram um repertório de clássico da agremiação. Chico compôs o belíssimo “Estação Derradeira” dedicado a escola, além de ter gravado o disco “Chico Buarque da Mangueira”, homônimo ao enredo campeão de 1998 feito pela verde e rosa. Também homenageada em um carnaval vitorioso, a baiana Maria Bethânia se inspirou no título do enredo em sua homenagem para batizar o álbum “Mangueira, a menina dos meus olhos”, que resgatou algumas parceiras não-vitoriosas da disputa de 2016 e outros clássicos do repertório da escola. Irmão da cantora, Caetano Veloso foi um dos homenageados no carnaval de 1994 no inesquecível “Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”.  Também mangueirense de coração, o tropicalista compôs “Onde o rio é mais baiano” para louvar a agremiação. 

Um dos grandes sambistas da história e dono das mais belas vozes da nossa música, Emílio Santiago foi outro grande torcedor da Estação Primeira, que não só cruzou a avenida com as cores da verde e rosa, como também regravou vários hinos da escola no seu histórico projeto Aquarela Brasileira. Nessa lista está ainda o humorista Mussum. Antes de ganhar fama nos Trapalhões e no conjunto Originais do Samba, ele já desfilava pela agremiação desde a década de 1960. Foi na mesma década que o artista plástico Hélio Oiticica também se tornou passista da instituição cultural, após viver um período entre os barracos da comunidade mais famosa do país. Foi dessa experiência que ele criou uma de suas obras mais importantes, como os parangolés e os penetráveis. Mais recentemente, o pagodeiro Alexandre Pires é outro ilustre nome da nossa música a também defender o pavilhão dessa gigante da nossa cultura, assim como Péricles, que também já defendeu o samba da Mangueira na avenida, em 2018.
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