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Carnavalize


Arte: Vitor Melo.


Por Thomas Reis e Leonardo Antan
Revisão: Luise Campos


Se no Panteão portelense Paulo é Oranian - fundador do reino africano de Oió -, Natal é Oxóssi. E, assim como o orixá associado à prosperidade, Natalino José do Nascimento, popularmente conhecido como Natal da Portela, é símbolo máximo do anos de ouro da Águia Altaneira. Homem forte, líder, pioneiro e muito polêmico, Natal amou e fez o que pôde pela sua escola de coração, revolucionou as concepções do Carnaval carioca com a integração da patronagem e tornou-se figura célebre na história do Rio de Janeiro, amado por uns e temido por outros. Hoje, 31 de julho de 2020, completam-se 115 anos do nascimento de Natal da Portela e o Carnavalize vem celebrar a surpreendente trajetória desse portelense primordial para o Carnaval. 

Natal na Inauguração da nova sede da Portela na década de 1970. (Acervo Arquivo Nacional)


Paulista de nascimento, Natalino José do Nascimento nasceu em Queluz, interior de São Paulo, mas após o falecimento de sua mãe, mudou-se com seu pai e avós para o Rio de Janeiro, mais especificamente para o bairro de Oswaldo Cruz. A família, apesar da situação financeira penosa, nunca deixou as festividades de lado. Na efervescência cultural do bairro suburbano, onde figuras como Tia Ester reinaram, as festas religiosas realizadas por Napoleão José do Nascimento, pai de Natal,  foram um importante ponto de batuqueiros, sambistas e intelectuais locais. 

Longe das folias, o jovem Natal começou a trabalhar ainda muito jovem, num posto de aprendiz na Estação de Ferro Central do Brasil. Foi nos trilhos do trem que aconteceu o trágico acidente que marcaria sua vida, quando tinha apenas vinte anos. Demitido por invalidez ao perder o braço direito, ainda tentou ganhar a vida como camelô e biscate, mas a virada no seu destino aconteceu quando se tornou anotador de jogo do bicho, passando a trabalhar para o famoso à época Capitão Amorim. Aos poucos, Natal foi ganhando a confiança do contraventor, que comandava os arredores de Madureira e, com isso, alçou cargos dentro do negócio até herdar o comando e se tornar uma espécie de rei da loteria popular.

“Quando o Barão de Drummond criou/Um jardim repleto de animais/
Então lançou um sorteio popular”


Surgida no fim do século XIX, a loteria popular era um sucesso desde seu lançamento pelo Barão de Drummond, que criou a iniciativa para recuperar seu Jardim Zoológico de uma baixa financeira. O jogo inocente dos 25 animais pintados nas entradas do parque, que rendiam um prêmio em dinheiro aos visitantes que tinham o ingresso cujo bicho do dia figurasse no bilhete, movimentou a população. Isso fez com que a prática se espalhasse por toda a cidade, num formato mais elaborado, vindo sua prática a ser proibida pelo governo republicano. Foi nesse cenário que Natal foi galgando seu espaço. 

Uma das entradas do Zoológico de Drummond que deu origem ao Jogo do Bicho. (BNL Data)


Nos anos 1950, o banqueiro popular já estava tão estabelecido nas bandas de Madureira que corria o boato que a banca da Zona Norte fazia girar mais dinheiro que todas as outras da cidade juntas. Mas se engana quem acha que o bicheiro começou a acumular fortunas. Aí entrou o lado que o tornou lendário: chegar onde o poder oficial não chegava. Assim, começou a ajudar todos que precisavam: amigos, instituições de caridade, igrejas, o seu clube de coração: o Madureira, onde ocupou cargo de diretor de patrimônio, estabilizando suas finanças e construindo um novo estádio. Foram diversas ruas asfaltadas e feitos importantes, mas a maior beneficiada com o dinheiro da contravenção foi a sua tão amada Portela.

Engana-se quem acha que Natal foi um bicheiro que se envolveu com Carnaval depois de estabelecido no negócio. Foi através de sua figura que o jogo do bicho ganhou espaço dentro das escolas de samba, mas diferentemente de seus sucessores, o portelense já fazia parte do âmbito carnavalesco quando foi integrado na loteria popular. Sua relação com a azul e branco de Oswaldo Cruz sempre foi bem estreita, ou até mesmo familiar: reza a lenda que os embriões do que viria ser a agremiação foram fecundados no quintal da casa de seu Napoleão, seu pai, pelos lendários Paulo da Portela, Antônio Caetano e Antônio Rufino. Essa ligação se tornou mais íntima a partir da década de 1940, após o afastamento de Paulo da Portela. Percebendo o vácuo de liderança deixado pelo professor, Natalino toma para si o comando da escola. Escrevendo a história de seu pioneirismo, converte-se no primeiro patrono de uma escola de samba. 


“Dessa brincadeira / Quem tomou conta em Madureira, foi Natal / Consagrando a sua escola, na tradição do Carnaval”


É quase impossível dissociar a figura de Natal dos anos áureos da Águia, já que ele esteve ativo na escola por aproximadamente 30 anos, no intervalo que se estende de 1941 a 1970. Nesse período, a azul e branco saiu vitoriosa por 17 vezes, conquistando o extraordinário heptacampeonato (1941-1947) e, posteriormente, um tetra (1957-1960). Em meio a tantos títulos, o aporte financeiro do banqueiro popular foi fundamental para os anos de glórias da agremiação. Dono de uma robusta personalidade e de muita coragem, com o passar do tempo, ‘seu’ Natal da Portela foi se transformando em um eminente personagem do subúrbio carioca. O patrono da Portela, com isso, obteve prestígio significativo, decorrente, sobretudo, de seu olhar visionário e de seu caráter polêmico. Assim, o universo da contravenção, em especial o jogo do bicho, possibilitou o crescimento das escolas de samba no Rio de Janeiro, fazendo com que, muitas vezes, esse cenário provocasse um olhar romantizado sobre a situação, quando é sabido que ele abre uma série de complexidade sobre a festa e sua relação de constante negociação entre os poderes vigentes e paralelos. 

Uma sambista portelense com a Duquesa de Kent, no Palácio do Itamaraty, em 1959.

Para além dos desfiles pomposos, o patrono também investiu nas sedes definitivas da Majestade do Samba para os ensaios da agremiação e feijoadas comandadas por sua irmã Vicentina. A primeira delas, chamada hoje de Portelinha, surgiu no final da década de 1950. Apesar de simples, a quadra recebeu figuras ilustres como os monarcas soberanos de Luxemburgo, que, numa dessas inusitadas histórias cotidianas do Carnaval, acabaram embebedados por Natal para não notarem a falta de banheiro do lugar. Se especializando em recepcionar a nobreza, a agremiação ainda recebeu a convocação de Negrão de Lima (Ministro das Relações Exteriores do governo de Juscelino Kubitschek) para uma apresentação no Itamaraty que receberia a duquesa Kent. O episódio foi eternizado na canção “Tempos idos”, do mangueirense Cartola. 


“Com um braço só, eu já dei muito trabalho”


A excentricidade de Natal vai além de sua tradicional vestimenta - paletó de pijama, chinelo e, claro, sua arma na cintura. Sua forte personalidade o conduziu a uma série de polêmicas. A relação do contraventor com as co-irmãs nunca foi das melhores, principalmente com o Império Serrano. As coisas em Madureira eram bem quentes como o próprio relata para Hiram Araújo e Amaury Jório, escritores da biografia do anti-herói: 
“Eu não gostava muito do pessoal do Império. A gente só vivia brigando. Eles eram convencidos. Uma merda. O que me deixava puto é que foi o pessoal nosso, que saiu da Portela, para, juntamente com o Prazer da Serrinha, em 1947, fundar o Império… O falecido Elói, do Império, mandava no cais. Ele não dava colher de chá ao pessoal que era da Portela. Tinha gente que não conseguia pegar um dia de estiva. Era só pro pessoal do Império... Uma vez a gente fazia aquele desfile de segunda-feira em Madureira, que se faz todo ano, quando, ao passar em frente ao Império, um dos caras de lá meteu a mão no revólver e atirou em mim. Porra. O tempo esquentou. Quem estivesse de verde e branco entrava na porrada. Era homem, mulher, veado ou puta. Porrada neles. Foi uma das maiores porradas de Madureira. (ARAÚJO; JÓRIO, p.103-104).”


O embate Natal da Portela versus Império Serrano teve uma dos seus episódios mais folclóricos em 1953. Em meio a uma longa disputa entre as entidades representativas das agremiações, o Império Serrano conseguiu a anulação do Carnaval de 1952, alegando que as fortes chuvas teriam prejudicado os desfiles. O problema é que, segundo analistas, o título iria mais uma vez para a Majestade do Samba, revoltando o patrono portelense, que prometeu realizar um enterro simbólico da Serrinha caso ganhasse o Carnaval do ano seguinte. Dito e feito. Com o enredo “Seis datas magnas” a Águia levou mais uma, para a felicidade de Natal, que cumpriu o prometido. Decorou um caixão de verde e branco com a coroa do Império e foi realizar o enterro simbólico. Foi uma confusão sem tamanho, que acabou acirrando ainda mais as disputas em Madureira e Oswaldo Cruz. 

Outra polêmica envolvendo o bicheiro foi o resultado da folia carioca de 1960. Se hoje constam cinco agremiações como as campeãs daquele ano, tudo não passou de uma artimanha de Natalino José do Nascimento. A confusão aconteceu na apuração, quando a Portela alcançou notas suficientes para mais um título, mas o quesito “cronometragem” a faria perder a vitória. Naquele ano, fortes chuvas prejudicaram tanto o desfile da Águia como o do Salgueiro, que dava início a sua revolução com o enredo “Quilombo dos Palmares”. Vendo toda essa situação, Natal se aproximou do chefe do policiamento dando-lhe um soco na cara, armando uma tremenda confusão e acabando com a apuração. Depois do impasse, a Prefeitura assumiu a responsabilidade pelo atraso, alegando má organização na localidade dos desfiles. O quiprocó só foi desfeito quando, dizem alguns, o próprio Natal deu a ideia de divisão do título entre as cinco primeiras colocadas:  Portela, Mangueira, Salgueiro, Unidos da Capela e Império Serrano. Confusões à parte, o importante é que a azul e branco fechou um tetracampeonato com aquela vitória. 

A confusão causada por Natal na Apuração de 1960. (Jornal do Brasil: 5/3/1960) 


Mas nem só de polêmicas envolvendo o julgamento viveu o nosso anti-herói. O acaso conduziu Natal a uma das suas grandes contribuições para a história momesca. Em 1952, o bicheiro foi até uma casa de shows para reaver uma bandeira da Portela que havia sido roubada e estava sendo usada numa das apresentações do espaço. Ao invés de enfurecido, o bicheiro saiu de lá encantado, já que a tal “ladra” em questão era ninguém menos que Vilma Nascimento. A moça foi chamada a desfilar, mas acabou recusando o convite, uma vez que já que defendia o pavilhão da União de Vaz Lobo. Quis o destino que esse encontro voltasse a acontecer e, dois anos depois daquele episódio, Vilma começou a namorar o filho mais velho do contraventor. Agora como nora de Natal, ela não tinha como fugir e, em 1957, a eterna Cisne da Passarela assumiu o posto de porta-bandeira da Portela, revolucionando o quesito com uma trajetória impecável de 12 títulos com notas máximas. O patrono vivia a repetir: “Sem Vilma, a Portela não desfila!”. 


“Desta brincadeira/Quem tomou conta em Madureira/Foi Natal, o Bom Natal”


Para além da Avenida, é de se esperar que uma vida na contravenção seja rodeada de percalços. Além das brigas pelo poder das banca entre os bicheiros, Natal também foi perseguido e processado pelo governo. O episódio fatal para a desestabilização do patrono da Portela foi a instauração do governo militar, após o golpe de 1964. O período foi marcado por forte repressão ao jogo do bicho e perseguição aos contraventores. Com o decorrer do tempo, os problemas de saúde também foram aparecendo, fazendo com que o homem que outrora se mostrava forte e robusto, começasse a enfraquecer e ter de enfrentar diversos problemas pulmonares e cardíacos. Em meio à decadência financeira e a fraqueza física, Natal foi passando o bastão portelense para seu sócio Carlos Teixeira Marins, o dono da rede supermercados Maracanã, popularmente conhecido como Carlinhos Maracanã. 

A altaneira águia de 1975 com um homenagem ao lendário patrono. (Foto: site Portela)

Os últimos passos de Natal dentro da sua amada escola foram dados no início da década de 1970. Em um súbito e temporário afastamento de Carlinhos, em 1974, ele retomou o comando da Majestade. No ano seguinte, a agremiação desfilou com o enredo “Macunaíma, herói da nossa gente”: ironia do destino ou não, a homenagem ao herói sem caráter de Mário de Andrade foi a última vez que o anti-herói portelense se apresentou na Avenida. Entoando o popular samba composto por David Corrêa e Norival Reis, o patrono da Águia Altaneira foi ovacionado pelas arquibancadas. Em 5 de abril daquele mesmo ano, seu Natal da Portela faleceu. Sua morte gerou uma grande comoção por parte daqueles que o admiravam. Milhares de pessoas caminharam em um longo cortejo que saiu do Portelão em Madureira, onde o corpo foi velado, até Oswaldo Cruz e, depois, para o Cemitério Jardim da Saudade. Foram inúmeras as homenagens ao patrono, bicheiro, líder polêmico e amado Natalino José do Nascimento. 

O enterro do bicheiro em 1975. Fotos: Revista Manchete.


No ano seguinte, a Portela, com o enredo “O homem do Pacoval”, desfilou pela primeira vez sem seu emblemático patrono, que foi lembrado com sua foto colocada abaixo da simbólica águia. Mas a homenagem propriamente dita para o bicheiro saiu de bem longe das bandas de Madureira. Lá para os lados de Nilópolis, despontava uma escola que teria a batuta criativa do então carnavalesco bicampeão Joãosinho Trinta. O artista, já consagrado, havia sido contratado graças à atuação de outro contraventor, Anísio Abraão David. A ideia inicial era fazer uma homenagem ao lendário líder, mas o enredo ganhou um tom onírico e lúdico na mente delirante de João, que abordou a história do jogo do bicho através dos sonhos populares, encerrando com as contribuições de Natal. Deu Beija-flor na cabeça! Mesmo não estando presente fisicamente, o anti-herói deu sorte à co-irmã azul e branca. Embalada pelo samba clássico, composto e interpretado por Neguinho da Beija-Flor, a agremiação quebrou a hegemonia das chamadas “quatro grandes”. 

Visão geral da apresentação do desfile campeão da Beija-Flor em 1976 (Acervo Tantos Carnavais)


“Okê, okê, Oxóssi/Faz nossa gente sambar/Okê, okê, Natal/Portela é canto no ar”

Abrimos nosso texto afirmando que Natal é um orixá portelense, mas conferir a ele esse título não foi ideia nossa. Em 1984, na estreia do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, a Majestade encantou com seus “Contos de areia”. O enredo, que seria uma homenagem a Paulo da Portela, acabou se rendendo a mais personagens marcantes da história da escola. Se juntaram ao professor nada menos do que Natal e Clara Nunes para formar um verdadeiro panteão portelense, em uma comparação direta as divindades afro-brasileiras: Oranian, Iansã e Oxóssi. E a relação entre Natal e Oxóssi é mais profunda do que se possa imaginar, já que o orixá da caça é reconhecido por ser provedor material, protetor dos caçadores, controlador da ordem social, administrador e defensor do vilarejos dos caçadores. Ninguém pode negar que essas características foram latentes na trajetória do líder portelense. 

Detalhe do abre-alas portelense de 1984. (Acervo Marcelo Guirel)

Natalino foi o responsável pelos voos mais altos da Águia Altaneira, dedicando sua vida a Oswaldo Cruz e Madureira. Paulista de nascimento, mas acolhido pela Zona Norte, o anti-herói se tornou símbolo máximo do subúrbio carioca nos anos de 1950 e 1960.  O amor pela folia foi herdado de seu pai. Não compunha samba, não cantava e muito menos sambava, mas dedicou sua vida à nossa maior festa. Fez o possível para o desenvolvimento de sua escola, desbravou caminhos no âmbito carnavalesco, foi precursor da patronagem financiada pela contravenção do jogo do bicho e alavancou o Carnaval carioca. Passional e muito polêmico, se meteu em diversos maus bocados, mas sempre deu um jeito de escapar deles com  valentia característica. Natal foi um sujeito único e como o mesmo dizia: “acho que era covardia eu ter os dois braços também.”. A figura de Natal está imortalizada na história da Portela, do samba, de Madureira e do Rio de Janeiro. Salve o samba, salve a santa, salve ela! Salve também Natal da Portela!


Referências bibliográficas: 
ARAÚJO, Hiram; JÓRIO, Amaury. Natal, o homem de um braço só. Rio de Janeiro: Guavira Editores, 1975. 
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. São Paulo: Lazuli Editora, 2011. 
CARNAVAL de 1960 - “Rio, eterna capital do samba”. Portela Web, 2017. Disponível em: <https://www.portelaweb.org/outros-carnavais/decada-de-60/carnaval-de-1960>. Acesso em: 29 de jul. de 2020. 
MOTTA, Aydano André. Onze mulheres incríveis do carnaval carioca: Histórias de Porta-bandeiras. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2013. 
NATAL o homem de um braço só. Portela Web, 2017. Disponível em: <https://www.portelaweb.org/memoria/panteao-de-bambas/natal>. Acesso em: 29 de jul. de 2020. 
SIMAS, Luiz Antonio. Tantas páginas belas: Histórias de Portela. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora, 2012. 
Filme Natal da Portela (1988), dirigido por Paulo César Saraceni. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-OnLZ3iOSYw 

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"Iroko – É tempo de xirê"

Iroko Kisselé! Eró Iroko Issó, Eró!

No princípio, havia eternidade.

E, na eternidade, tempo ainda era silêncio.

Dança antiga da criação, o Aiyê fez-se nos mistérios do Axé.

O tempo começava a falar.

Plantou-se a primeira árvore, Iroko, Iggi Olórum, e ele passou a escutar a voz do tempo.

Genitor do sagrado, raízes para o alto e para baixo, Aiyê e Orun ligados.

Orixá da Árvore, Árvore Orixá – e os outros Orixás por ele descendo ao Aiyê!

Árvore-Orixá dos mistérios, raízes ancestrais no fundo da terra e também bailando ao vento pelos céus.

Orixá-Árvore do infinito, do início e do fim, mestre de todas as Árvores, e todos os Osa Iggi curvam-se à sua existência.

Árvore da vida do que é, do que foi, do que virá a ser, e a vida seguindo sendo vida.

Irmão de Ajé, a feiticeira mãe de um passarinho, e de Ogboí, a mulher com dez filhos, é a Árvore das mulheres-pássaros iamis, semeadoras rígidas das respostas aos pedidos.

Germinou como lar e guardião da ancestralidade, enquanto ele reside mesmo é no tempo, sem amarras, nem clausuras. Quando os oluôs pediram para Iroko fazer parte do Axé, não quis ele casa alguma: viveria livre junto ao Povo de Santo, junto a todas as Nações.

No balanço do tempo, Iroko acolhe os temores e consola as aflições. Justiceiro, Iroko dá, Iroko tira. Engole os devedores. Corrige as desfeitas. É clemente com os arrependimentos.

Conforta suas iaôs…

…E guarda a natureza!

Foram os Orixás ao encontro de Iroko e então Iroko-Árvore, Morada dos Orixás. Grande e belo, Iroko protege da tempestade e conversa com o vento, através dele suspirando seus chamados e espalhando sua dádiva.

Iroko, Orixá do Morim, cabendo aos homens abraçá-lo com o ojá. Na Dança da Avania, andando Iroko pelo Aiyê, conta o que viu e o que ouviu, quando amou e quando guerreou, ao fim fincando-se no chão, a Grande Árvore Sagrada.

Iroko dos ciclos, da terra, do ar, do fogo; do sol que brilha quente e forte queimando o mundo, às folhas mortas que caem sob o desígnio do tempo rotundo; do frio gelado que castiga com dores na alma, às flores do recomeço da cicatrização da ferida; da vida sem vida dos minerais, à magia da água como fonte mãe alimento do Axé da vida da natureza.

Irôko Issó! Eró! Irôko Kissilé!

Iroko dos caminhos. Caminhos que vem e vão, e o mundo rodando à sua vontade. Na floresta, ao lado de Ossain, declama com seus galhos e folhas os retorcidos mistérios do verde universo. Orixá se transmuta em árvore, árvore se torna Orixá e o povo virando no Santo! O Grande Guardião e a vida em louvação.

Orixá Árvore das trilhas em cruzamento e Iroko Senhorio do Otim. Árvore também vivenda dos mortos, com Icú revelando-se indomável aos seus pés durante a noite. ÁrvoreCemitério, dos ajejês, dos abicus, lança sua sombra cobrindo os términos dos ciclos, em junção com os segredos de Nanã e Obaluayê.

Generoso, grande amor de Yewá, Iroko também brilha e vibra possibilidades de renovação.

Senhor do que recomeça, do que o vento leva e traz no toque do atabaque da transformação, pois ele ouve o tempo e o tempo segue, ciclo eterno de mudança.

O branco, a sua cor, união de todas as cores do arco-íris da sua ligação com Oxumarê, o mesmo branco do sangue dos ibis. Ele, a brasileira Gameleira, em comunhão com Obatalá.

Assim, a Árvore-Orixá da fartura e da fertilidade, feliz, dá frutos: Árvore Maior, Iroko é e será para todo o sempre a abundância na plenitude dos dois mundos. De sua copa frondosa, resplandece o equilíbrio sobre tudo, Iroko regenerando a vida infinitamente, fazendo triunfar a união na paz de Oxalufã, cujo opaxorô é feito de um de seus galhos.

Enfim, rigoroso, caem as folhas como lágrimas de desespero, implacável contra aqueles que cultivam o erro. O Orixá que brada a guerra quando não é tempo de perdoar. Todavia, Iroko também sabe curar, sempre disposto a ouvir.

E como gosta de ouvir! Lamentos, pedidos, choros, rezas, agruras, dores, tristezas.

Paciente, escuta-os. Reto, cobra as alegrias e as farturas atendidas. Mulheres e homens, nas raízes e tronco sob as folhas, batem cabeça pelas bênçãos do seu Axé, por perdão pelos erros cometidos.

Os antigos ainda contam, por fim, que Iroko soprou através do vento um chamado a uma jovem que dançou e rodopiou, indo girando ao seu encontro para tornar-se Filha…

… E hoje, em sua homenagem, Ela, a Unidos de Padre Miguel, pede licença!

Com o Estandarte resplandecendo o vermelho do nosso sangue fervendo Carnaval e o mesmo branco do ojá de Iroko, pedimos licença para celebrar a felicidade da devoção e oferecemos o banquete da alegria de viver sob a sombra da Árvore Sagrada.

A Unidos de Padre Miguel, emocionada e aguerrida na gira da Vila Vintém a passar pela Sapucaí, canta os mitos e estórias sagrados, festejando as raízes, o tronco, os galhos, as folhas e o Axé da Grande Árvore, ajoelhando-se respeitosa aos pés de Iroko pelas graças abençoadas do Orixá!

Aqui e agora, tributo ao Senhor da Árvore, é Tempo de Xirê!

“No tronco da Gameleira,
Meu Iroko eu vou louvar!”.

Carnavalesco: Edson Pereira
Enredo: Edson Pereira e Comissão Artística
Sinopse e pesquisa: Edson Pereira, Victor Marques e Clark Mangabeira
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Depois de passear pelos carnavais da última década e também pelos baluartes da história das quatro matriarcas do carnaval carioca, chegamos ao sincrético ápice de uma escola de samba quando o assunto é louvação – seu padroeiro. Poucos são os elementos aos quais são ofertados tanta devoção e respeito como os santos e orixás que regem e protegem uma agremiação. Por isso, lançaremos quatro textos que passearão pelas histórias desses seres divinos e por alguns pontos dessa relação litúrgica, sintetizando perfeitamente o binômio sacro-profano que é o carnaval.

Seja pela levada do ponto de chamada do orixá que influencia a batida da bateria, seja pela emoção que toma conta ao cantar o samba-exaltação à agremiação e ao padroeiro no esquenta, a série está no ar. É nossa missão sempre relembrar que existe algo muito além daquilo que circula entre o céu, a terra e o sagrado solo da quadra de uma escola de samba, ou a Marquês de Sapucaí. Vamos conhecer mais dos Padroeiros - toda quarta de julho, aqui no Carnavalize. Hoje, o último texto!


Foto: Riotur/Fernando Grilli | Arte: Vítor Melo/Carnavalize

Texto: Vítor Melo
Revisão: Felipe Tinoco

A pedreira e a fundação

Conta a história iorubá que Xangô foi o quarto alafim de Oió – título de obá (rei) do império iorubano, hoje localizado no que se entende por Nigéria. Detentor do controle dos raios e de tempestades, era de cima da pedreira, região na qual geograficamente se estabelecia o reino criado por Odudua, avô do nosso padroeiro de hoje, que, durante curto período de sete anos, ele comandou a ascensão do maior império iorubano já visto. Embora conhecido pela tirania e pela violência, o orixá do fogo sempre fez prevalecer sua pesada mão de justiça e sabedoria entre seus súditos. Segundo a tradição oral africana, Xangô teria sido destituído do cargo de majestade e fora obrigado a se suicidar na floresta após ser causador de um grande incêndio que destruiu o reino de Oió, após testar uma de suas façanhas (o fogo). Tendo cumprido a pena, nunca foram encontrados restos mortais do antigo obá, sugerindo que os deuses haviam o transformado em orixá. Na medida em que o tempo passou, a cada relampejada ou trovão que rasgasse o céu, existia a certeza por parte do povo de lá que Xangô permanecia vivo, protegendo e zelando por eles, de cima da pedreira de onde tudo se vê.

Primeiramente conhecido como Morro dos Trapicheiros, o morro do Salgueiro herdou o nome de um cafeicultor da região, quem havia construído alguns barracões para pessoas escravizadas. Domingos Alves Salgueiro deu início, de forma ainda lenta, à povoação daquele espaço. Esse movimento foi intensificado após a “abolição” da escravatura, quando recém-libertos constituíram famílias, construíram casas e contribuíram para o crescimento da comunidade do Salgueiro. Nos idos de 1940, uma nova leva de migrantes de outros estados e, notadamente, de regiões interiores da própria cidade deu a tônica do berço fértil de mistura e potência cultural que o morro já demonstrava possuir. Como o carnaval é uma festa essencialmente de resistência, mesmo diante de todas as adversidades, o festejo de momo era religiosamente comemorado pelos moradores daquela região. À época ainda existiam três blocos que animavam a moçada e já detinham uma relação estreitíssima com o quarto rei de Oió, fundamental pra escola que viria surgir e para o fato dela ser abordada nessa série. Embora competissem entre si, os grupos carnavalescos Azul e Branco, Unidos do Salgueiro (a azul e rosa) e Depois Eu Digo (a verde e branco) dificilmente conseguiam boas colocações nos campeonatos locais.


Djalma Sabiá, último dos fundadores salgueirenses vivo, como "obá" no carnaval 2019. Foto: Riotur/Dhavid Normando.


Inicialmente, o Unidos do Salgueiro resistiu à junção dos outros dois grupos, mas logo depois se rendeu ao sinérgico branco e encarnado do recém-constituído Acadêmicos do Salgueiro, fundado em 05 de março de 1953. Sendo fruto de uma comunidade localizada em uma pedreira (onde reside Xangô), a escola tinha o primeiro enlace litúrgico com seu padroeiro e dava indício da relação que só foi fortificada durante os anos. Embora existam pessoas que acreditem em coincidências - o que não é o meu caso -, o Salgueiro, em sua carta de fundação, definiu suas cores como vermelho e branco. Juntas do marrom, formam as cores do orixá. A escolha dos fundadores, entretanto, era baseada na tentativa de distanciamento das combinações cromáticas já em voga nos blocos anteriores. 

Se para um bom entendedor, um pingo é letra, estava mais explícito do que nunca a relação dada! Os destinos do orixá da justiça e da escola tijucana foram cruzados mesmo antes que a segunda existisse. Dois dos fatores que ligariam ainda mais diretamente a escola ao seu padroeiro e fixariam essa relação do patronato espiritual da Academia do Samba em nosso imaginário coletivo vieram em 1969.


O Xangô do Salgueiro

Entra na história a figura de Júlio Expedito Machado Coelho, mais conhecido como Professor Júlio, destaque de luxo que desfilaria no Salgueiro até 2007, ano de seu falecimento. Foi em 1969, entretanto, que ele alçaria seu maior voo e herdaria uma herança que carregou até “Candaces”. No enredo “Bahia de todos os deuses”, assinado pela dupla imbatível Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, o professor desfilou pela primeira vez com as vestes de um orixá, conforme pedido de sua mãe de santo. O escolhido obviamente foi o padroeiro da escola, Xangô, sendo rapidamente acatada pelos carnavalescos. 

Ao final da apresentação, com tamanho excitamento gerado por ela, o carnavalesco da voz de trovão virou para Júlio e sentenciou: “Você é nosso Xangô! Xangô do Salgueiro!”. Com o novo epíteto, agora Xangô do Salgueiro desfilou sempre em representação ao patrono espiritual da agremiação. A fator de curiosidade, essa “obrigatoriedade” gerou poucas e boas, como conta cirurgicamente Leonardo Bruno em Explode, coração: histórias do Salgueiro, livro da coleção Cadernos de Samba. Em 1970, com o enredo versando sobre a Praça Onze, o destaque ganhou posição ao lado de Tia Ciata, já que Xangô era seu orixá de cabeça, conforme descobriram na pesquisa do tema.

Júlio Machado, Xangô do Salgueiro, desfilando no carnaval de 1995. Foto: Wigder Frota.

Já em 1997, com o enredo “De poeta, carnavalesco e louco, todo mundo tem um pouco”, de Mário Borrielo, que brincava com a loucura, o encaixe foi mais arrojado. Júlio desfilou ao lado de uma representação de Dona Maria (a Louca). O porquê disso se dá pela versão de um batismo da figura em águas africanas, ganhando a proteção do orixá, antes de chegar ao Brasil. Loucura ou não, a veracidade não é o aspecto mais relevante do causo; importante era Xangô desfilar – e isso ele felizmente sempre fez. Com essa onipresença física (e espiritual), o professor Júlio foi sem dúvidas um dos responsáveis pela aproximação da relação Xangô-Salgueiro do imaginário coletivo e pela manutenção da figura do patrono como um dos principais símbolos da agremiação. 


Tambor

Chegamos, então, ao segundo elemento relacionado ao desfile que deu ao morro salgueirense o primeiro título: o furioso ritmo da bateria tijucana. Embasada pelos contos dos mais experientes salgueirenses, diz a lenda que em 1969 se ouviu pela primeira vez o emular do alujá, toque para Xangô, bem na cabeça do samba, após a volta do refrão principal. É justamente a passagem em que evoca a Bahia, um dos principais berços da ancestralidade que percorre esse solo tupiniquim.

“Bahia, os meus olhos estão brilhando/Meu coração palpitando/De tanta felicidade”

Embora a bateria salgueirense se inspire primordialmente na levada de partido-alto das bandas dos bambas da Estácio de Sá, foi nos tambores vermelhos e brancos que o batuque sincopado recebeu a codificação para Xangô. A necessidade do flerte rítmico com o padroeiro é coisa séria e caracteriza os ritmistas do Salgueiro até hoje. Fato semelhante ocorre na Mocidade, conforme o texto da semana retrasada (“Batuques ao caçador, o agueré independente”, leia aqui). A Furiosa, como é conhecida carnaval afora, recebeu esse apelido exatamente pela ferocidade com que tocava (e toca), diferenciando-a das outras baterias, tendo base no alujá para o orixá padroeiro. 

Um dos diretores da bateria Furiosa durante o carnaval de 2019. Foto: Richard Santos/Riotur.


Mães do samba

Partindo pra outro segmento... Em uma ligação com a Profa. Dra. Helena Theodoro, conhecedora dos caminhos do sagrado, ativista defensora das causas étnicas-raciais, salgueirense e curadora de "Resistência", enredo do Torrão Amado para o próximo carnaval, pude mergulhar um pouco mais profundamente pela simbologia que as representações das mães africanas carregam e pela representação das baianas salgueirenses, assim como perceber minúcias cotidianas que muito nos dizem, independentemente de nossos olhos não enxergarem. As grandes mães ancestrais das escolas de samba carregam em seus conhecimentos a responsabilidade de serem símbolos das cabeças brancas coroadas pela experiência, pela carga ancestral e principalmente pelo poder da sabedoria.

No Salgueiro, portanto, são elas as únicas responsáveis (e capazes) de perpetuar a manutenção dos fazeres ancestrais, de repassar o conhecimento que adquiriram até hoje e de guiar os rituais e as obrigações necessárias quando a escola aborda divindades africanas em seus enredos, como no próprio "Xangô", em 2019. Helena também afirmou que as baianas carregam em suas vestimentas o poder de criar, transformar e perpetuar ensinamentos que são carregados em seus tabuleiros pelos saberes e sabores, refletidos inclusive nas comidas vendidas em torno da quadra. São diferentes os conteúdos das barraquinhas antes de ensaios, disputas e demais eventos de coirmãs apadrinhadas por Ogum ou Oxóssi, por exemplo. Carregadas dessa liturgia entre escola e padroeiro, é comum achar na Silva Telles a comercialização de alimentos que também são comumente oferecidos a Xangô, como pratos com camarões, azeite de dendê e muitas velas nas cores de seu pavilhão.  Essa energia e esse poder vital que os orixás e os guias espirituais carregam também funcionam dessa forma, trazendo para perto de si, em locais que seu culto esteja presente, símbolos e mensageiros de sua falange.


"Samba, corre gira, gira pra Xangô"

O enredo da vida de cada salgueirense ocorreu em 2019! Esperada por muito tempo, a homenagem ao padroeiro finalmente aconteceu no carnaval do ano passado. Em um cenário pra lá de conturbado politicamente, diga-se de passagem, mas aconteceu. Corre em boca nem tão miúda assim que a escolha do tema sobre Xangô foi uma das últimas táticas tentadas por Regina Celi, ex-presidente salgueirense, para criar certa capilaridade e gerar uma adesão da comunidade da escola com ela. O imbróglio foi parar na justiça, estendeu-se por quase 6 meses e nitidamente afetou o cronograma do desfile da escola até quando a nova gestão, encabeçada pelo presidente André Vaz, assumiu. 


Visão geral da apresentação da alvirrubra de 2019. Foto: Wigder Frota.

O Salgueiro recebeu uma safra à altura de seu padroeiro, gerando um dos sambas mais ouvidos e repercutidos do pré-carnaval, com refrão forte e melodia potente. O momento da escolha, em especial, foi bastante emocionante. A quadra pulsava, os segmentos salgueirenses se abraçavam nitidamente emocionados e o ambiente contagiava até o menos satisfeito com a composição escolhida.  O desfile foi empolgante e emocionante, embora apresentasse algumas irregularidades no conjunto visual e alguns senões na narrativa escolhida, como o pouco destaque dado a Oiá, Oxum e Iansã, mulheres de Xangô citadas no samba. A garra do chão salgueirense e a emoção do componente da vermelho e branco tijucana em homenagear aquele que os protegem foram suficientes pra driblar os pontos negativos, gerando um ambiente simbólico e competitivo. O Salgueiro ficou na quinta posição, suficiente para voltar ao Sábado das Campeãs pelo décimo primeiro ano consecutivo.

Cruzo

Utilizo-me de muitas referências de Luiz Antonio Simas e lá vai mais uma: cruzo. Em detrimento do conceito de sincretismo, acredito que “cruzo”, além de tornar um campo mais amplo pro entendimento de tudo isso que existe entre o céu e a terra, é uma forma mais correta de se entender e explicar essa interseção entre energias, lendas e crenças de diferentes religiões e dogmas. Não existe meios de se contar histórias, fermentadas em terras brasileiras, que bebem do poço da fertilidade de nossa cultura e raízes, sem falar dessa mistura. Muito se sabe da relação Salgueiro-Xangô e também do costume das escolas de samba pela cultura de aglutinação, da não excludência, de reverenciarem padroeiros de diferentes origens, inclusive católica. Portela e Nossa Senhora da Conceição; Paraíso do Tuiuti e São Sebastião; Império Serrano e Estácio de Sá e São Jorge... Tantos exemplos!

Com a Academia do Samba não é diferente. Essa relação, pasmem, vem antes mesmo do que sua ligação com o rei do império iorubano. Voltando ao segundo parágrafo do texto, chegamos novamente ao Morro dos Trapicheiros. Haroldo Costa destrincha em seu livro Salgueiro: Academia do Samba que a procissão a São Sebastião, perpetuada até os dias de hoje no morro, é herança do legado desse sarapatel religioso do processo de ocupação do morro. Esse sarapatel é ainda mais reverberado na propagação dos saberes culinários, durante as festividades religiosas e na disseminação de danças e ritmos como jongo, caxambu, folia de reis, etc. 

Registro da procissão de São Sebastião no morro do Salgueiro.
Foto: Flickr ArqRio/Arquidiocese do Rio de Janeiro.

“O jongo e o caxambu vamos rodar/Salgueirar vem de criança/O centenário não se apagará”. Toda essa relação e toda essa devoção se dá até hoje pela manutenção da presença de uma capela para o santo no alto do morro, como vestígios das décadas que precediam o ano da fundação do Salgueiro. As comemorações do dia 20 de janeiro são fortemente preconizadas anualmente pela comunidade. A decoração do campo o qual abriga o principal festejo sé dá por muitas velas, bandeirinhas, barracas e tudo mais que compõe o visual de um verdadeiro arraiá em louvação ao padroeiro católico da agremiação. A cereja do bolo dessa relação íntima se dá por uma personagem verde e rosa, a querida Alcione. O clássico “Academia do Samba”, imortalizado na voz da nossa Marrom, sintetiza e confirma o “apadrinhamento” de forma poética logo de cara, com os assertivos e belos primeiros versos: “Salgueiro, ô, salgueiro/Teu padroeiro é o próprio São Sebastião/Estende o manto sobre o Rio de Janeiro”. 

Ainda há um último elemento querendo entrar nesse balaio. No dia da fundação da escola geralmente ocorre uma missa na quadra, ministrada pelo padre Wagner Toledo, ilustre torcedor salgueirense e personificação da representação sacro-profana, sendo amante das escolas de samba e torcedor apaixonado e desfilante assíduo da Academia. Durante a cerimônia, há a comum presença de muitos componentes devotos de São Sebastião, além de toda a simbologia contida no olhar mais atento da grande imagem do santo que a escola mantém em sua quadra. Esse elemento, associado com a figura do detentor do Oxé que também se coloca presente no terreiro salgueirense, vigia os ensaios e protege o bom prosseguimento da vida e do dia a dia dos becos, vielas e frechas do Oió tijucano. Suas presenças encantam e muito contam sobre o misticismo e magia do cotidiano carioca, sobre o pertencimento dos saberes e caminhos ancestrais, preservando por meio desses signos a memória e a história do Acadêmicos do Salgueiro, uma matriarca e grande protagonista dessa cachaça que nos move chamada carnaval. Saravá!


Agradecimentos: à interminável fonte de conhecimento conhecida por Helena Theodoro, pela ligação de quase 1h sem prévio aviso e toda a sabedoria compartilhada generosamente comigo; ao jornalista e escritor Leonardo Bruno, autor do primeiro livro que obtive sobre a história do Torrão Amado, por também ter me doado parte do seu tempo para conversarmos um pouco; e a Eduardo Pinto, um dos atuais diretores do eminente departamento cultural da Academia do Samba, pelo contato propriamente estabelecido e também todo o tempo e a atenção dispensados.

Referências bibliográficas: A tese de Doutorado “O G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e as representações do negro nos desfiles das escolas de sambas nos anos 1960”, de Guilherme José Motta Faria; o livro “Explode, Coração: Salgueiro”, de Leonardo Bruno, coleção Cadernos de Samba, publicado pela VersoBrasil; o livro “Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi, publicado pela Companhia das Letras; e o livro “Salgueiro: Academia do Samba”, de Haroldo Costa, publicado pela Record.

***********************

Sendo a Série Padroeiros um desejo meu de pesquisa de longa data, sinto-me já um pouco órfão dessas quatro semanas pesquisando e buscando conhecimentos sobre essa relação litúrgica entre as escolas de sambas e seus padroeiros que sempre me fascinaram. Começamos pela relação entre o Paraíso do Tuiuti e São Sebastião e Oxóssi. Nesse primeiro texto, o enfoque foi mais direcionado ao desfile de 2020 e na simbologia contida no morro do Tuiuti (leia aqui). No segundo texto, desembarcamos na Vila Vintém. A coluna abordou a influência do agueré, toque de Oxóssi, na construção identitária da bateria Não Existe Mais Quente. Para traçar essa história, utilizamos brevemente a genialidade e o teor ancestral do Mestre André como nosso fio condutor (leia aqui). Já no penúltimo texto, a relação entre o imperiano fiel que confia na lança do santo guerreiro foi o assunto debatido. Passeamos pela procissão e pela alvorada de São Jorge que ocorre pelas bandas de Madureira religiosamente todo dia 23 de abril e terminamos o texto nas aparições de São Jorge nos enredos do Império Serrano (leia aqui). E, no de hoje, abordamos a principal escola quando se trata de relação e manutenção desse símbolo espiritual: o Salgueiro. 




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Depois de passear pelos carnavais da última década e também pelos baluartes da história das quatro matriarcas do carnaval carioca, chegamos ao sincrético ápice de uma escola de samba quando o assunto é louvação: seu padroeiro. Poucos são os elementos aos quais são ofertados tanta devoção e respeito como os santos e orixás que regem e protegem uma agremiação. Por isso, lançaremos quatro textos que passearão pelas histórias desses seres divinos e por alguns pontos dessa relação litúrgica, sintetizando perfeitamente o binômio sacro-profano que é o carnaval.

Seja pela levada do ponto de chamada do orixá que influencia a batida da bateria, seja pela emoção que toma conta ao cantar o samba-exaltação à agremiação e ao padroeiro no esquenta, a série está no ar. É nossa missão sempre relembrar que existe algo muito além daquilo que circula entre o céu, a terra e o sagrado solo da quadra de uma escola de samba, ou a Marquês de Sapucaí. Vamos conhecer mais dos Padroeiros - toda quarta de julho, aqui no Carnavalize. Excepcionalmente na terceira semana, neste sábado!

Foto: Riotur/Divulgação | Arte: Vítor Melo/Carnavalize
Como já diria a música do grande imperiano Arlindo Cruz, haja lugar para abrigar mitos e seres de luz como Madureira. O bairro, que fica ali próximo a Oswaldo Cruz, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá, abriga nada menos do que dois dos maiores organismos socioculturais de nosso país: o Menino de 47, Império Serrano, e a Majestade do Samba, Portela. Diferente do primeiro texto dessa série (sobre a relação direta entre o Paraíso do Tuiuti e seu padroeiro, São Sebastião, o santo-rei) e do segundo texto (sobre a influência do toque do orixá padroeiro, Oxóssi, na construção da identidade da bateria independente), nas linhas de hoje, vamos misturar um pouco das duas coisas e passear por acontecimentos, símbolos e histórias que ligaram e ainda conectam a comunidade da Serrinha ao santo e ao orixá responsáveis por zelar e guiar o caminho da agremiação.

O Império Serrano foi fundado em 23 de março de 1947, data que dá origem à carinhosa forma com que o chamam - “Menino de 47”. A escola surge de uma ruptura à hegemonia pautada no autoritarismo de anos, comandada unilateralmente pelo presidente da Prazeres da Serrinha, Alfredo Costa. Assim como aqueles que nascem nessa data e são regidos pelo primeiro signo do zodíaco, a ariana agremiação não curtia a ideia de se limitar pelas amarras de uma administração unilateral, hierarquicamente familiar e que polia qualquer tentativa de mudança. Nessa levada dissonante, um grupo de bambas, encabeçado por nomes da mais alta estirpe imperial, como Tia Eulálila - quem era a dona da casa que serviu de local demarcatório na fundação do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano -, Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Sebastião de Oliveira (“Molequinho”) e tantos outros sambistas da Serrinha. Nessa reunião, ficou definido, além do nome e da fundação das escolas, as cores verde e branco – representando respectivamente esperança e paz. 

A ideia desse texto não é estabelecer uma conversa tão profunda sobre a história e os caminhos que proporcionaram a criação do Império Serrano. Para isso, deixamos como indicação o livro, de Rachel e Suetônio Valença, “Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba”. Na obra, os autores fazem uma profunda viagem e detalham todos os capítulos dessa longa e grandiosa trajetória da escola. Pensamos, porém, ser impossível estabelecer uma relação entre a agremiação e seu padroeiro, São Jorge, sem previamente contextualizar historicamente a ligação.

Com a fundação consolidada, a escola se preparava pro primeiro desfile, com o enredo “Homenagem a Antônio Castro Alves” para o carnaval de 1948. Devido à proximidade geográfica e às influências de sambistas da escola vizinha, estava tudo certo para o recém-formado Império Serrano receber as bênçãos de sua quase futura madrinha, Portela. O sucesso do primeiro desfile imperial foi tanto, elevando a escola ao primeiro lugar já em sua estreia, que os bambas de Madureira e Oswaldo Cruz se recusaram a dar a bênção para a nova (mas já campeã) agremiação. Assista ao relato de Tia Maria do Jongo, uma das fundadoras da escola, contando majestosamente essa e outras histórias sobre a fundação do Império no vídeo abaixo!


Após a recusa da maior campeã do carnaval, o Império nunca foi batizado de fato. Embora não seja algo convencional no universo “hierárquico” das escolas, a Serrinha “pagã”, como disse tia Maria no vídeo, nunca encarou isso como um problema. A comunidade serrana pegou esse fator pra si e fez questão de estreitar os laços e canalizar toda a sua devoção (e gratidão) ao santo. São Jorge é o único patrono que a escola tem até hoje, cuja imagem foi oferecida à agremiação por duas das mais antigas alas do Império Serrano, logo após sua fundação – Amigos da Onça e Estado Maior. Desde esse momento de consolidação, o guerreiro da Capadócia jamais deixou de lado aqueles que confiam a sorte à sua lança e lá já se vão mais de 70 carnavais regendo, protegendo e matando os dragões que ousem surgir nos trilhos imperiais. Passearemos por alguns acontecimentos que fazem questão de ratificar essa relação íntima entre escola e seu padroeiro!

Brasileiro, carioca, sambista, Jorge é um de nós. Apesar de ter origem na atual Turquia, São Jorge se tornou o mais brasileiro de todos os santos, movimentando todos os anos uma legião de fieis nas alvoradas, procissões e nos rituais dentro de muitos terreiros – cruzado nas macumbas como Ogum. E pelas bandas de Madureira não é diferente! Religiosamente, todo 23 de abril se inicia com uma enxurrada de fogos, prenunciando um longo dia de devoção. Sem dúvidas, a carreata do Império em homenagem a São Jorge assume uma posição de destaque no calendário anual do bairro. O evento, que foi impedido de tomar as ruas pelas medidas de contenção à pandemia do COVID-19, completaria esse ano sua 50º edição.  O percurso trilhado pela imagem, que sai da quadra localizada nas proximidades ao Mercadão de Madureira, é coisa seríssima e começa nas primeiras horas do dia. O primeiro destino, a Igreja de São Jorge no bairro de Quintino, é acompanhado por centenas de motos, carros e fiéis até que o santo esteja dentro do templo religioso. De lá, parte para o Clube da Esquina, em Engenho de Dentro.

Durante a viagem, passar por dentro de diversos bairros da zona norte carioca. O terceiro ponto de parada é a tenda espírita Caminheiros da Verdade. Esse é o momento de maior duração do percurso, já que passes são ofertados pelos médiuns presentes durante toda a procissão a quem quiser chegar e receber a purificação enérgica dos caboclos em transe. Rumando à penúltima localização, a imagem do santo guerreiro ainda faz uma parada em Ramos a tempo de saudar a coirmã Imperatriz Leopoldinense e a Swing da Leopoldina, sua bateria. Voltando pra casa, a carreata segue até ao Morro da Serrinha, no qual costumeiramente é recebida por samba, feijoada e muita festa.

Recapitulando, a procissão sai de Madureira, da quadra do Império, passa por Quintino (Igreja de São Jorge), para em Engenho de Dentro (Clube da Esquina e Caminheiros da Verdade), flerta com Ramos (Imperatriz) e volta para terminar o cortejo, embebida no berço fértil da fé e nos braços da comunidade que viu o Menino de 47 nascer. Só percorrendo toda essa história dá pra entender o porquê de tanta comoção no canto e do marejar de olhos dos componentes do Império Serrano a cada vez que evocam o santo na avenida.


O caso mais explícito de homenagem imperiana ao seu padroeiro foi no carnaval de 2006. Com o enredo “O Império do Divino”, assinado por Paulo Menezes, o componente verde e branco ganhou um lema que sintetiza cirurgicamente a relação entre escola e santo. Mesmo que o tema apresentado pela escola não fosse diretamente direcionado a São Jorge, mas uma abordagem aos mais diversos festejos religiosos do país, a parceria responsável pelo samba-enredo e o carnavalesco fizeram questão de dar todo um toque especial, sabendo da intimidade entre o protegido e o protetor. O grupo composto por Arlindo Cruz, Maurição, Carlos Sena, Aluísio Machado e Elmo Caetano foram os responsáveis pelo refrão inexorável daquele ano:

O meu Império é raiz, herança
E tem magia pra sambar o ano inteiro
Imperiano de fé não cansa
Confia na lança do Santo Guerreiro
E faz a festa porque Deus é brasileiro

Ô se confia! Fato curioso é que o refrão apresentado ao carnavalesco na troca de figurinhas do artista visual com a parceria, continha o seguinte verso: “Imperiano de fé não cai, balança”. Sendo rejeitado instintivamente pelo carnavalesco por passar uma ideia de fragilidade conflitante à proposta temática, abriu-se espaço ao verso imortalizado no imaginário carnavalesco. Ô, sorte! Serve até hoje como um mantra pros bambas do Império Serrano, simbolizando a fé inabalável dos que seguem a coroa imperial. 

Outra aparição marcante e carregada de simbologia do padroeiro ocorreu no carnaval de 2015. Nesse episódio, a escola buscava a ascensão ao Grupo Especial, que só viria dois anos após, e desfilou com o enredo “Poema Aos Peregrinos de fé”, assinado por Severo Luzardo. A bateria da escola, Sinfônica Imperial, veio representando os devotos do santo em procissão. Seguindo a cultura da oralidade do samba e a característica da influência dos toques de orixás nas baterias, reza a lenda pelas vozes dos mais sábios do Império que a bateria bate em homenagem a Ogum. Dessa maneira, dá-se carga semântica ainda maior à fantasia, personificando o cruzamento do santo-orixá, presente mais forte do que qualquer outro nesse binômio guerreiro na crença popular.

Com essa última aparição, encerramos relembrando que nós já reunimos cinco vezes em que São Jorge e Ogum foram evocados nas avenidas Brasil afora, confira aqui. É sempre tempo de fortificar os laços de fé dos milhares de guerreiros brasileiros que matam diariamente seus dragões e olham sempre pra cima, confiando na lança e na proteção do santo – e do orixá – guerreiro. Salve Jorge, patacori Ogum!

Referências bibliográficas: o livro “Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba”, de Rachel e Suetônio Valença, lançado pela Editora Record, e o artigo “Caminhos de Ogum: Florindo as ruas, festejando São Jorge e Ocupando a Cidade”, de Ana Paula Alves Ribeiro

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Autor Ilustração: Osmar Filho/Arte Capa: Vítor Melo

Texto por Gabriela Sarmento, Osmar Filho e Vívian Pereira

Mãe Ciata d’Oxum imortal. Autor: Osmar Filho
Quando falamos em matriarcado, logo somos levados a pensar no sistema que a visão ocidental nos levou a imaginar, no qual as mulheres mandam, detêm todo o poder, são superiores ao homem. Porém, o matriarcado africano não funciona bem assim. Nesse matriarcado, as mulheres têm força de comando na sociedade, mas não se inferioriza o homem. A mulher é o centro porque é dela que vem a vida, é ela quem alimenta a criança nos primeiros anos de vida, ela é quem pode espalhar essa energia vital para sociedade. Essa mulher negra africana faz isso quando ela cuida da sua casa, dos filhos, quando ela educa meninos e meninas, transmitindo conhecimentos. Quando ela prepara o alimento. Aliás, o alimento é uma forma de se dar e receber a energia vital. Por tudo isso, a mulher é exaltada e respeitada. O homem possui suas funções dentro dessa sociedade, não existe um ou outro, o poder não é um campo de disputa, não há sobreposição de forças. O que existe é um conjunto de forças que juntas constroem e mantêm uma sociedade.

Essa característica do matriarcado se manteve durante a diáspora. A manutenção e a transmissão  da cultura e da luta pela liberdade tiveram o protagonismo da mulher negra, como bem contaram o Império da Tijuca, em 2013 (Negra pérola mulher), a Mangueira, em 2019 (História pra ninar gente grande), e, em 2020, o Porto da Pedra (O que é que a baiana tem - do Bonfim à Sapucaí) e a Viradouro (Viradouro de alma lavada).

As mulheres vindas da África para cá ajudaram e muito na reorganização social, cultural e econômica dos povos negros, trouxeram cultura e a guardaram. Até mesmo no sentido do vestuário, tudo isso foi trazido de lá para cá e foi mantido, adaptado ou transformado. Essas mulheres foram muitas vezes o esteio das suas famílias. Garantiam a sobrevivência dos seus, lavando roupas, vendendo seus quitutes. Além disso, eram mães de santo e davam grandes festas nos seus terreiros de candomblé e protegiam os primeiros sambistas das perseguições policiais no período pós-abolição. Em dias de desfiles, os grupos carnavalescos recebiam as bençãos dessas mulheres; elas garantiam a alimentação dos sambistas e dos desfilantes, já que eram também as quituteiras que garantiam a sobrevivência das suas famílias com a venda de alimentos nas ruas. O alimento restaura as forças e por meio dele também há e se obtém a energia vital.

Migraram do espaço das ruas para os terreiros de candomblé, migraram para a escola de samba, também, e aí, a gente começa a enxergar alguns elementos estéticos bem parecidos em cada lugar de manifestação dessa cultura, assim como o que cada um tem em comum com o outro. Os elementos estéticos que essas mulheres usavam no período escravocrata enquanto elas trabalhavam nas ruas são os mesmos elementos que, hoje, usa-se nos terreiros. O pano da costa e o camisu, a saia rodada com anágua e o torso, além dos balangandãs e fios de conta de orixás de devoção ancestral são composições de baiana durante uma apresentação na quadra ou durante o desfile da escola de samba. A manutenção, adaptação ou transformação desses aspectos é a preservação da história e da memória do negro no Brasil.

É por isso que há ala das baianas, obrigatória em todas as escolas de samba. O segmento é uma justa homenagem à Hilária Batista Almeida, a Tia Ciata. Ela escondia e defendia os sambistas, promovia festas em seu terreiro, alimentava e benzia os foliões que brincavam carnaval. Foi uma verdadeira guardiã do samba e do que viriam a ser as escolas de samba. A ala de baianas não existe à toa; elas são as matriarcas das escolas de samba, são responsáveis por guardar e espalhar o axé a toda comunidade, tal como abrem os caminhos para seu povo seguir seu cortejo e contam a história da comunidade, guardando toda a ancestralidade. Por isso, o máximo respeito às mães do samba. Todo o cuidado é pouco quando se trata da fantasia das baianas para os desfiles das escolas de samba.

Mãe do samba. Autor: Osmar Filho

Assim como nas baianas, o matriarcado africano também está presente nas figuras das porta-bandeiras. As bandeiras, o símbolo maior da escola, são carregadas com energia ancestral acumulada na agremiação. Por isso, um dos papéis da porta-bandeira é distribuir essa energia, o axé, para a comunidade. Toda vez que a porta-bandeira dança e gira, assim como as baianas, espalha o axé a todos da comunidade. Além disso, toda a vez que a porta-bandeira ergue o pavilhão, ela assume a função de uma bússola, apontando o caminho a serem seguido sem esquecer das raízes. Assim, também cabe a ela cuidar para que a história da agremiação não seja esquecida, mantendo firmes as raízes, conduzindo a comunidade pelos novos caminhos. A função de cuidado não é só com o pavilhão, que representa a comunidade, mas também cuidar das pessoas que compõem a comunidade. Conhecer e participar da vida da comunidade é essencial na função de porta-bandeira. Assim como se torna uma bússola quando ergue o pavilhão, a dançarina também é um referencial para a comunidade, à medida em que as pessoas passam a se identificar com ela.

Com o cuidado, vem também a função de educar, e assim elas se tornam uma espécie de mãe da comunidade, protegendo poeticamente os filhos e filhas da comunidade nas barras de suas saias rodadas, seja nos eventos de ruas, seja nos rituais de comunhão ancestral nos terreiros ou nas quadras e nos desfiles. Como vemos, o papel da porta-bandeira vai muito além de só guardar e defender o pavilhão da escola, mas de cuidar e dar continuidade à sua história.

Quando lançamos um olhar afrocentrado às escolas de samba, vemos que o matriarcado está lá, preservado pela figura das mães baianas, pela figura das porta-bandeiras. Com isso, não podemos deixar de comentar que a despeito de tanta desvalorização sócio-racial, essas mulheres acham, na celebração de suas culturas pretas africanas e indígenas, a força para continuar brilhando e fazer suas filhas e seus filhos brilharem.
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Foto: Stéphanne Munnier | Arte: Vítor Melo/Carnavalize



Por Beatriz Freire
Revisão de Felipe Tinoco

Aos que pensam que só o sagrado tem elementos celestiais, saibam que nosso profano carnaval também tem anjos. Em especial, há um “dos Anjos” que empresta suas asas - que o ajudaram a alçar altos voos na carreira de bailarino - a crianças, jovens e adultos de todas as idades, para que possam sonhar - e realizar - juntos tantos desejos. Hoje, o Carnavalize conta brevemente, em forma de homenagem, a história de vida e carreira de um dos grandes nomes da cultura brasileira: Manoel dos Anjos Dionísio, o Mestre da arte de mestre-salas e porta-bandeiras, para comemorar os trinta anos de sua imensa contribuição aos casais à frente da escola que fundou.

Mestre Dionísio, o mineiro de Além Paraíba que chegou ao Rio de Janeiro ainda menino, aos oito anos, sempre demonstrou encanto pela dança. Apesar disso, ainda na juventude surgiu o impasse convencional da idade para escolher a estrada que a partir dali pavimentaria sua trajetória profissional. A carreira militar, da qual não era exatamente um entusiasta, foi escanteada por esse exímio jogador de futebol do São Cristóvão, dividido entre os gramados e a possibilidade de entregar-se ao ofício da dança. A escolha pelos palcos, aposentando as chuteiras, veio depois de uma conversa sincera com a mãe, quando expressou seu desejo de seguir essa carreira. O acolhimento da aquiescência materna, que soou como uma bênção para que pudesse fazer o que lhe alegrava, impulsionou a dedicação ao bailado. A opção, segundo o próprio Mestre, deu-se em razão de nunca ter gostado de trabalhar: “A dança, para mim, não é trabalho, é lazer. Quem diz que gosta de trabalhar está mentindo”, afirma, sempre bem-humorado.


Todo o vigor de Manoel Dionísio, bailarino de dança afro-brasileira, como faz questão de ressaltar. Foto: Acervo pessoal.

Aos dezenove anos, no ano de 1955, veio a formação como bailarino afro-brasileiro pelo Balé Folclórico Mercedes Baptista, criado pela inconfundível bailarina que gravou seu nome na história da dança brasileira e do carnaval. A amizade com a mestra, parceira de uma vida toda, foi tecida pelo sentimento de gratidão, a quem diz reconhecer tudo que conquistou. Ele esteve próximo de sua mentora até os últimos dias de vida dela, falecida em 2014. Dionísio é um dos tantos discípulos do seu legado na dança e faz questão de frisar que repassa aos alunos da escola tudo que aprendeu. "Só não sei fazer mais a quinta posição por causa da idade", brinca, ao se referir à posição da dança em que os dois pés juntos, um atrás do outro, em posições paralelas, apontam a sentidos contrários.

Nos festejos do momo, o Mestre desfilou como integrante do grupo capitaneado por Mercedes no Salgueiro, sua escola de coração, a partir de 1959, e estava presente na famosa ala do minueto do desfile campeão da agremiação sobre Xica da Silva, em 1963. Na carreira de bailarino, ganhou o mundo com a companhia. Morou na Alemanha por mais de uma década, e, no retorno ao Rio, dançou e atuou na remontagem da peça Orfeu da Conceição, dirigida por Haroldo Costa, no palco do Theatro Municipal, aos 58 anos de idade

A histórica ala do Minueto, do Acadêmicos do Salgueiro, de 1963, na qual o homenageado do texto desfilou. Foto: Reprodução Tantos Carnavais.
O envolvimento com a folia não garantiu apenas o cargo de bailarino em desfiles. Mestre Dionísio foi assistente técnico de carnaval da Riotur e porta-voz da Federação dos Blocos, investido no cargo de diretor social. Aliás, suas origens na festa estão profundamente atreladas a essas organizações, já que ele fundou o Império do Pavão dentro da sala da própria casa, na favela Pavão-Pavãozinho, tendo sido criada, como desdobramento do bloco em fusão com outras escolas, a agremiação Alegria da Zona Sul, pela qual é sempre saudado com carinho e respeito, principalmente pela velha-guarda.

Em 1989, os blocos, com problemas de balizas e porta-estandartes, contrataram os segundos casais de agremiações para seus desfiles. No carnaval seguinte, a ideia do Mestre para economizar dinheiro e formar novos responsáveis pelos estandartes se espalhou: cada comunidade deveria levar a ele dois casais de jovens para que pudesse ensaiá-los e acabar com o problema. Assim, tanto lapidaria balizas e porta-estandartes peritos na dança, barateando o custo com o "aluguel" dos segundos casais - o que seria suficiente para vestir mais desfilantes -, quanto estaria vinculando os guardiões aos seus berços, representando suas comunidades. Por sinal, era necessário que fossem dois casais, e não apenas um, justamente porque é possível que os corpos do par recém-formado não se identifiquem, que falte a eles o entrosamento indispensável a um casal; dessa forma, haveria uma alternativa de aproveitamento. Neste mesmo 17 de julho, em 1990, há exatos trinta anos, surgiu, assim, a Escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte. 

Edição de 07 de novembro de 1990 do Jornal O Globo. Foto: Acervo O Globo.
Na casa de ferreiro, o espeto nem sempre é de pau. O talento do Mestre se manifestou em seus herdeiros, como se orgulha ao falar da beleza do bailado da filha Magda durante o curto tempo que foi porta-bandeira. Hoje, os olhos orgulhosos do avô coruja se miram sobre Bárbara Dionísio, segunda porta-bandeira da Vila Isabel. "É lindo ver minha neta dançar na Avenida", confidenciou ele, ressaltando que não deixa que ela o veja nos ensaios de rua, para manter a discrição. No dia seguinte, faz os elogios e as recomendações, postura típica de um incentivador nato, confiante que todos sempre têm algo a mais para dar. "Eu não digo nada pra ela e também não estou falando só porque é minha neta, não, mas dança bem pra caramba". 

A generosidade não permite individualizar o conhecimento. Está sempre aberto a dividir informações (ele tem as mais encantadoras e preciosas, diga-se de passagem) e também as suas opiniões, como quando questionado sobre a posição dos casais nos desfiles atuais. Desde 2002, com a inovação proposta pelo diretor de carnaval Laíla, à época na Beija-Flor, e aceita por Selminha Sorriso e Claudinho, majoritariamente, os casais passaram a vir atrás das comissões de frente, logo na cabeça da escola. "Nada contra a modernidade, mas sou um eterno saudosista", abre a fala que tem na sequência argumentos mais do que convincentes aos ouvidos atentos à voz experiente. Segundo Mestre Dionísio, o casal deve vir à frente da bateria por uma simples questão: a batida do surdo de primeira está no pé do desfilante, com a pulsação já marcada, fator indispensável para o ritmo do casal. 

Edição de 07 de novembro de 1990 do Jornal O Globo. Foto: Acervo O Globo.
Ele ainda encara as comissões de frentes como as grandes adversárias dos casais de mestre-sala e porta-bandeira, principalmente após 2010, quando a apresentação da Unidos da Tijuca (É Segredo!, com as trocas de roupa em plena pista) revolucionaram e espetacularizaram o quesito: "Até 2010, o casal era esperado. Hoje, todo mundo espera a comissão de frente". Acrescenta: "lá na frente não se ouve o samba, está muito distante da bateria e, por isso, sempre digo para os mestre-salas e porta-bandeiras que eles têm que ter a coreografia e o samba na cabeça, caso dê algum problema". Quanto ao uso de coreografia, não oferece nenhuma resistência, mas com algumas condições, sendo duas as principais: coreógrafo não pode mudar o tipo de dança do mestre-sala nem da porta-bandeira, e o casal pode fazer sua coreografia à vontade, desde que feche com o tradicional.

O carinho e a cordialidade fazem de Seu Dionísio um colecionador de bons amigos por onde passa. Dentre eles, carrega com alegria e saudades o companheirismo do ilustre Delegado, o maior mestre-sala da história do carnaval, com quem teve a honra de trocar palavras a partir de 2009, na Mangueira, quando o Mestre era o apresentador de Marquinhos e Giovanna, defensores do pavilhão verde e rosa naquele momento. A partir do encontro, surgiu, junto com a amizade, o convite para que o histórico mestre-sala fosse conhecer a Escola. Por lá, Delegado seguiu passando às novas gerações todo o conhecimento que adquiriu com seu talento; da vida de Dionísio, só se despediu quando foi bailar para os astros ao lado de Neide, a eterna companheira de dança, no ano de 2012. Os dois bambas do riscado, aliás, tiveram suas histórias contadas no livro "Delegado e Dionísio: vidas em passos de arte", publicada pela Editora Hamma, com a autoria de Sérgio Gramático Júnior. 

A amizade de dois pilares da arte dos casais de mestre-sala e porta-bandeira: Delegado e Dionísio, respectivamente.
Foto: Sérgio Gramático Júnior.
O que nos trouxe a esse texto é a comemoração do aniversário de trinta anos da Escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte Manoel Dionísio que, apesar de ter sido idealizada por ele, só ganhou o nome do Mestre no ano de 2012. Nada mais justo. Até aqui, são incontáveis talentos sendo revelados pelo projeto gratuito que ministra aulas aos sábados, para crianças, jovens e adultos. Há também turmas para pessoas com deficiência. Lú Rufino é a primeira porta-bandeira cadeirante da escola e defende o pavilhão da Embaixadores da Alegria, escola que abre os festejos do Sábado das Campeãs na Sapucaí. A ideia é que mais duas porta-bandeiras se juntem a ela quando as aulas retornarem. Seu Dionísio se orgulha de todos que por lá passaram, famosos ou anônimos, desde a aluna mais nova, com dois aninhos, à mais vivida, com sessenta e seis, no que ele diz ser a melhor idade.

A escola já teve diversos endereços, como a Rua Regente Feijó, onde tudo começou, o setor 02 da Marquês de Sapucaí e o Centro de Cultura Calouste Gualbekian, no qual está instalada atualmente desde 2018, na Praça XI. A equipe conta com instrutores especializados, diretamente relacionados ao universo dos casais e da dança, pedagogos, psicólogos e preparadores físicos, entre outros colaboradores. O aproveitamento das turmas rende mestre-salas e porta-bandeiras que dançam em escolas do Grupo E ao Especial. Todos os alunos de 1991 a 2009 brilham nas grandes agremiações cariocas hoje, e novas gerações vêm sendo treinadas. "A casa começa de baixo pra cima, do Grupo E ao Grupo Especial. Tem que haver respeito com os casais da Intendente Magalhães, os presidentes também têm que ter carinho com os segundos casais". O caminho é longo e exige muito trabalho. Na Sapucaí, a Escola do Mestre Dionísio exportou talentos para quase todas as escolas.

Na Vila Isabel, além de sua neta, Marcinho e Cristiane Caldas, o primeiro casal da agremiação, também foram alunos do projeto. Marcinho Siqueira chegou à escola do Mestre em 2005, encaminhado pelo desejo da mãe. Por lá, encontrou o acolhimento do histórico mestre-sala Peninha, e depois de Claudinho, da Beija-Flor, com quem aprendeu boa parte do que sabe: “Eu acho muito importante existir de fato um lugar para essa arte ser disseminada. Hoje a gente acaba aprendendo com a ajuda dos vídeos, mas ter contato com a arte, com alguém que dança ou já dançou e sentiu na pele o que é carregar um pavilhão na avenida é muito importante”. Tanta riqueza de conhecimento germinou a vontade de Marcinho contribuir ainda mais com a preservação da dança do casal, seguindo o passo de seus mestres: “Ainda não acho que estou nesse nível, mas um dia eu acho que vou chegar ao nível de passar o que eu tenho de conhecimento e experiência. Eu tenho, com certeza, essa pretensão de, quando ficar mais velho, não deixar essa arte morrer. Ela é muito linda e eu sou apaixonado por ela. Apesar de não ser uma intenção minha desde o início ser mestre-sala - eu me tornei por causa da minha mãe-, hoje em dia não me vejo fazendo outra coisa”.

Matéria do Jornal O Globo, em outubro de 2006. À época, Marcinho tinha 13 anos de idade, dando os primeiros riscados na carreira de mestre-sala. Foto: Acervo O Globo.
Cris chegou ainda criança ao projeto: "Se hoje eu sou uma porta-bandeira, eu devo ao Dionísio, porque eu comecei bem novinha lá. Ele foi meu instrutor, assim como tive outros, como a Soninha, a Irene (porta-bandeiras de sucesso)... eu sou muito grata, costumo dizer que com dois meses de projeto eu já tinha duas escolas e dali eu fui chegar ao Especial, quando fui Estandarte de Ouro pela Paraíso do Tuiuti, em 2001. Eu era bem nova, sei que hoje ele está muito feliz por eu estar na Vila e eu também fico muito feliz por isso. Tenho muito carinho e gratidão eterna por ele. Minha madrinha, a Terezinha, trabalhou com ele, foi secretária do projeto por mais de dez anos, então temos um ligação bem legal. Esse projeto não pode acabar e para o que ele precisar, pode contar comigo. Ele me chamava de fio desencapado, o restinho da minha infância e a minha adolescência toda foram dentro do projeto. Fiz muitas amizades que levo até hoje pra minha vida".

A porta-bandeira Cris Caldas, no ano do seu Estandarte de Ouro, em 2001, pela Paraíso do Tuiuti. Hoje, ela e Marcinho, também ex-aluno da Escola de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, são o primeiro casal da Vila Isabel. Foto: Liesa/Tantos Carnavais.

Cintya Santos, hoje primeira porta-bandeira da Porto da Pedra, não é a única da família a ter ligações com Seu Dionísio: "A minha trajetória no mundo do samba o senhor Manoel Dionísio acompanha desde quando eu era criança, ele era amigo da minha falecida avó Dina, também porta-bandeira. No ano de 2000, a minha avó me aconselhou a frequentar a escola do senhor Manoel Dionísio, foi a partir daí que eu comecei a conhecer o carnaval do Rio, as escolas de samba, e aprimorar a minha dança. Sou muito grata a ele pela porta-bandeira que me tornei, principalmente pelos conselhos que ele me deu e pelas palavras de carinho comigo. Hoje, a escola completa mais um ano de existência e só quero pedir a Deus que continue dando muita saúde para que ele forme muitos outros casais. Obrigada, meu amigo, seu Manoel Dionísio!".


Cintya Santos, porta-bandeira da Porto da Pedra, é a terceira geração de uma família de defensoras de pavilhões, e também foi aluna do Mestre Dionísio. Foto: Nobres Casais.

Como todo processo de aprendizagem é uma via de mão-dupla, o Mestre reconhece que também adquiriu muito conhecimento ao longo dessas três décadas. Ao idealizar o projeto, tratou de se inscrever em um curso de relacionamento pessoal e interpessoal, já que sabia que ia lidar com as mais diversas personalidades de colaboradores e alunos. Agradece, inclusive, por não ter problema com ninguém: "Eu brigo mas no segundo sábado de dezembro (data da confraternização) beijo e abraço todos. Quando chega maio, recomeça tudo e volto a brigar, mas para o benefício deles. Me perguntam: 'tá bom?' E eu digo: 'tá quase bom', para que possam sempre melhorar".

O Dossiê Matrizes do Samba tem o nome de Manoel Dionísio como integrante da lista de depositários reconhecidos da tradição, o que é uma honra para ele, referência do bailado do mestre-sala e da porta-bandeira. Faz questão de ensinar também a teoria, não só a prática, para não deixar a dança do casal terminar. A receita do sucesso, de acordo com Mestre, foi ter procurado informações preciosas com figuras do mais alto gabarito, todas pessoas amigas: Neide, Mocinha, Vilma Nascimento, Dodô da Portela - sua madrinha no samba -, Élcio PV, Maria Helena e Chiquinho. Nunca se acomodou com o conhecimento que adquiriu ao longo da vida e fez mais de quatro "reciclagens" para se atualizar sobre o bailado dos casais, buscando o aperfeiçoamento para se manter como referência. Frisa que busca ensinar exatamente do jeito que aprendeu, metodologia deixada por Mercedes em sua vida.

A dança do casal teve três pilares de difusão do conhecimento: Seu Mansur, percursor da Mangueira; Delegado, o mestre-sala que por 36 anos vestiu as cores verde e rosa; e, hoje, Mestre Dionísio, que deseja que todo seu conhecimento seja passado adiante: "É um legado".

Os olhares aprendizes atentos aos ensinamentos do Mestre. Foto: Folia do Samba.
A apresentação de si mesmo tem uma riqueza (e modéstia característica de algumas das grandes personalidades de um ramo) resguardada sobre as palavras simples e tranquilas de quem já viveu grandes momentos e não tem medo de nada: "Um negro de 1,86m, 83 anos, que tem quatro netas, quatro netos e dois bisnetos. Uma pessoa justa, que gosta das coisas certas, e quem me ensinou isso foi Angélica Maria da Conceição, minha mãe. Depois que fui para a parte artística, dou o mesmo tratamento que Mercedes dava a todos os alunos; ensino com paciência mas não quero indisciplina". Os 83 anos de vida, que ganham mais uma unidade no próximo dia 04 de agosto, não freiam seus sonhos, sempre protegidos por São Francisco de Assis, o santo de devoção: "O meu sonho é que Deus me dê vida e saúde para ser difusor do segmento, do samba e do carnaval. Quero agradecer o respeito e carinho que têm por mim. Foi muito difícil, mas nada tirou meu ânimo".

A EMSPBPE Manoel Dionísio encontra-se com as atividades temporariamente paralisadas em virtude da pandemia do coronavírus. Para garantir o retorno das atividades em um momento seguro e oportuno, a escola lançou um financiamento coletivo. A contribuição é bem-vinda da forma que for possível para cada um, seja doando ou divulgando a campanha. Para mais informações, clique aqui.

Todas as preciosas informações foram recolhidas em um fluxo de muitas conversas, principalmente por telefone, em um contato pelo qual Mestre dividiu sua história em mais de 1h30min de ligação. No término da chamada inesquecível, agradeci. Fui gentilmente interrompida para dizer que não tinha pelo que agradecer, frase seguida dos mais doces e simpáticos elogios e palavras de afeto. Mestre Dionísio, o samba se curva à sua trajetória e o reverencia com aplausos incansáveis. Para encerrar, ele deixa um recado: "Se vocês não me entenderam, procurem me compreender". Que venham mais 30 anos de compreensão dessa arte!


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