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Carnavalize

 


Texto: Talitha Dejesus 

Oxum: a orixá das águas doces é a deusa do amor, da beleza, fertilidade, ternura e riqueza. Representa sensibilidade, delicadeza e paixão para motivar a essência da vida. É ela a responsável por nos acolher durante as tempestades emocionais, nos tranquilizando e orientando os caminhos a seguir.

Mas qual a relação de Oxum com as escolas de samba? Todos sabemos da influência dos negros e das religiões de matrizes africanas no carnaval que conhecemos hoje, e não por acaso, enredos com temáticas sobre a negritude são recorrentes na nossa folia. E, graças a Oxalá, porque a gente adora um enredo afro, né?

Seja em São Paulo ou no Rio de Janeiro, é quase certo que todo ano vai haver a presença de um orixá nos enredos e consequentemente nos sambas. Por isso, listamos enredos paulistanos recentes que trouxeram Oxum à Avenida. Bora relembrar? Ora yê yê ô Oxum!

 
Nenê de Vila Matilde - 2006 


O abre-alas da escola daquele carnaval. Foto: Keiny Andrade/Folha Imagens.

O enredo deste ano, “Mamma Bahia - Ópera Negra, Lídia de Oxum’’, foi inspirado na ópera que foi apresentada em 1994, na Bahia. É considerada a primeira montagem de uma ópera afro-brasileira e uma demonstração de força do povo negro, visto que o gênero musical, em sua maioria, é elitista e muitas vezes inacessível. O enredo é incrível, e apesar do triste desfile, a Nenê contava com um dos melhores sambas do ano.
 

X9 Paulistana - 2015

Alegoria da escola representando Oxum! Foto: Reprodução/Grito de Carnaval.

Após uma tempestade que prejudicou algumas escolas no Carnaval de 2014, a X9 Paulistana decidiu exaltar a chuva no enredo do ano seguinte. No desfile, o destaque ficou para o icônico intérprete Royce do Cavaco cantando o enredo ‘’Sambando na Chuva, num Pé D’Água ou na Garoa. Sou a X-9 numa Boa’’, que transitava por tudo ligado a chuva, como por exemplo, cigarras, o dilúvio bíblico e a Arca de Noé, chuva de arroz em casamentos e a importância da água no mundo, em um momento em que São Paulo passava por uma crise hídrica. Além disso, a escola trouxe os orixás ligados à água. E lá estava Oxum…


Camisa Verde e Branco - 2016

Ivi Pizzott, rainha de bateria do Camisa Verde e Branco em 2016. Foto: Léo Franco/AGNews.

Nem só de Grupo Especial vive Oxum. Em 2016, ela passou pelo grupo de Acesso com o Camisa Verde e Branco. O enredo ‘’Nas águas sagradas de Oxum, Iemanjá e Oxalá, Camisa Verde dá um banho de alegria!” contava a história do banho desde as antigas civilizações até sua presença no dia a dia e também a relação dos Orixás com as águas. 


Vai-Vai - 2017

Comissão de frente da Vai-Vai. Oxum era a orixá de Mãe Menininha. Foto: Reprodução/ BOL Fotos.

“No Xirê do Anhembi, a Oxum mais bonita surgiu…Menininha, mãe da Bahia – Ialorixá do Brasil” foi o enredo do Vai-Vai para 2017, homenageando um dos nomes mais importantes do candomblé no Brasil. Dessa vez, Oxum apareceu por ser a orixá da cabeça da ialorixá. Empolgando as arquibancadas como sempre, as alas e alegorias da escola representaram os elementos da natureza e sua ligação com os orixás. A homenagem a Oxum veio na comissão de frente e também no último setor que retratava a água. 


Colorado do Brás - 2018

A porta-bandeira da Colorado do Brás no ensaio técnico da escola. Foto: Felipe Araujo.


Após 25 anos fora do Grupo Especial, a Colorado do Brás voltou à elite paulistana com o enredo ‘’Axé, Caminhos que levam a fé.’’. O tema abordava a cultura do Candomblé desde a criação do mundo por meio de suas tradições aos ensinamentos dos orixás. Junto com o desfile, um pedido de bênçãos e paz no que a escola chamou de ‘’banho de Axé’’. Não poderia faltar Oxum, evidentemente!


Mancha Verde - 2019

Oxum da abertura da campeã Mancha Verde de SP!. Foto: Fábio Tito/G1.

Consagrando-se campeã do Carnaval de São Paulo pela 1ª vez, a escola de samba Mancha Verde contou a história de Aqualtune. "Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra", desenvolvido pelo consagrado Jorge Freitas, retratou a vida da negra que nasceu princesa no Congo e foi trazida ao Brasil para ser escravizada. Oxum veio representada na comissão de frente ao lado de Xangô e de guerreiros guardiões que celebraram a chegada da herdeira ainda no Congo.


Mocidade Alegre - 2020 

Representação de Oxum na alegoria da Mocidade Alegre no último carnaval. Foto: Magaiver Fernandes.

“Do Canto das Yabás, Renasce uma Nova Morada” trouxe uma celebração à vida e à natureza através das orixás femininas do panteão afro-brasileira de tradição nagô-iorubá. O desfile emocionou a comunidade e o público presente no Anhembi e marcou um momento de transição da Mocidade. O enredo exaltou a força e o poder feminino por meio das yabás como Iemanjá, Obá, Nanã, Ewá e nossa estrela do texto de hoje, Oxum.






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Texto: Juliana Yamamoto
Revisão: Luise Campos


No mês de outubro, mergulhamos na folia paulistana, conhecendo suas características e identidade que se expressam nos desfiles das escolas de samba que vemos atualmente. Passeamos pela origem dos cordões carnavalescos com Camisa Verde e Branco e Vai-Vai, compreendemos a influência das festas do interior nos sons da bateria e dos sambas-enredo, entendemos como se construiu a estética visual dos desfiles e, para encerrar a série Raízes da Garoa, abordaremos as peculiaridades que envolvem a dança no carnaval paulistano, mais precisamente os quesitos de mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente. 

Como já citado no nosso primeiro texto, no qual abordamos a origem da festa em São Paulo, antes do surgimento das escolas, os primeiros agrupamentos carnavalescos foram os cordões. Neles, a figura que mais se “aproximava” da formação de mestre-sala e porta-bandeira como conhecemos hoje era a porta-estandarte e o baliza. O estandarte era uma espécie de “bandeira” que representava e identificava o cordão que estava se apresentando. Como era muito comum a prática da captura ou destruição do estandarte adversário por integrantes de outros cordões, existia a figura do baliza, que tinha como função proteger e defender este símbolo. Com o passar dos anos e o surgimento das escolas de samba, com a devida oficialização dos desfiles em 1967 pelo prefeito José Vicente Faria Lima, iniciou-se um processo de padronização inspirado nos desfiles cariocas, fazendo com que os cordões fossem extintos e alguns elementos que eram presentes nesses grupos tiveram que ser adaptados, surgindo assim o casal de mestre-sala e porta-bandeira.



Casal de mestre-sala e porta-bandeira dançando no Anhangabaú em 1973. (Foto: Eder Chiodetto - Folhapress)

Assim como os sambas-enredo e baterias que receberam forte influência das festas do interior do Estado, a dança também adquiriu características desses folguedos populares. Considerados como os ancestrais do samba paulistano, o samba de bumbo (de Pirapora) e o samba-lenço (caipira), eram manifestações presentes nas festas e caracterizavam muito a dança dos seus integrantes, que seriam vistas posteriormente nos cordões carnavalescos e, em seguida, nas escolas de samba. As danças, naquela época, guardavam traços que se aproximavam do jongo e do batuque. A influência dessas manifestações populares foi tão forte que influenciou na dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira e criou algumas peculiaridades. Apesar de a função ser a mesma, ou seja, a de carregarem o símbolo maior de uma agremiação com os devidos movimentos obrigatórios, a dança do mestre-sala do Rio de Janeiro está muito relacionada aos arquétipos do boêmio e do malandro. Já em São Paulo está ligada à figura do caipira e da roça, remetendo ao estilo peculiar de dança que se fazia em Pirapora e em outras cidades rurais. Isso influencia no famoso riscado (jogo de pernas) do mestre-sala e sua característica ao bailar. Já em relação as porta-bandeiras, pode-se perceber uma maior influência do estilo europeu na Terra da Garoa. No Rio, as danças negras tiveram um peso muito forte no bailado. 


Uma criança de 9 anos imitando os movimentos de mestre-sala no intervalo dos desfiles das escolas na Avenida Tiradentes em 1988. (Foto: Sergio Tomisaki - Folhapress)

Não é só na origem que há peculiaridades envolvendo a dança do mestre-sala e porta-bandeira em São Paulo. Há alguns pontos que valem a nossa atenção e que, às vezes, passam despercebidos por nossos olhos. Na Terra da Garoa, além do pavilhão oficial que o primeiro casal carrega, há o pavilhão de enredo. Nele há o logotipo do enredo (tema) que a escola apresentará na Avenida. Além disso, os outros pavilhões não precisam necessariamente serem iguais ao oficial, podendo ser os antigos da agremiação ou até mesmo apresentar cores diferentes. Outro fato curioso é que em terras paulistanas há o costume de se chamar o maior símbolo de uma agremiação de pavilhão, enquanto no Rio de Janeiro intitula-se apenas bandeira. Por fim, o tradicional movimento que grande parte das porta-bandeiras fazem nos ensaios de quadra ou até mesmo nos desfiles, o de se curvar e abaixar seu corpo, é proibido em São Paulo. Caso realizem esse movimento durante a apresentação para os jurados, possivelmente serão perdidos décimos. Isso não é permitido porque a porta-bandeira é vista como uma grande “rainha” e, por ostentar o maior símbolo, não pode se curvar perante os demais. Além desse ponto, o julgamento do quesito é avaliado da seguinte forma: entrosamento (integração do casal), postura do casal (a forma de conduzir e apresentar o pavilhão) e integridade das fantasias (verificar se a indumentária está totalmente completa, sem tecidos rasgados ou adereços quebrados). O julgamento é muito objetivo e o casal precisa evoluir por toda pista, sem parar em frente à cabine julgadora como no Rio. Assim, o jurado avaliará até onde seu campo de visão permitir. 


Passistas da Unidos do Peruche no carnaval de 1974. (Foto: Folhapress)

Já a comissão de frente tem como principal função apresentar a escola e saudar o público durante o desfile. Por muitos anos, essa “ala” não apresentava coreografias e grandes fantasias, porém com a modernização dos desfiles, esse quesito se modificou. Em São Paulo, a partir da década de 1990, ele passou a incorporar características típicas do teatro e balé, recebendo forte influência das escolas cariocas. A Imperatriz Leopoldinense, em 1979, e posteriormente a Mocidade Independente de Padre Miguel, em 1991, foram as primeiras a mudar a apresentação tradicional da comissão de frente. O resultado deu tão certo que a ideia aos poucos foi sendo introduzida no carnaval paulistano. Algumas agremiações, nos primeiros anos, resistiram e foram resistentes à ideia de trazer a ala coreografada. Porém, com as sucessivas notas baixas, acabaram se adequando ao novo “padrão”. 

Esse quesito não possui tantas diferenças na dança com relação às agremiações do Rio de Janeiro. Na verdade, o que mais se distingue é o julgamento e a evolução da ala durante o desfile da escola. Enquanto em terras cariocas a comissão se apresenta durante 1 a 2 minutos em frente à cabine julgadora, na Terra da Garoa, a ala evolui por toda a Avenida. Além disso, por não pararem em determinados momentos do desfile, a comissão em São Paulo acaba tendo um impacto menor no público que no Rio. Já tivemos vários casos na Cidade Maravilhosa em que o quesito impressionou e encantou a plateia a ponto de ser o fator principal para que determinada escola alcançasse um grande desfile. O caso da Unidos da Tijuca em 2010 é um dos mais emblemáticos. Como isso não é comum em São Paulo, também acaba influenciando no pouco uso de efeitos especiais nas fantasias dos componentes ou tripés das comissões paulistanas. Já em relação à avaliação, são observados 3 pontos: fundamento (a ala precisa realizar sua função durante o desfile: saudar o público, apresentar a escola e manter a ligação com o cortejo), plástica artística (qualidade visual da apresentação e sua criatividade) e acabamento (integridade das fantasias, adereços e elementos cenográficos de acordo com o que foi apresentado na pasta para os jurados). 

E chegamos ao fim do nosso desfile! A série Raízes da Garoa sobrevoou um pouco o carnaval paulistano, do Vale do Anhangabaú até o Sambódromo do Anhembi, fazendo com que conhecêssemos um pouco da origem da folia na cidade e o surgimento das escolas de samba. Há muitas peculiaridades que envolvem essa grande festa popular, com sua identidade própria e única e características singulares. Desde que os desfiles começaram oficialmente, as agremiações se reinventaram, evoluíram e se modernizaram. O último texto da série finaliza mostrando que até os quesitos de dança possuem suas diferenças. O carnaval paulistano a cada ano mostra a grandeza que possui e a sua importância para a cidade. Continue nos acompanhando e carnavalize conosco!



Referências Bibliográficas:


http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/temas/sao-paulo/cultura-e-folclore-paulista-dancas-e-folguedos.php

http://g1.globo.com/Carnaval2007/0,,AA1458030-8037,00-CARNAVAL+PONTE+AEREA+OS+DIFERENTES+RITMOS+DO+RJ+E+SP.html

https://www.31rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjIzNTIiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiZTg1NGQ3MjM3YTk2ZGRiMThmZDdjMWE1OWRmYmYwYTYiO30%3D

https://sasp.com.br/wp-content/uploads/2020/02/ManualdoJulgadorOFICIAL_2020.pdf

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Da%20oficializa%C3%A7%C3%A3o%20ao%20samb%C3%B3dromo.pdf




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Texto: Bernardo Pilotto

Hoje é aniversário de 59 anos da G.R.E.S. São Clemente. Fundada em 1961, ela é uma escola tradicional da Zona Sul, especialmente do bairro de Botafogo e do Morro Santa Marta. A escola se aproxima dos seus 60 anos no melhor período de sua trajetória: desde 2011, vem desfilando no Grupo Especial, na mais longa presença da agremiação em sequência na elite do carnaval carioca. 

A São Clemente foi fundada a partir de um time de futebol, que primeiro originou um bloco de carnaval e depois transformou-se em escola de samba. A ligação com o futebol não ficou só por aí: suas cores (amarelo e preto) foram escolhidas em homenagem ao Peñarol, um dos mais tradicionais times de futebol da América do Sul. 

Na época de sua fundação, Botafogo era um bairro bastante boêmio, com vários blocos de carnaval, rodas de samba e outras manifestações culturais. É o bairro em que moraram grandes sambistas, como Paulinho da Viola, Walter Alfaiate, Mauro Duarte, Niltinho Tristeza, Zorba Devagar, Mical e Jovelina Pérola Negra. 

Nos anos 1980, a escola ganhou destaque com seus enredos críticos e politizados, chegando a ficar conhecida como a "PT do samba". Naquele momento, isso era o equivalente a dizer que a escola priorizava uma crítica a situação social do país, mesmo que isso lhe custasse a chance de título, patrocínios (que começavam a surgir com força) e até a própria permanência no Grupo Especial.

E os enredos da São Clemente naquele período eram quase que como setoriais de um partido de esquerda. Em 1985, o samba foi “Quem casa quer casa“, sobre as demandas por moradia, e a escola acabou sendo rebaixada; em 1986, o tema foi saúde (“Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são“) e a escola conseguiu novamente subir para o Grupo Especial; em 1987, o tema foram os meninos de rua, no emocionante “Capitães de Asfalto“, e a escola ficou em 10º lugar, permanecendo na elite do samba; em 1988 o tema foram as lutas sociais de modo geral em “Quem Aviso Amigo É” e a escola novamente ficou em 10º lugar; em 1989 a crítica veio firme contra os espoliadores do país, nacionais ou estrangeiros, em “Made in Brazil, yes nós temos banana” e a escola se segurou no Grupo Especial com a 13ª colocação; já em 1990, a escola conquistou sua melhor colocação da história, arrancando um 6º lugar com “E o Samba Sambou…“, em uma análise de desaprovação ao processo de mercantilização do carnaval.  

Esses sambas impressionam pela potência e pela vanguarda de suas críticas. A escola, por exemplo, falou de temas que ainda nem eram considerados direitos sociais e amplamente discutidos, com alguns que desfiles foram feitos antes mesmo da Constituição de 1988. Em 1986, a agremiação falou que a Nova República daria um “fim no Delfim”, que havia sido o ministro da economia mais identificado com os militares. O samba de 1987 é incrivelmente antenado com a luta contra a redução da maioridade penal (antes mesmo do surgimento do ECA) e em 1990 a escola parece adota um tom profético ao futuro de ainda mais mercantilização dos desfiles.  

Após esse período de críticas, a escola seguiu o tom geral do carnaval, com desfiles mais "técnicos". Coincidentemente ou não com a trajetória do PT, que novamente encontra-se na oposição, na atual conjuntura a escola vem tentando retomar seus desfiles irreverentes e assertivos.  

Desde 2011 no Especial, a preto e amarela já teve como seu carnavalescos Fábio Ricardo e Rosa Magalhães. A surpreendente parceria com a professora gerou três bons desfiles da trajetória da agremiação, dentre eles a inesquecível homenagem a Fernando Pamplona, em 2015. Em 2019, com a reedição do enredo de 1990, agradou bastante o público presente na Sapucaí. Numa segunda-feira em que todos esperavam ansiosamente pelo desfile da Mangueira, a São Clemente conseguiu arrancar atenção e simpatia da plateia. Em 2020, ainda com Jorge Silveira, isso se repetiu com o enredo “O Conto do Vigário”. 

Para o próximo carnaval, após a troca de seu carnavalesco, a escola anunciou o enredo “Ubuntu”.  


 

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A coluna #ColabLize é um espaço aberto a seguidores do Carnavalize e pesquisadores de carnaval para divulgar seus escritos sobre nossa folia. Quer enviar algum texto que verse sobre a festa? Mande para nós no e-mail contato@carnavalize.com. A #ColabLize vai ao ar quinzenalmente, sempre aos sábados!


Texto: Anderson Ferreira


Certamente o título causa uma estranheza numa primeira leitura, mas essa miscelânea de referências é comum nos desfiles das escolas de samba.

Mesmo com as incertezas que pairam o próximo carnaval, já podemos observar que os enredos considerados “afro” serão, além de maioria, os destaques da festa. Esse fato gera uma emoção no mundo do samba, sobretudo porque (1) os temas trazem discussões importantes para o nosso tempo, (2) tocam no coração do componente e (3) possuem o costume de conceber bons sambas. Por outro lado, eles também estimulam uma preocupação: de que forma as pessoas negras, as culturas africanas e afro-brasileiras serão tratadas na avenida? 

Digo isso porque a possibilidade de algum enredo cair no lugar comum é grande. Acostumou-se a relacionar pessoas negras aos mesmos signos, sobretudo as tradições Yorubás. A Grande Rio no carnaval de 2020 fora uma exceção. A pesquisa de Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinicius Natal referencia os diversos povos que matizaram as culturas afro-brasileiras e afro-indígenas e que baixavam no culto de Joãosinho da Goméia. Diferente, por exemplo, da Imperatriz Leopoldinense no ano de 2015, que fez um belíssimo desfile intitulado “Axé-Nkenda”, propondo um diálogo de alguns símbolos esteticamente já conhecidos como movimentos artísticos da África contemporânea ou “África pop”, mas que infelizmente, na mistura, foram além. Sendo Nelson Mandela o fio condutor, grande líder sul-africano, de uma região onde se destacam os povos Xhosa e Zulu, ficou confusa a presença de elementos como a capoeira, o acarajé e a orixá Oyá, do panteão iorubano. Perdeu-se uma bela oportunidade de focalizar em culturas africanas tão pouco evidenciadas e discutidas nas escolas, nas galerias de arte e rodas de conversas. Esse também pode ser o fato pelo qual há uma pequena manifestação negativa quando um enredo “afro” é lançado. 

Algumas pessoas comentam nas redes sociais: “afro de novo”, “macumba de novo”, etc. É importante ressaltar que os elementos chamados de forma pejorativa e racista de “macumba” são os pilares das escolas de samba, ou seja: quanto mais macumba, melhor. E também é mais positiva a repetição desses enredos que tratam sempre do panteão iorubano do que as temáticas brancas, europeias e patrocinadas as quais já protagonizaram desfiles não tão legais. Porém, é compreensível esse tipo de comentário quando pensamos nos mesmos personagens que conduzem as narrativas “afro”, causando em inúmeros casos um esvaziamento de sentidos. É sabido que as escolas possuem seus padroeiros, mas quantas vezes Oxum e Oyá não ficaram perdidas em um enredo? E Ogum e Oxóssi que desfilaram ao lado de pessoas que talvez fossem suas inimigas? Ou uma saudação a uma entidade só para completar a rima do samba? Faz-se necessário empretecer algumas coisas:

1. Não existe uma “cultura africana” ou o país África. Existem culturas de povos do continente africano. Existem muitas Áfricas, como bem lembrou a Beija Flor em 2007. Assim como no Brasil temos algumas semelhanças por sermos brasileiros e brasileiras, mas não podemos dizer que uma pessoa do sul do país pratica as mesmas manifestações culturais de alguém do norte. O mesmo deve ser entendido ao tratar do continente africano. 

2. Também devemos observar isso com as culturas afro-brasileiras. Pode haver símbolos que se conectam nos cultos praticados na diáspora, mas não é tudo a mesma coisa. Nesse contexto eu gosto de usar o exemplo da Portela em 2020 ao tratar dos indígenas da etnia tupinambá e sua forte presença na formação da cidade do Rio de Janeiro. A agremiação apresentou o recorte muito bem definido. A carnavalesca Márcia Lage em suas entrevistas sempre pontuava que a referência estética utilizada na plástica era toda tupinambá, diferente da forma genérica que já vimos muitos enredos de temáticas indígenas passarem na avenida. 

3. Não é porque a pessoa é negra que automaticamente ela é filha de um orixá. Ela pode ser praticante do candomblé de Angola e filha de um Nkisi, entidades das culturas banto (Congo/Angola), como nos ensinou o carnaval da Ilha do Governador em 2017 ou a Beija-Flor em 2001 com Agotime e o Voduns do Candomblé Jejê. 

4. As pessoas negras também podem não ter relação com nenhuma religião de matrizes africanas. O que nos revela uma das faces do racismo no Brasil, mas que também não pode ser uma regra ter um cargo dentro do candomblé. Talvez o Salgueiro, em 2020, não soubera desenvolver o enredo sobre o Benjamin de Oliveira porque o palhaço não era uma pessoa negra esperada pelo censo comum.

É interessante a justificativa de que no mundo carnavalesco ou carnavalizado tudo pode. Os diferentes podem se encontrar na avenida. Mas até que ponto não estamos perpetuando alguns estereótipos? Será que isso nos evidencia um olhar embraquecido através do qual “negros” são todos iguais? Uma ótica colonizadora que coloca todas as culturas em um mesmo barco? 

Precisamos matizar o que caracteriza um enredo ser “afro”. Outro dia li um texto no Carnavalize sobre os toques das baterias de algumas agremiações e olha que interessante: dos mesmos tambores ressoam toques diferentes. E os sons desses tambores ressoam em outras manifestações afro-brasileiras não somente nos desfiles das escolas de samba. Ou seja, corpos negros (tambores) produzem conhecimentos de outros tipos e lutam para estarem presentes em outros e mais lugares. Não seria o momento de expressar isso também nas pesquisas, nas letras e nos elementos plástico-visuais? Uma possível resposta que gera outra pergunta: não seria o momento das (os) artistas negras (os) estarem à frente de algum projeto para que o pensamento seja empretecido de fato? Isso pode e deve fomentar outros textos.




Portelense apaixonado pelo carnaval, Anderson Ferreira é ator, pesquisador, figurinista e contador de histórias. Mestrando em Artes da Cena pelo Programa de Pós-graduação em Artes da UFMG pesquisa as relações entre manifestações performativas afro-brasileiras, principalmente os Teatros Negros e os Desfiles de Escola de Samba. Recentemente criou a @quesitofantasia, na qual registra, com textos e imagens, algumas das indumentárias que já passaram pela Sapucaí.


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Texto: Eryck Quirino
Revisão: Felipe Tinoco


Um dos quesitos fundamentais aos desfiles das escolas de samba, a bateria é comumente vestida para estar dentro da representação temática dos desfiles. Por conta das particularidades desse segmento, várias polêmicas já se instauraram ao entorno de seus figurinos. São muitas histórias e foi um trabalho difícil de decidir por apenas 7 fantasias que apareceriam por aqui! Com a ajuda de alguns amigos ritmistas, conseguimos chegar a uma decisão. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca passou perrengue com fantasia! BORA!


Mangueira 2009 – Cavalheiros do Divino

Os integrantes da bateria da Mangueira vestidos de Cavalheiros do Divino. Foto: Ricardo Almeida.

A bateria da Mangueira veio representando o Cavalheiros do Divino e a fantasia, muito quente, causou alguns problemas para os ritmistas naquele ano. Relatos dizem que "o problema não era o tamanho, mas sim a grossura do pano que esquentava demais. Tivemos muitos desmaios no recuo do desfile daquele ano". Ainda assim, a bateria seguiu seu rumo e conseguiu terminar bem sua apresentação naquele carnaval em que os quesitos de chão foram decisivos para uma boa colocação da verde e rosa. 


Mocidade 2011 – Faunos/Sátiros


E por falar em polêmicas, é essa a fantasia que inspirou o tema do 7x1 dessa semana! Nada menos porque... quem aqui escreve desfila na bateria Não Existe Mais Quente e passou um momento delicado nesse ano! O carnavalesco Cid Carvalho desenvolveu o enredo “Parábola dos divinos semeadores”, e resolveu trazer a bateria de Fauno. É isso mesmo: aquele ser metade homem, metade cavalo. O traje teve direito a casco e até salto plataforma, para fazer o efeito das patas da figura!

Os ritmistas de fauno posam com Antônia Fontenelle, então rainha de bateria da Mocidade. Foto: Reprodução/Flicker Carnaval.com Studios.

O desfile foi um dos mais animados daquele ano, mas a bateria cortou um dobrado por vários motivos: a calça de veludo abafava o som dos instrumentos menores como caixa e repique; o talabarte pinicava muito junto com a tinta dourada que foi usada na pintura do corpo, fazendo com que a maioria dos integrantes saísse toda cortada, levando quase uma semana para tirar toda aquela tinta fora; e toda dificuldade de desfilar tocando em cima de um salto plataforma de 13 centímetros... Com relatos de desmaios e quedas terminamos aquela saga que foi o desfile da Mocidade de 2011.

(Momento relato do autor: eu mesmo quase caí na saída do segundo recuo porque pisei em um adereço de fantasia que estava no chão e perdi o equilíbrio chegando no jurado. A sorte é que o meu pai, que era diretor na época, passava atrás de mim na hora e conseguiu me reequilibrar para que terminássemos o desfile sem problemas.)


Mocidade 2015 – Contagem Regressiva


Agora vamos para o ano de 2015, ainda na bateria Não Existe Mais Quente, aquela lá de Padre Miguel com os momentos que só o carnaval pode nos proporcionar. Coisas que ninguém pode explicar; simplesmente acontecem na hora. Os elementos dos desfiles podem dar super certo, como também podem propiciar falhas, como foi nessa ocasião. Os ritmistas vieram vestido de contagem regressiva: uma espécie de bomba relógio que fazia parte da proposta do enredo desenvolvido pelo carnavalesco Paulo Barros naquele ano. 

Contagem regressiva para o Fim do Mundo! Foto: Tata Barreto/Riotur.

Um grande relógio localizado na cabeça dos componentes marcaria o tempo de desfile de cada escola. Marcaria.... A bateria virou na Avenida Marquês de Sapucaí, os relógios estavam todos bem sincronizados, comandados por controle remoto por um rapaz da equipe do carnavalesco, em perfeito funcionamento, tudo ok. Foi só tocar a sirene para os relógios ganharem vida própria! Cada um marcou um tempo diferente do outro, diminuindo o efeito e sua surpresa.

Ah, não tem como esquecer que os instrumentos vinham com LED que piscavam conforme a batida, e, para isso, os ritmistas vieram com uma bateria nas costas pra sustentar a energia. Saímos da pista sem conseguir enxergar direito o entorno por conta da claridade durante 1:20 de desfile...


Salgueiro 2016 – Geni


No ano seguinte, em 2016 o Casal Lage trouxe a bateria Furiosa de mestre Marcão trajada de Geni, representando uma das principais travestis do místico universo brasileiro presente no musical "Ópera do Malandro", de Chico Buarque. Até aí tudo bem: há destaque aos figurinos leves para as baterias, que davam mais segurança pro mestre mostrar todas as cartas. Nesse ano, seria só mais um... 

Ritmista se diverte vestindo traje da importante personagem da Ópera dos Malandros do Sal. Foto: Raphael David/Riotur.

Mas o detalhe ficou por conta da maquiagem! Para representação fidedigna de Geni, os carnavalescos desenharam o figurino contando que os ritmistas viessem maquiados. Então, acabaram se vendo diante de um desafio quando os ritmistas questionaram se não tinha outra opção para desfilar. Foi a hora do pessoal do barracão se virar nos 30. Conseguiram elaborar uma máscara que não afetou tanto a visão e a respiração da bateria. Após os obstáculos, ela foi um dos pontos altos do desfile!


São Clemente 2017 – Os Músicos da Festa


No ano de 2017, foi a vez dos ritmistas da Fiel Bateria dos mestres Caliquinho e Gil passarem por mais momentos na Sapucaí por conta de fantasias.  Como sempre nos brindando com uma verdadeira aula, a professora Rosa Magalhães nos convidou para sua sala e apresentou a história de Luiz XVI e seus contextos políticos com o enredo Onisuáquimalipanse. Para tal, vestiu os ritmistas como os músicos de seu palácio na França. 

Os Músicos da Festa da escola da Zona Sul. Foto: Alexandre Durão/G1.

A boa exibição da bateria naquele ano ficou apagada pela fantasia grande e muito quente, que chegou a causar desmaios por desidratação e abafou o som de alguns instrumentos. A bateria deixou alguns décimos escorrer. No ano seguinte, 3 opções de figurinos foram apresentadas ao Caliquinho, apaziguando os problemas. 


Império Serrano 2018 – Exército de Terracota do Imperador Qin


No carnaval de 2018, tivemos o retorno do glorioso Império Serrano ao Grupo Especial do carnaval e podemos ver uma das baterias mais premiadas da história da folia de volta à elite carnavalesca. A Sinfônica do Samba, como é conhecida a orquestra do Império, veio com aquele balanço e com as características do Morro da Serrinha. No entanto, a fantasia infelizmente influenciou diretamente no desempenho da bateria. 

Sinfônica do samba na rota da China. Foto: Mauro Pimentel/AFP.

Os ritmistas desfilaram com um belo figurino representando o Exército de Terracota. O problema é que ele era feito todo de borracha com placas enormes na frente e nas costas da fantasia. Isso rapidamente foi sentindo pelos ritmistas que passaram muito mal durante o desfile. A passagem contou com pessoas não conseguindo sequer sair do primeiro recuo de tanto calor, com muitos casos de desidratação e desmaios. Um amigo pessoal foi uma das pessoas que desmaiaram naquele ano e falou que já se sentiu mal desde o início de desfile e forçou sua permanência até o segundo recuo, quando desmaiou e só acordou na ambulância ao lado de outros ritmistas.


Mangueira 2018 – Bate-Bolas


Seguindo no ano de 2018, vamos parar no Morro de Mangueira na bateria Tem Que Respeitar Meu Tamborim. Alegando que o dinheiro não era importante para os festejos foliões, o carnavalesco Leandro Vieira perpassou por carnavais de rua e colocou a bateria trajada com a roupa de um lindo bate-bola. Para o enredo, o figurino era simbolicamente perfeito, mas teve seus contras...

Mascarada, a Tem Que Respeitar Meu Tamborim cruzou a avenida de bate bola em 2018. Foto: Leo Queiroz.

A bateria veio mascarada, atrapalhando a comunicação entre ritmistas e diretores. A meu ver, tirou também um pouco da pressão da bateria causando um abafamento. Até a própria locomoção da bateria foi atingida naquele ano. Não tiveram influência nas notas, mas nunca é uma ideia plenamente amigável colocar os ritmistas mascarados!



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Texto: Talitha de Jesus
Revisão: Juliana Yamamoto e Luise Campos

Todas as segundas-feiras de outubro, a série Raízes da Garoa destrincha o Carnaval de São Paulo, desde suas origens no Vale do Anhangabaú e Avenida São João, até a sonoridade dos seus sambas-enredo e bateria, além de outros segmentos importantes: o visual e a dança. O objetivo desta série é explicar as peculiaridades e diferenças que envolvem a folia paulistana e a sua importância para a cidade. Agora que já abordamos a origem da festa e a sonoridade das baterias e samba-enredo, chegou a hora de nos aprofundarmos nos quesitos que enchem os nossos olhos: as fantasias e alegorias, parte essencial do desfile.
 
Um dos pontos mais incríveis sobre ser um folião é poder fugir da realidade, se transformando em personagem em uma apresentação; mas nem sempre foi assim. Na era dos cordões carnavalescos, os próprios foliões faziam suas fantasias, com poucos recursos financeiros e sempre respeitando as cores da agremiação. No antigo Grupo Carnavalesco Barra Funda, atual Camisa Verde e Branco, por exemplo, os participantes desfilavam com calça branca, camisa verde e chapéu de palha. O uso frequente das cores verde e branca nos festejos influenciou posteriormente no nome da agremiação. O Vai-Vai, outro cordão, tinha predominantemente fantasias em branco e preto na época. Além disso, uma grande preocupação era com os sapatos. Os componentes não desfilavam descalços, pois remetia às memórias da época da escravidão. Dessa forma, o uso dos calçados significava que o negro era liberto, por isso, sempre utilizavam sapatos ou botinas feitas de couro.

A partir da entrada das mulheres nos cordões, no início da década de 1920, as fantasias começaram a ser feitas com maior cuidado. Tanto as masculinas quanto as femininas eram sempre muito elegantes e cobriam a maior parte do corpo. Quando as escolas passaram a desfilar com um enredo, as fantasias acabaram se modificando, pois necessitavam contar a história desenvolvida na Avenida e, assim, começaram ser criados os grupos de fantasias iguais, as denominadas “alas”, aumentando o nível de responsabilidade.

Com a oficialização dos desfiles em São Paulo pela prefeitura e a chegada dos carnavalescos, em meados de 1970, o processo de cada componente fazer sua fantasia por muitas vezes em suas casas deu espaço para locais específicos para a confecção das indumentárias. Além disso, o trabalho para fazer uma fantasia tornou-se uma cadeia produtiva, envolvendo carnavalesco, modelistas, ferreiros, costureiras, aderecistas e chapeleiros. Através da evolução do Carnaval, até a maneira como as vestimentas são apresentadas mudou: na maioria das vezes, o carnavalesco as desenha, faz o projeto sair do papel e se tornar um protótipo, que é apresentado em uma festa muito esperada pela comunidade, o ‘’Lançamento dos Pilotos”. 

A Unidos do Peruche foi uma das pioneiras a introduzir fantasias mais pesadas e elaboradas para os componentes, quando o já consagrado carnavalesco Joãosinho Trinta estreou pela escola. Em razão do sucesso dessa “inovação” trazida para o carnaval paulistano, outras escolas passaram a adotar o “modelo” a partir da década de 1990, em busca de notas melhores, momento em que as fantasias se tornaram mais luxuosas e pesadas. 



Em 1988, a Unidos do Peruche muda a história e o conceito do Carnaval Paulistano.
Ala da bateria com fantasias. (Foto: Museu dos eventos – Anhembi Parque)

Desde então, o quesito vem evoluindo, chegando aos padrões que vemos hoje. Muito diferente dos tempos dos cordões, agora as fantasias contêm chapéus, costeiros, acessórios e adereços de mão que envolvem muita criatividade e um significado importante dentro do enredo, além da diversidade de materiais como: palha, franjas, pedrarias, penas, espelhos, tecidos, galões etc.

Segundo o manual do julgador do Carnaval paulistano, que tem suas peculiaridades em relação ao carioca, no quesito fantasia é analisada a uniformidade das indumentárias de acordo com a pasta que contém suas fotos ou desenhos. Essa “famosa” pasta, muito presente nas justificativas dos jurados, possui todas as informações do desfile que será apresentado na Avenida. Todas os figurinos precisam estar nesse compêndio e serem reproduzidos exatamente como foi mostrado. Fora isso, também são julgados o acabamento, verificando-se possíveis problemas de finalização da indumentária, como tecidos rasgados ou adereços quebrados, além da realização, em que se avalia se as fantasias apresentam variações de formas, cores e adereços, ainda que mantendo sua qualidade. As fantasias da comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira, componentes das alegorias, mestre e diretores de bateria e equipe técnica não entram no julgamento do quesito.

Agora... e os carros alegóricos? Aqueles artefatos grandiosos, cheios de elementos e cores, esculturas com movimento que nós amamos e as diversas composições que lhe dão vida? Em São Paulo, a primeira escola a utilizar os carros foi a Nenê de Vila Matilde, em 1956. Eram pequenas alegorias de madeira e uma delas tinha a escultura de um livro em que se lia ‘’Casa Grande e Senzala’’, título do enredo que consagrou a escola campeã naquele ano. Já as alegorias animadas (com movimentos), quem introduziu foi a Unidos do Peruche, em 1962, com um enredo sobre Castro Alves. O responsável por essas alegorias foi o carnavalesco Benedito Lobo, que também era compositor. Com a oficialização dos desfiles em 1968, as agremiações começaram a receber uma verba maior da prefeitura, e assim, começaram a produzir alegorias mais luxuosas. Naquela época, os carros eram todos feitos de madeira e coberto por tecidos ou papéis. O Vai-Vai, em 1969, construiu uma alegoria representando uma igreja barroca mineira, para ilustrar o enredo que homenageou Aleijadinho. 

Ao longo dos anos, com o crescimento da festa, os carros se tornaram maiores e mais duradouros. O que antes era feito somente de madeira, agora, além dela, contém eixos de caminhões, ferragem e rodas, sem contar as esculturas e demais elementos. Além das transformações na estrutura, as alegorias também passaram por transformações estéticas. 

Alegoria da Rosas de Ouro em 1984
(Foto: SASP Carnaval)

Nos anos 1990, houve uma grande mudança nos carros, que começaram a ficar ainda maiores, muito pela inauguração do Sambódromo do Anhembi, que tinha uma pista maior e mais ampla que a Avenida Tiradentes. Ademais, as escolas começaram a “competir” entre si para ver qual traria o maior carro alegórico para a Avenida. O modelo de alegorias das escolas cariocas e a vinda dos profissionais do Festival de Parintins, que iniciaram a era dos carros articulados com movimentos, influenciaram e deram um novo significado a essas peças fundamentais num desfile. 

Nos anos 2000, uma mudança ainda maior na estética das alegorias veio com o Império de Casa Verde e seus famosos tigres. A azul e branca marcou e tornou-se referência pelo grande tamanho de seus carros desde que ingressou ao Grupo Especial, em 2003, com esculturas de tigres entre 55 e 60 metros de comprimento, carros extremamente luxuosos e altos, utilizando diferentes tipos de materiais. Após o sucesso de seus desfiles e o bicampeonato em 2005 e 2006, as outras agremiações começaram a investir ainda mais no visual que iriam apresentar na Avenida e, desde então, as alegorias tornaram-se cada vez maiores, tanto em altura quanto em comprimento, e também mais suntuosas. 

Alegoria da Império de Casa Verde em 2006. (Foto: Museu Anhembi)

Outro fator que contribuiu para o crescimento foi a construção da Fábrica do Samba, localizada na Zona Norte de São Paulo, próxima ao Sambódromo do Anhembi, onde atualmente há 7 agremiações (Acadêmicos do Tatuapé, Águia de Ouro, Dragões da Real, Gaviões da Fiel, Mancha Verde, Tom Maior e Unidos de Vila Maria). O espaço, que foi criado para a construção dessas peças para o desfile, contribuiu para elevar o nível da competição e, consequentemente, o nível das alegorias. Diferentemente do Rio de Janeiro, onde os carros são levados para Presidente Vargas apenas um dia antes do desfile, na Terra da Garoa, tanto as escolas do Grupo Especial quanto as do Grupo de Acesso I e II levam seus carros desmontados uma semana antes para os espaços destinados a elas: as baias disponibilizadas na concentração e dispersão do Sambódromo e no terreno que se encontra ao lado da dispersão. Na semana do Carnaval, os profissionais do barracão se dedicam integralmente para a montagem dos carros e a realização dos últimos ajustes e retoques, fazendo com que as alegorias possam chegar até 14 metros de altura. 

No julgamento desse quesito, há três pontos de avaliação: execução, realização e acabamento. Na execução, são avaliados os carros alegóricos e elementos cenográficos através da ideia proposta pela escola. Na realização, julga-se se eles foram confeccionados com variações de formas e cores, sempre verificando se possuem proporção e volumetria. E, no acabamento, é observado se houve cuidado e atenção na confecção e decoração dos carros, apresentando qualidade no material utilizado, de forma original ou luxuosa. Nesse formato de julgamento, no quesito alegoria, não só os carros alegóricos são julgados, mas são avaliados também os destaques, composições e elementos.

Detalhe de uma alegoria da Mocidade Alegre em 2020.
(Foto: Carnavalesco)

Sem dúvidas, tanto as alegorias e fantasias se modificaram e evoluíram ao longo dos anos. Parte importante de um desfile, o visual faz a diferença numa apresentação e deixa os olhos do público “brilharem”. Mas é importante relembrar do surgimento das fantasias na época dos cordões carnavalescos, com materiais simples e muitas vezes recicláveis, assim como também eram as alegorias. Para chegarem às que conhecemos nos dias de hoje, elas passaram por várias mudanças e evoluções e é fato que o visual de São Paulo tem sua própria identidade e característica, sempre encantando os foliões. Semana que vem estaremos de volta com o último texto da série Raízes da Garoa, no qual abordaremos a dança na folia paulistana, mais precisamente nos quesitos comissão de frente e mestre-sala e porta-bandeira. Não deixe de nos acompanhar e carnavalize conosco! 



Referências bibliográficas:

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Da%20oficializa%C3%A7%C3%A3o%20ao%20samb%C3%B3dromo.pdf

https://www.bloglogistica.com.br/mercado/a-logistica-dos-desfiles-do-carnaval/amp/

https://sasp.com.br/wp-content/uploads/2020/02/ManualdoJulgadorOFICIAL_2020.pdf




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Texto: Osmar Filho 


Quem vai às quadras ou mesmo ao barraco de uma Escola Samba poderá reparar na quase sempre presença de um altar onde um santo ou uma santa, enfeitados com flores, copo com água, vela de 7 dias e outros detalhes que dizem respeito à religiosidade dos sambistas daquela agremiação. Essa presença  leva o visitante de imediato ao catolicismo, pois São Jorge, São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição ou das Candeias, São Jerônimo ou São Pedro são santos do panteão romano, e nos ligam a Deus através de suas gloriosas intercessões, conectam e validam a fé do sambista, protegem e apadrinham essas comunidades... 


Apesar dessa relação da fé com tais ícones ser válida, ela representa, na verdade, um fenômeno antigo de resistência cultural negra: o sincretismo  religioso, já que igualmente não podemos deixar de perceber que esses mesmos santos são muito menos referendados nos sambas-enredo de carnaval que nas quadras das escolas e nos dias santos. Nos sambas são cantados com mais frequência os nomes de orixás, nkisis e voduns, divindades africanas da ancestralidade negra de culto milenar, existentes muito antes do tempo de Cristo. 

Atravessadas pelas resistências dos escravizados sequestrados da África ao Brasil, essas divindades negras eram representadas no passado por objetos que vinham escondidos pelos nos corpos de nossos ancestres, fetiches que por vezes eram engolidos ou agarrados dentro dos porões dos navios negreiros, fundamentos que eram transportados por eles até o cativeiro brasileiro, sendo enterrados no fundo das senzalas pelos jejes ou mesmo celebrados sob o manto de santos católicos pelos bantus desde 1530 e mais tarde pelos iorubás chegados nos fins do século 18.  

 


Com a abolição oficial de 1888, as povoações negras antes presas em senzalas ou já mesmo concentradas em torno de seus próprios quilombos e centros de culto como os terreiros migram do contexto quase estritamente rural e ganham corpo nas cidades, principalmente a do Rio de Janeiro, que conta como porto de chegada de múltiplos pretos diaspóricos, vindos da Bahia, como Tia Ciata, ou mesmo de Minas Gerais e do Vale do Paraíba no sul do Rio, assumindo lugares importantes para a formação do samba, como a região da então Fazenda Madureira, na linha dos subúrbios, e mais tarde a Baixada Fluminense. Como diz o filósofo Wallace Lopez, uma dessas “praças negras” foi a Casa de Tia Ciata, nos arredores da Praça XI. 

Certamente Tia Ciata, como as demais mulheres baianas quituteiras, ganhadeiras, rendeiras do Partido Alto baiano e mais tarde também carioca, tinham sua fé católica bastante garantida e expressa, pois frequentavam missas, faziam parte de irmandades católicas que existem até os dias atuais, tomavam conselho com os párocos locais etc. Tal prática, oriunda ainda dos tempos de escravidão, não as impedia, porém, de seguir conselhos de seus respectivos babalawos de Ifá e de ter seus próprios jogos de búzios e culto aos ancestrais africanos, sendo essas baianas por isso mesmo grandes ialorixás do candomblé, “mães de santo” na terminologia popular atual e “mãe dos pretos” na terminologia antiga, usada entre os escravizados. Na Casa de Tia Ciata, depois dos cultos de candomblé e da visita ilustres de seus orixás africanos, os sambistas do pós-abolição se reuniam para celebrar a vida terrena, dando gênese ao samba. 

Assim, com o espirito fortalecido pelas energias da natureza, pela comida preparada com cerimônia e responsabilidade pelas mulheres de nguzu e axé, esses homens – geralmente estivadores do cais do porto e outras profissões do ganho externo – tocavam samba, talvez ainda com os mesmos atabaques com que invocaram seus antepassados sagrados Legba, Ogun, Nkosi, Oxossi, Cabila, Nzazi, Xangô, Sogbo, Kaiala, Iemanja, Kavungo... ou mesmo a própria Oxum, materializada em sua filha ilustre Ciata. Sempre houve, assim, pela parte africana de nossa força e resistência, uma integração entre o sagrado e o profano, já que eram próximos os espaços onde se cultuavam orixás e ancestrais e onde se faziam os sambas de roda e as rodas de samba. 

Assim segue sendo até hoje nos candomblés mais tradicionais, em que o samba de roda baiano é meio de celebração após longas semanas de obrigação e sacrifício espiritual. Com cerveja e alegria, os “irmãos de santo” celebram a obrigação cumprida e a bênção dos seus ancestres. Quantos sambas certamente não foram compostos ao lado de quartos de santo em algumas dessas rodas dentro de terreiros?.... Dessa forma, se por um lado a fé oficial católica dos tempos coloniais sempre propunha dividir as dimensões do sagrado e do profano em regiões da vida praticamente inimigas uma a outra, a expressão negra da espiritualidade até os dias atuais demonizada e alvo de ataques por parte de inimizades auto intituladas evangélicas nunca ousou distanciar o corpo do espírito, e, com isso, o samba vem do rum e da cantiga, o batuque, da bateria, os ogans são ritmistas e as baianas, mães de santo, formando uma continuidade respeitosa entre os dois mundos.  
 

É importante atentarmos também para as relações comunitárias que conectam esses mundos. Se em África a ancestralidade que rege suas respectivas comunidades era unívoca – isso é, cada povo, cada aldeia tinha seu ancestral tutelar único de culto e linhagem –, no Brasil afro-diaspórico, essas linhagens se reconhecem e se misturam. Com isso, um povo de uma determinada linhagem, até mesmo antagônica a outra, teve de rever certas inimizades aqui no cativeiro e refazer sua existência ao conviver com o outro, como irmãos. 

Dessa convivência é que surge a complexa civilização africano-brasileira que reuniu num mesmo território saberes de diferentes vetores ancestrais, sendo, por isso, as sambalidades tão diversas entre si, nos modos de tocar das baterias, nos pavilhões de cada cor e símbolo, nos tempos em que cada escola nasceu e se desenvolveu, na comunidade em que cada axé nguzu e samba se implantaram… Teria vindo dessa coexistência ora tensa, ora pacífica, o hábito de chamarmos as escolas e comunidades de coirmãs. Quem chega à Cidade do Samba, por exemplo, observará, no grande terreno, a disposição concêntrica de uma grande aldeia, em que os barracões em círculo remetem-nos à convivência entre seus próprios Orixás Patronos, entidades tutelares de cada comunidade. 

Assim como quem visita um terreiro verá como os orixás vivem cada qual em sua casa, reino ou simplesmente quarto de santo, reunidos por famílias ou linhagens.  Tomemos como exemplo o São Jorge da Beija-Flor ue ladeia o São Sebastião da Mocidade Independente de Padre Miguel, lembrando, pela via do sincretismo, a irmandade mítico-ancestral entre Ogun e Oxossi. No mito, Ogum e quem ensinou Oxóssi a caçar, como seu irmão mais novo; na história do samba, a madrinha da Mocidade e a Beija Flor de Nilópolis. E assim por diante. 
 

A escolha da comunidade de Samba pelo seu Orixá tutelar ou Santo de devoção não acontece por livre espontânea vontade dos viventes neste mundo, mas certamente é um acordo do nkisi Tempo com os seres humanos. Tais comunidades contam com os fundadores, os pioneiros que deram ensejo à criação daquele mundo comunitário e é a partir deles que os mais novos se conectam aos mais velhos, aos ancestrais veneráveis e aos seres espirituais. Assim, se pensarmos que Tia Ciata era uma dileta filha de Oxum, orixá responsável pelo fertilidade e pelo nascimento, pela riqueza e pela beleza dos seres humanos, entendemos como o samba das escolas de samba do Rio de Janeiro se enredam num mundo de beleza e riqueza, em que pelo menos por um dia naquela avenida, empregadas domésticas e cobradores de ônibus, “gente humilde e gente pobre que traz um samba na veia, um samba de gente nobre”, como cantou Candeia, vestem-se de brilho e brilham para que todo o mundo veja o quanto possuem valor, a despeito de o mundo dizer que não. 



Também é esse ancestre ou esse conjunto de ancestres tutelares que determinam uma série de outros detalhes no desenvolvimento das suas respectivas comunidades de samba a quem protegem e alimentam. Não podemos esquecer de pormenores importantes para o axé ou ngunzu comunitário, como as cores da escola. A vibração do Salgueiro pelo vermelho, por exemplo, remete ao seu patrono Xangô, a quem a escola homenageou em 1989 e 2019. O vermelho igualmente se relaciona com a esposa desse orixá, Oya-Iansã, que celebrada por essa vibração, foi cantada em 1984 com o belo refrão: Oya, Oya, água de cheiro pra ioiô, | vou mandar buscar na fonte do senhor. O vermelho de Xangô e do Salgueiro confluem campos de significados que se espalham em sua linguagem como busca de equilíbrio e justiça, atributos de seu ancestral maior. Seu lema “nem melhor nem pior, apenas diferente” remete a essa justiça; sua Bateria chamada de “Furiosa” reflete o poder do fogo e o lado guerreiro do alujá, tocado para Xangô, além dos enredos que mormente referenciam o negro em posição de luta e nobreza e acentuam as associações entre essa escola de samba e seu orixá de devoção. 

A Estação Primeira de Mangueira celebra por sua vez Iansã, dona dos céus cor de rosa, como da sua bandeira. Em 2016 sagrou-se campeã colocando à frente de seus cortejos mulheres negras guerreiras e os búfalos que guardam os mistérios dessa força da Natureza. Assim como em 2021 o enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel falará da identidade da escola a partir de seu patrono Oxóssi. Suas cores verde e branco associam-se ao orixá dos caçadores, patrono dos caboclos e dos povos de floresta. A vocação da escola de Padre Miguel para falar das questões territoriais indígenas foi explorada com esmero nos anos 1980 por Fernando Pinto em pelo menos 2 enredos emblemáticos: Como era verde o meu Xingu e Tupinicópolis, além de outras características do DNA independente como a irreverência e a independência que carrega no nome terem íntima relação com a personalidade aguerrida e desbravadora de Oxóssi, livre por natureza como os índios e os negros caçadores. Sagrada a Oxóssi também parecem ser outras agremiações queridas e basilares do samba carioca, como a Portela e o Paraíso do Tuiuti. 

 

Todas essas conexões ancestrais e espirituais fazem do samba algo profundamente sagrado e sério. A ancestralidade acumulada em cada corpo e espírito de pretos e pretas sambistas dará conta de cobrar a quem não respeitar esses fundamentos, a quem desvirtua o lugar de fala desses filhos e filhas de linhagens pretas. É com tristeza que percebemos hoje que a espiritualidade preta comunitária não é vivenciada pela maioria das pessoas a quem essa ancestralidade serve de herança, tanto o cristianismo forçado de outros tempos, quanto a debandada de baianas para igrejas evangélicas atualmente apontam para os desafios que os sambistas do futuro terão de enfrentar. Para que não cheguemos aos absurdos de não saber os fundamentos de uma bateria de escola de samba ou o porquê de as baianas girarem. E porque giram espalhando axé e ngunzu, não podem entrar na avenida sem suas anáguas e saias de roda.  


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IGI OS̩È BAOBÁ

Pilar que une o céu e a terra!
Elo entre vivos e mortos.
Deus vivo e presente, és tu ó Baobá,
árvore sagrada testemunha do tempo.

O guerreiro de Oyó contempla Igi Oṣé.
Ele sente a energia. Evoca proteção com afeto e respeito.
O tronco é seu templo, e ali expressa sua religiosidade.

Saluba Nanã! Mãe de todos nós.
Tuas águas abundantes repousam no tronco do Baobá, nutrindo a terra.
Por ti os galhos se vestem de ojás lilás.

Orixás e vegetal estão unidos na energia sagrada…
Salve o Rei Dono da Terra! Omulu, curai-nos de todos os males que assolam nosso Aiyê!

Árvore da vida, ó Baobá.
Tu emanas a energia primeva que no solo africano faz eclodir a natureza. É ela que sopra o
vento da savana, e faz teus galhos balançarem.
A fauna passeia livremente ao seu redor, e tudo se doura sob a luz do Sol.
Teus frutos, folhas e sementes são alimentos e remédios para os seres vivos.
Tu és mãe que sacia nossa sede e fome.
Sob tua copa, oferece generosa e benfazeja sombra em meio à aridez das regiões onde impera.
Tuas raízes representam os ancestrais de nossas comunidades,
aconselham-nos e ajudam-nos a seguir com coragem e decisão.

Em Ajudá, o Rei Guezo nos fez esquecer…
Voltas e voltas em torno de ti para apagar toda nossa devoção, nossas lembranças, torná-la
“Árvore do Esquecimento”.
Portal do Não Retorno jamais conseguiu.

Fizemos de teu tronco, aparentemente tombado, a balsa que atravessou oceanos para nos
levar rumo ao desconhecido. E assim tuas raízes uniram dois mundos. Tua força multiplicada
ganhou novo significado em terras distantes.

Baobá, Árvore da Resistência!
Todos os solos pisados por pés africanos, sob a poeira da resiliência, fez com que a cultura
negra semeasse pelas Américas, germinando um Novo Mundo e a representação de sua fé. E
se algum desalento nos toca, ao olhar para teu esplendor, nos conectamos em seus firmes
troncos com nossa herança, e nos revitalizamos com a energia de nossos antepassados.

Fincamos em tuas raízes profundas valores e crenças que nenhum preconceito é capaz de
fazê-los tombar. E no solo rochoso da discriminação, elas encontraram fendas para ir mais
além, penetrando mais profundamente no solo, até, finalmente, encontrar a esperança.

E assim o tempo passou. Ora calmo, ora agitado como o vento a balançar tuas folhas… E sob o
Arco-iris de Oxumaré, tudo tornou-se menos sombrio.

Nos quilombos, favelas ou periferias, teus “rebentos” brotaram como galhos distintos que se
estenderam por toda América, expressando a identidade preservada da terra de seus
ancestrais, a África. No Brasil, os frutos nasceram em forma de Maracatu, Maculelê, Tambor de
Crioula, Caxambu, Jongo, Funk e tantas outras manifestações afro-brasileiras, assim como o
Samba.

Nas franjas da Região Central do Rio de Janeiro, espraiando-se por áreas alagadiças, floresceu
a Pequena África. Da Pedra do Sal à mítica Praça Onze, nos morro e subúrbios, os herdeiros do
“Berço do Mundo” comungaram sentimentos, compartilharam seu passado comum e criaram
as escolas de samba.

Nossos fundadores são nossos antepassados. Os velhas guardas, os guardiões de nossas
memórias. As baianas, a herança das antigas festas, profanas e sagradas. Ao som do batuque
da bateria, o suor dos passistas verte nossa ancestralidade. E até hoje, sempre que os
sambistas se unem de mãos dadas, sentem reverberar em suas almas a energia primordial
unindo a África e o Brasil, como bons filhos da diáspora que todos somos. O samba respira
como um velho Baobá.

Ọpẹ

Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage.


 

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